Por conta das medidas contra o tal de COVID-19, há quem não tenha saído de casa. E, fuçando em sua biblioteca, tenha sacado da prateleira Essa Gente, de Chico Buarque, Companhia das Letras, 31.ª edição. Dentro do livro, um recorte com a notícia sobre a reação do Chico diante da censura do tal de Bolsonaro, descabelado diante da premiação. Para ele, qualquer diploma é uma afronta.
– A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo Prêmio Camões…
Como todos sabem, com as devidas exceções, é claro, começando pelo dito supremo mandatário e sua patota, o Prêmio Camões de Literatura foi instituído em 1988 “com o objetivo de consagrar um autor de língua portuguesa que, pelo conjunto de sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural de nossa língua comum”.
A Menção Internacional foi criada pelo Protocolo Adicional ao Acordo Cultural entre os governos português e brasileiro, representados, respectivamente, pela Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das bibliotecas/Secretaria de Estado da Cultura (Portugal), e pela Fundação Biblioteca Nacional/MinC (Brasil).
Considerado o mais importante prêmio da língua portuguesa, contempla anualmente autores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP. A comissão julgadora é composta por representantes do Brasil, de Portugal e de países africanos de língua oficial portuguesa.
O nosso prezado vampiro
Em 2012, inclusive, em sua 24.ª edição, quem levou o Prêmio Camões foi o nosso prezado amigo Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba. Foi no dia 21 de maio. A mais importante láurea literária da língua portuguesa foi concedida ao escritor que, no mês seguinte, dia 14 de junho, completaria 86 anos.
Mas, ainda sobre o Chico Buarque, nosso amigo acantonado em casa sacou da discoteca um LP. E, erguendo o som, inundou a sala com Apesar de Você, de 1970. Uma composição, aliás, altamente premonitória:
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal