Os ursos de Hyder e as belezas de Stewart

Fora do radar do turismo de massa, descobrimos um lugar único

Depois dos passeios nos parques do Alasca (Denali, Lake Clark e Kenai – todos são excepcionais, é a regra dos Parque Nacionais dos EUA), começamos a volta. Demos início à longa rota que atravessará as Américas e terminará no Chile. A grande novidade deste início foi a chegada do outono – as folhas foram se tornando mais amarelas e laranjas. Para quem está acostumado com os trópicos, é um espetáculo diferente e deslumbrante.

Voltamos por rodovias novas e, na maior parte do tempo, não repetimos a Alasca Highway. Com a dica do Henry, o piloto com quem fizemos amizade na Ilha de Vancouver, nosso retorno passou pela Glenn Highway e, principalmente, pela Cassiar Highway, a rodovia 37, que terminou em um lugar distinto, a pequena cidade de Stewart. Esta é uma rota bem menos conhecida – um canto que os locais conhecem bem, mas que costuma ficar fora do radar do turismo de massa.

Eu e a Fran cozinhando, uma das delícias da vida do motorhome. Foto: André Tezza

Tivemos sorte. A Cassiar Highway estava interrompida até um dia antes de começarmos a percorrê-la. Por conta dos incêndios que assolaram a British Columbia no verão, muitas estradas ficaram fechadas – algumas por semanas, como era o caso da Cassiar Highway. Ao entrar nela, havia policiais dando orientações: não poderíamos parar em nenhum ponto do incêndio, nem ultrapassarmos outros veículos. A região estava destruída, com milhares de árvores queimadas. Ainda havia fumaça e alguns pontos de incêndio. Era uma experiência estranha. Há uma beleza mórbida que acompanha o lado mais brutal da natureza. Passado o incêndio, chegamos no filé mignon da rodovia 37, quando ela faz um desvio e vira a 37A, a estrada que chega em Stewart. Ali entra-se em um vale com cascatas, glaciares, montanhas nevadas e florestas.

Stewart foi uma importante cidade de mineração do começo do século XX, quando chegou a ter mais de 10.000 habitantes. Hoje, 517 canadenses vivem no vilarejo. Ele foi cenário de vários filmes americanos – o mais famoso, talvez, “Insônia”, com Al Pacino. Várias casas preservaram a arquitetura do tempo da mineração e há um clima aconchegante, com gente acolhedora e simpática.

A chegada das cores do outono surpreende muito quem vive nos trópicos. Foto: André Tezza

Não bastassem as atrações da rodovia 37, Stewart ainda guarda um pequeno tesouro. Na extremidade da cidade, existe uma fronteira com um rabicho do Alasca. Do ponto de vista geográfico, o Alasca é um estado com uma forma esquisita. Um apêndice estreito e comprido avança sobre o oeste do Canadá e, na última ponta, está Hyder, cidade que faz fronteira com Stewart.

O tesouro está do outro lado da fronteira. Em Hyder, fica o Fish Creek Wildlife Observation Site, o ponto final de milhares de salmões que voltam do Pacífico para se reproduzir e, em seguida, morrer. O extraordinário é que, depois de quatro ou cinco anos de vida no mar, os salmões regressam para o mesmo lugar em que nasceram. Estão exaustos depois de uma longa jornada contra a correnteza do rio. E quem os espera? Os ursos. Muitos ursos.

Depois de anos nadando contra a correnteza, salmões se deparam com ursos. Foto: André Tezza

Nós chegamos em Stewart no final da tarde e fomos direto para o Fish Creek. Não há posto da fronteira americana – somente na volta é preciso cruzar com uma pequena fronteira canadense. Mas assim que entramos novamente no Alasca, descobrimos que era preciso comprar um ingresso on-line. Depois de perambular um tanto, quando finalmente conseguimos sinal de celular, não havia mais ingressos disponíveis para aquele dia.

Voltamos para Stewart, cruzando aquele minúsculo posto de fronteira do Canadá (rápido e simpático – os guardas amavam a cultura brasileira) – e montamos acampamento no camping municipal. Era barato, bem estruturado e como estávamos cansados demais depois de 2.500 de quilômetros feitos em muitos dias desde o início do retorno, decidimos que iríamos passar três noites ali.

Placa de informações do Fish Creek Observation Site. Foto: André Tezza

Com isso, deu tempo para avistar diversas vezes os ursos no Fish Creek, tentar e desistir de subir o Salmon Glacier (a estrada estava complicada demais para o Paçoca) e aproveitar o camping. Uma das melhores coisas da vida de motorhome não é viajar, mas simplesmente acampar. Geralmente, os campings públicos dos Estados Unidos e Canadá ficam em lugares mágicos. Nem sempre são estruturados – o que não faz tanta diferença para quem viaja de motorhome – mas são de uma tranquilidade e beleza que restauram a alma. Não canso de repetir: o Brasil perde muito em não investir mais na cultura do campismo.

Depois de Stewart, eu e a Fran dormimos uma última noite no Parque Nacional de Jasper, e fizemos mais uma vez a Icefields Parkway, estrada que muita gente diz que é a mais bonita do mundo e será o assunto da próxima coluna.

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