Cerca de trinta e três milhões de pessoas não têm o que comer diariamente no Brasil. Os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil e demonstram como a fome avança no país. Em 2020, o número de brasileiros nessa situação era de 19 milhões.
As estatísticas apontam ainda que 25,7% das pessoas em situação grave de insegurança alimentar residem na região Norte e 21% na região Nordeste. Em grande parte, são famílias de áreas rurais. Entre os profissionais, os mais prejudicados são agricultores e pequenos produtores. Ao todo, 21,8% desses profissionais não conseguem abastecer a geladeira.
Os índices de fome nos lares comandados por pretos e pardos também saltaram de 10,4%, em 2020, para 18,1%, em 2022. O levantamento foi realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) e divulgado no dia 8 de junho.
Segundo o professor do curso de Serviço Social da Uninter José Luis de Oliveira, essa questão está muito relacionada a interesses diversos da sociedade, além dos aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos. Ele levanta a importante questão: será que quando falamos sobre direito à alimentação estamos falando somente sobre o direito a comer?
De acordo com Oliveira, não. “Podemos pensar na alimentação por duas perspectivas, pelo menos, a liberal e a cidadã”, explica.
Entendemos por perspectiva liberal a noção econômica, que trata do direito do consumidor a ter renda e poder de escolha sobre os alimentos que irá consumir. Quanto à perspectiva cidadã, refere-se ao direito à segurança alimentar, previsto em Constituição, assim como o direito à educação, moradia etc.
Em ambas as perspectivas, aqueles que não têm renda fixa são os mais prejudicados. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no início do mês mostram que a renda do brasileiro decaiu em consequência da crise econômica durante a pandemia, provocando a queda recorde no rendimento mensal da população desde 2012.
À mercê da fome
Em tese, segurança alimentar é quando um indivíduo tem acesso regular a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. Atualmente, somente 41,3% dos brasileiros se encontram nessa condição. O restante da população, incluído no grupo de insegurança alimentar, pode ser dividido em três categorias: leve, moderada e grave.
Atingindo cerca de 28% dos brasileiros, a insegurança alimentar leve abarca famílias que têm preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos, optando por criar estratégias para não comprometer a renda mensal e a alimentação.
São 15,2% os brasileiros que se encontrarem em nível moderado, quando existe a redução ou falta de alimentos, promovendo uma ruptura nos padrões de alimentação do indivíduo. Por fim, a insegurança alimentar grave, que assola 15,5% da população, é quando essa redução ou falta de alimentos atinge não só adultos, mas também crianças.
Políticas governamentais
Ter acesso a alimentos de qualidade que atendam a sua cultura alimentar, e em boa quantidade, ficou ainda mais difícil ao analisarmos a mudança de foco na política de alimentos no país.
Oliveira explica que, como o governo foca no mercado externo, nossa população fica à mercê daquilo que sobra, do resto da produção, no sentido pejorativo mesmo. “Como somos grandes produtores, mas vendemos tudo que produzimos, o que nos resta é de segunda categoria e por um preço que faz com que as pessoas não tenham acesso”, afirma.
Segundo o Ministério da Agricultura, as exportações do agronegócio do Brasil totalizaram US$ 14,86 bilhões em abril, um recorde para o mês. Por focar no mercado externo, a política implementada privilegia o agronegócio exportador em detrimento da agricultura familiar.
Muito disso se deve ao desmantelamento de políticas como o Programa de Agricultura Familiar e o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que auxiliavam a população nos mais diversos âmbitos sociais.
Também professora do curso de Serviço Social da Uninter, Neiva Silvana Hack afirma que temos de ter um olhar abrangente para o desenvolvimento de políticas públicas em relação à alimentação no país. “As pessoas devem ter acesso a alimentos de qualidade e a possibilidade de escolha”, conclui.
Orientação: professora Larissa Drabeski.