Após caso de tortura policial, Requião Filho critica “criminalização” da PM

Polícia Militar matou 483 pessoas em 2022 no Paraná, além de acumular casos de tortura e abuso

A revelação de dois casos de tortura pela Polícia Militar na pequena Matelândia, no Oeste paranaense, teve um efeito colateral imprevisível. O deputado Requião Filho (PT, mas não se sabe por quanto tempo) publicou um artigo preocupado com a “criminalização” das polícias.

O caso começou já no fim de semana quando Requião Filho foi ao Twitter e escreveu o seguinte:

Podia ser um caso de conta invadida, vá saber. Mas não: assim que chegou a segunda-feira, o deputado fez uma versão longa do texto para que seja publicada em jornais. Dessa vez foi mais cuidadoso, mas a ideia central continua lá.

Requiãozinho começa dizendo que, claro, a tortura é inaceitável e precisa ser combatida. Ou seja: ao contrário do post no Twitter, que simplesmente passa pano e minimiza o caso, o artigo pelo menos dá conta de dizer o óbvio antes do resto. Porém, ai, porém…

Num daqueles casos clássicos em que primeiro a pessoa diz o que se espera dela e em seguida dá sua opinião “polêmica”, Requiãozinho vai em frente. Nada de bom podia seguir. Mais ou menos como naquele caso em que a pessoa diz: “Eu não sou racista, mas…”

Pois então. Requiãozinho não aprova a tortura (que maravilha), mas… O deputado passa o restante do artigo dizendo que se preocupa que criminalizem demais a polícia.

Algumas coisas ali são verdadeiras: os praças em geral são gente que sai das classes C e D, com baixa formação e que só se ferram de todos os lados. Há altas taxas de doenças como ansiedade e depressão e, evidente, ninguém acha que é fácil sair por aí sabendo que tem criminosos armados querendo atirar em você.

Mas a conclusão que sai daí é a seguinte:

“Quando a figura do policial é excessivamente criminalizada, isso prejudica sua capacidade de proteger e servir, especialmente em comunidades vulneráveis. Isso não apenas dificulta o combate ao crime, mas também fortalece criminosos, que aproveitam essa situação para consolidar seu poder. A criminalização exagerada dos policiais não apenas prejudica seu desempenho, mas também coloca em risco a segurança e o bem-estar da comunidade.”

Pera…

“Criminalização exagerada”, diz o deputado. A frase é estranha: devemos criminalizar a PM só um pouquinho? Ou não devemos criminalizar?

Ok, dá para entender o sentido, que parece ser: não é porque um rapaz fardado em Matelândia ultrapassou a fronteira do tolerável que a instituição inteira deve pagar por isso.

Bom, primeiro é preciso registrar o timing desastrado para o comentário. Um cara aparece no vídeo sendo sufocado, apanhando na cara; um PM aparece rindo enquanto outro tortura um jovem com pauladas.

Por que num momento como esse passa pela cabeça do deputado dizer: “Não criminalizemos excessivamente a polícia”, antes mesmo (no caso do Twitter) de dizer: pera, isso não pode acontecer.

Mas é muito mais do que isso. A PM mata centenas de pessoas por ano só no Paraná. A polícia militar brasileira é um resquício autoritário da ditadura e se tornou uma máquina de eliminação de jovens na periferia.

Em 2022, último ano com estatísticas fechadas, a Polícia Militar matou 483 pessoas no Paraná. É quase nove vezes o número de deputados estaduais do Paraná. Imagine o plenário inteiro de mortos, deputado, e multiplique por nove. Esse é o tamanho da barbárie.

Há relatos a toda hora de policiais torturando pessoas, invadindo casas, obrigando gente a engolir o próprio vômito. Citar isso é criminalizar a Polícia em excesso? Devemos nos calar diante de tudo isso?

É evidente que Requião Filho escreve tudo isso de um lugar privilegiado. Não bastasse ser branco, de olhos claros, nasceu em berço de ouro, filho de governador do estado. Jamais seria nem será incomodado pelos policiais.

(Compare com a reação de Renato Freitas, também deputado estadual, mas negro e periférico, ao mesmo caso. Será coincidência a divergência entre os dois políticos do mesmo partido?)

Requião Filho tem razão em dizer que a população tem medo da PM. Mas a culpa não é da criminalização da Polícia. É do fato de haver criminosos dentro da PM. Gente que tortura, mata e toca o horror nas favelas.

Eliminar as críticas só vai piorar a situação. É preciso colocar tudo isso a claro, para que os maus policiais sejam punidos e expulsos, e para que os bons policiais possam fazer seu trabalho, absolutamente necessário numa sociedade civilizada.

Sim, a maioria dos PMs deve ser de gente democrática e decente. Mas isso não deve nos impedir de ver o óbvio: a instituição da Polícia Militar hoje é maculada de forma indelével pela violência e pelos abusos que parte dos policiais praticam no dia a dia.

A culpa é deles. Não dos críticos.

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