Da propaganda eleitoral negativa irregular e a liberdade de expressão dos candidatos à eleição

A liberdade de manifestação, apesar de plena, não é absoluta, ao passo que a justiça e os tribunais eleitorais devem interpretar a propaganda sob o óbice do princípio da proporcionalidade

Em período de eleições municipais, o debate com relação à liberdade de expressão e livre manifestação dos candidatos adquire força. Isso porque, comumente os candidatos à cargos dos pleitos majoritário e proporcional manifestam-se, principalmente, por meio da rede mundial de computadores – internet– com relação aos feitos realizados ou não, por aqueles que ocupam mandatos junto ao Poder Executivo e Legislativo municipal.

Todavia, torna-se importante indagarmos quais são os limites da liberdade de manifestação dos candidatos a respeito não só das realizações promovidas pelos vereadores, vice-prefeito e prefeito atuantes no último mandato, mas também sobre sua índole, honra, e fatos sabidamente inverídicos.

Muitas vezes, a população eleitora se depara com frases, proferidas por candidatos, como: “O atual prefeito é um ladrão, ele roubou a prefeitura durante seus quatro anos de mandato”, “a atual gestão é um lixo, todos deveriam ser presos por essa roubalheira” “o candidato X tem nojo de pessoas de classes menos favorecidas, isso está nítido quando ele conversa com a população”.

Além disso, discursos sabidamente inverídicos também são vinculados por candidatos. Como exemplo, extraem-se as ocorrências das eleições para o cargo de Presidente da República do ano de 2022, em que o segundo turno foi preenchido pelos candidatos, à época, Lula e Jair Bolsonaro. No referido pleito, por diversas vezes foram veiculados na Internet fatos sabidamente inverídicos sobre os aludidos candidatos ao segundo turno, dentre eles, o episódio em que o representado Flávio Nantes Bolsonaro publicou em seu perfil na plataforma Twitter informação que associava o Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente da República e candidato Luiz Inácio Lula da Silva à organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC), tendo sido condenado ao pagamento de multa e a imediata remoção da publicação.

Outro episódio das eleições em comento, foi aquele em que a representada Gleisi Hoffmann associou o candidato Jair Bolsonaro ao crime de assassinato, responsabilizando-o como mandante do delito, em publicação divulgada, também, na internet. Nesse caso, a representada foi notificada a remover o conteúdo irregular da plataforma Twitter, sob pena de multa diária.

Portanto, a incidência de propaganda eleitoral negativa irregular, não só é corriqueira durante o período eleitoral, como restou demonstrada pelos exemplos supramencionados.

Nessa toada, torna-se importante a elucidação quanto ao conceito de propaganda negativa. Conforme o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná: “A propaganda eleitoral antecipada negativa se configura quando há pedido explícito de não voto ou desqualificação da honra e imagem do pré-candidato” (BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Recurso Eleitoral 060027132/PR, Relator(a) Des. Desa. Claudia Cristina Cristofani, Acórdão de 17/09/2024, publicado no(a) Publicado em Sessão 641, data 18/09/2024), ainda, “Configura-se propaganda eleitoral antecipada negativa quando há disseminação de conteúdo ofensivo ou falso em redes sociais, com o intuito de influenciar negativamente a opinião do eleitorado sobre candidatos ou partidos” (BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Recurso Eleitoral 060006485/PR, Relator(a) Des. Eleitoral Julio Jacob Junior, Acórdão de 09/09/2024, publicado no(a) Publicado em Sessão 804, data 11/09/2024).

Em suma, trata-se de propaganda eleitoral que possuí caráter ofensivo à honra ou imagem, ou divulga fatos sabidamente inverídicos em desfavor de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, nos termos do artigo 27, §1º, da Resolução TSE 23.610/19.

Ademais, a propaganda eleitoral negativa, que veicula conteúdo com alguma das características acima descritas, além de cominar em multa e notificação para remoção da publicação irregular, dependendo de sua gravidade, implica na tipificação dos dispositivos previstos nos artigos 323, 324, 325 e 326, todos do capítulo II, “DOS CRIMES ELEITORAIS”, da Lei nº 4.737/65.

Tais artigos referem-se à divulgação, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral de fatos que sabe serem inverídicos em relação a candidatos; a caluniar alguém imputando-lhe falsamente fato definido como crime; difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação e; injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

Conclui-se ser notória a vedação à propaganda eleitoral negativa no ordenamento jurídico brasileiro pátrio eleitoral, que em última instância enseja na prática de crime eleitoral, punido com detenção ou pagamento de multa.

Nesse sentido, as liberdades de pensamento, expressão e informação, são garantias previstas no texto constitucional brasileiro, em cláusulas pétreas, dispostas, respectivamente, no artigo 5º, incisos IV, IX e XIV e são asseguradas aos candidatos, que possuem o direito de tecerem críticas às gestões municipais insatisfatórias e difundirem informações sobre outros candidatos, ainda que referentes a condenações, fatos objetos de investigação, denúncia ou decisão judicial não definitiva.

As críticas políticas fazem parte do jogo democrático e estão albergadas, como elucidado, pela carta magna e pelo pluralismo de ideias e pensamentos imanentes à seara político–eleitoral, isso quando não extrapolam os limites da liberdade de expressão, ainda que ácidas e contundentes.

Dito isso, mesmo que de suma importância para a concretização da democracia, e mais ainda no período eleitoral – especialmente no que toca à propaganda eleitoral –, a liberdade de manifestação, apesar de plena, não é absoluta, ao passo que a justiça e os tribunais eleitorais devem interpretar a propaganda sob o óbice do princípio da proporcionalidade, ainda que defrontando a fim de que a livre manifestação seja garantida.

Ou seja, decidirem mediante análise ponderada se a matéria representada constitui ofensa a honra ou imagem, ou divulga fatos sabidamente inverídicos contra candidato, infringindo seus direitos personalíssimos ou se traduz-se em mera crítica, por muitas vezes assídua, mas constitucional, contra candidato, gestor ou legislador municipal, que assegura o direito à livre manifestação regular dentro do processo eleitoral.

Por fim, importante mencionar a orientação extraída da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão” (AgR–REspEl no 0600396–74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022).

Em conclusão, o direito à liberdade de expressão deve ser indubitavelmente assegurado, com uma intervenção jurídica pontual, em situações nas quais a mera crítica torna-se nociva para a lisura do pleito e causa irreparável dano a imagem do candidato ou gestor/legislador e à igualdade de oportunidades entre concorrentes do pleito.

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