Não caia em qualquer proposta “CTRL C e CTRL V de Modelo Estrangeiro”

Não se deve negar a inspiração em modelos que demonstram eficiência

Desde que a crise política se instalou no Brasil passou a ser rotina vermos militares fazerem ameaças à democracia caso as instituições não acatem as suas vontades, um presidente ameaçar golpes e desprezar todo o decoro democrático, juízes e Ministério Público em conluio para implementar uma agenda política, candidatos usando lemas integralistas, parte da esquerda idolatrando ditadores admiradores do fascismo etc. Diante desta situação, demonstraremos como uma análise comparativa e histórica de outros países podem nos ajudar a entender o porquê de o Brasil ter tantas dificuldades na consolidação de uma democracia plena, não só na mera formalidade, mas na alma de sua sociedade, independente de classes, ideologia e instituições.

É preciso compreender inicialmente que cada país tem inúmeras variáveis que fazem com que as causas e soluções dos mais diversos problemas não possam ser simplesmente replicações do que foi feito em outros lugares. Não é copiando todos os modelos institucionais, sociais, econômicos e jurídicos dos países nórdicos que transformaria o Brasil numa Islândia. Para tanto, vamos aprofundar um pouco mais em como as diferenças, grandes ou pequenas, na formação dos Estados, de sua elite e da sua cultura acabam por levá-los em caminhos diversos.

Para nos auxiliarmos nesta reflexão, recorremos à obra de Barrington Moore Jr. “Origens sociais da ditadura e da democracia”. Moore Jr. tenta achar explicações do por quê sociedades com características sociais históricas parecidas, como o feudalismo, tiveram destinos diferentes, como por exemplo: o Reino Unido teve um sistema feudal, assim como a Alemanha e a Rússia, mas por que no século XX os britânicos consagraram um regime democrático liberal, enquanto na Alemanha e na Rússia rumaram para o fascismo e o socialismo, respectivamente?

Para poder responder a estas questões, Moore destaca acontecimentos críticos que a causa daquela determinada revolução esteve presente, utilizando o método da diferença. Isto é, se X está presente o fenômeno Z ocorre, se X está ausente, não há ocorrência do fenômeno Z. Também foi utilizado a análise de conjuntura crítica, ou seja, em certas épocas, essas sociedades passaram por momentos de “divisão de água” em que as escolhas feitas naquele exato momento abriram certas possibilidades e fecharam outras. Então, é analisado o legado destas preferências – sociedades que optaram por democracias legaram a liberdade de expressão, de imprensa, política e econômica; aquelas que optaram pelo regime fascista, legaram a centralização do Estado, repressão, exclusão de minorias, liberdades individuais cerceadas; e aquelas que optaram pelo regime comunista, legaram a estatização da economia, cerceamento de liberdades individuais, censura à religião etc.

Moore Jr. teoriza mais uma outra pré-condição necessária para o surgimento de uma democracia moderna europeia: a presença de um certo equilíbrio entre a nobreza e a Coroa. Mais adiante, o autor já identifica uma causa necessária para que haja democracia, a presença da burguesia. Todavia, a presença da burguesia não é por si só suficiente, os atores rurais têm o seu papel a contribuir. O autor observa que, mesmo com a ascensão do absolutismo pela Europa continental, no Reino Unido estava em caminho oposto pelo fato da aristocracia proprietária inglesa começar a aderir características comerciais. Portanto, se torna determinante para a democratização a aristocracia proprietária se tornar comercial e da forma como se comercializou.

Por outro lado, na Rússia desencadeou uma revolução comunista porque os camponeses eslavos, diferentemente dos ingleses que se tornaram mãos-de-obra livres, foram submetidos à servidão. Não por interesse econômico, mas sim por interesse político, e quando superada essa fase, sobreviveu uma massa camponesa que se tornaram um “problema” para a democratização parlamentar, gerando um gatilho para uma revolução comunista. Enquanto na Alemanha Oriental, os “junckers” (grandes proprietários de terras e militares de elite nos estados alemães) reduziram os camponeses à mesma condição, todavia, para servir aos interesses dos grandes comerciantes, fator central para diferenciar da situação russa, onde a classe superior proprietária fez-se utilizar de suas forças políticas e sociais para fazer a transição para a agricultura comercial aliado ao desenvolvimento industrial, o que resultou no fascismo.

Estas variáveis trabalhadas por Moore Jr não explicam sozinhas o surgimento das democracias fortemente estabelecidas. Hitzel aborda a dualidade do estamento burguês e o Estado na representação da nobreza. Max Weber ainda considera o papel da religião e a formação/características das burocracias de diferentes países para compreender o regime representativo do ocidente.

Levando todas essas considerações acima, conseguimos agora entender um pouco das dificuldades de se estabelecer uma democracia plena em nosso país. Seja devido ao nascimento de nossa república ter sido movido por militares com a sua doutrina positivista que os põem como os condutores do Estado brasileiro – crença essa refletida até o presente. Seja pela incessante procura por um salvador da pátria. O que isso quer dizer? Nestas figuras carismáticas e demagógicas são depositadas grande parte da confiança popular, independente se seu plano político está de acordo com as normas constitucionais e democráticas e em despeito das instituições e partidos. Característica esta comum na América Latina, cuja região foi desenvolvida na base do paternalismo, patrimonialismo e mandonismo. As elites locais em raras vezes criaram um espírito liberal – nada mais é do que uma herança colonial dos portugueses e espanhóis, como aponta Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder”. Existem ainda diversos outros fatores que ilustram essas dificuldades encontradas, o que tornaria este texto inacabável.

Por fim, ressalta-se que não se deve negar a inspiração em modelos que demonstram eficiência e eficácia, muito pelo contrário. Porém, é preciso ter prudência e considerar todas as características que o Brasil possui, do mesmo modo que se deve analisar e comparar com os aspectos daquele país modelo em questão, tanto suas similaridades quanto suas diferenças, antes de se propor uma reforma “preguiçosa”.

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