Apesar de você e do vírus

Em tempos de derrapadas federais no combate à pandemia de coronavírus no Brasil, a canção Apesar de Você, de Chico Buarque, de 1970, se mostra muito atual

Por conta das medidas contra o tal de COVID-19, há quem não tenha saído de casa. E, fuçando em sua biblioteca, tenha sacado da prateleira Essa Gente, de Chico Buarque, Companhia das Letras, 31.ª edição. Dentro do livro, um recorte com a notícia sobre a reação do Chico diante da censura do tal de Bolsonaro, descabelado diante da premiação. Para ele, qualquer diploma é uma afronta.

– A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo Prêmio Camões…  

Como todos sabem, com as devidas exceções, é claro, começando pelo dito supremo mandatário e sua patota, o Prêmio Camões de Literatura foi instituído em 1988 “com o objetivo de consagrar um autor de língua portuguesa que, pelo conjunto de sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural de nossa língua comum”.

A Menção Internacional foi criada pelo Protocolo Adicional ao Acordo Cultural entre os governos português e brasileiro, representados, respectivamente, pela Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das bibliotecas/Secretaria de Estado da Cultura (Portugal), e pela Fundação Biblioteca Nacional/MinC (Brasil).

Considerado o mais importante prêmio da língua portuguesa, contempla anualmente autores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP. A comissão julgadora é composta por representantes do Brasil, de Portugal e de países africanos de língua oficial portuguesa.

O nosso prezado vampiro

Em 2012, inclusive, em sua 24.ª edição, quem levou o Prêmio Camões foi o nosso prezado amigo Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba.  Foi no dia 21 de maio. A mais importante láurea literária da língua portuguesa foi concedida ao escritor que, no mês seguinte, dia 14 de junho, completaria 86 anos.

Mas, ainda sobre o Chico Buarque, nosso amigo acantonado em casa sacou da discoteca um LP. E, erguendo o som, inundou a sala com Apesar de Você, de 1970. Uma composição, aliás, altamente premonitória:

Hoje você é quem manda

Falou, tá falado

Não tem discussão

A minha gente hoje anda

Falando de lado

E olhando pro chão, viu

Você que inventou esse estado

E inventou de inventar

Toda a escuridão

Você que inventou o pecado

Esqueceu-se de inventar

O perdão

Apesar de você

Amanhã há de ser

Outro dia

Eu pergunto a você

Onde vai se esconder

Da enorme euforia

Como vai proibir

Quando o galo insistir

Em cantar

Água nova brotando

E a gente se amando

Sem parar

Quando chegar o momento

Esse meu sofrimento

Vou cobrar com juros, juro

Todo esse amor reprimido

Esse grito contido

Este samba no escuro

Você que inventou a tristeza

Ora, tenha a fineza

De desinventar

Você vai pagar e é dobrado

Cada lágrima rolada

Nesse meu penar

Apesar de você

Amanhã há de ser

Outro dia

Inda pago pra ver

O jardim florescer

Qual você não queria

Você vai se amargar

Vendo o dia raiar

Sem lhe pedir licença

E eu vou morrer de rir

Que esse dia há de vir

Antes do que você pensa

Apesar de você

Amanhã há de ser

Outro dia

Você vai ter que ver

A manhã renascer

E esbanjar poesia

Como vai se explicar

Vendo o céu clarear

De repente, impunemente

Como vai abafar

Nosso coro a cantar

Na sua frente

Apesar de você

Amanhã há de ser

Outro dia

Você vai se dar mal

Etc. e tal

Sobre o/a autor/a

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