Fora deste mundo: os destinos de Sanja Marušić

Sanja Marušić
As imagens de Marušić não eram exatamente de Cork. Eram de uma cidade transfigurada pelo sonho, pela cor e pela geometria

Conheci Sanja Marušić viajando, lendo a revista de bordo da Air France. Em uma edição de 2018, a revista trazia uma reportagem sobre Cork, a segunda maior cidade da Irlanda. É um daqueles destinos clássicos que tem aquilo que normalmente buscamos na Europa: a mescla do novo com o passado.

Havia muita coisa para se impressionar naquelas imagens de Cork. Quem tirou as fotografias era muito jovem, tinha apenas 27 anos. Além disso, não era um fotógrafo, mas uma fotógrafa, de origem holandesa e croata. Mesmo que o mundo tenha mudado nos últimos anos, o universo da fotografia, como sabemos, ainda é um ambiente bastante masculino. E, por fim, a questão chave: imagens completamente diferentes do que estamos acostumados como fotografia de viagem. As imagens de Marušić não eram exatamente de Cork. Eram de uma cidade transfigurada pelo sonho, pela cor e pela geometria. Marušić contava uma história, mas era o espaço da fábula, não o da reportagem. A viagem dela não tinha compromisso com o realismo – trazia um mundo novo.

Um tempo depois, enquanto preparava minhas aulas para a disciplina de “As Artes de Viajar”, uma matéria optativa para cursos de Comunicação e Design (vale lembrar que foi, de longe, de tudo o que fiz em sala de aula, aquilo que meus alunos mais curtiram), comecei a pesquisar com mais profundidade sobre a obra de Marušić. Descobri que, mesmo muito jovem, ela já tinha uma trajetória distinta, com uma assinatura inconfundível, o que é muito difícil e própria dos grandes mestres. Nas aulas em que comentava a fotografia de viagem e apresentava os nomes mais consagrados do gênero, o que realmente arrebatava as turmas eram as aquelas imagens de Cork.

Passado os anos, Marušić expôs no Mauritshuis, no Museu Van Gogh e no Paris Photo. Suas fotos foram publicadas no The New York Times, The Guardian e muitos outros veículos de prestígio internacional. Entre seus clientes, estão a Ópera de Paris e a Apple. E agora, de fevereiro a junho, no Nederlands Fotomuseum, o principal museu de fotografia da Holanda, em Roterdã, Sanja Marušić faz a sua primeira exposição individual, “Out of this world”.

Na última semana, durante o lançamento da exposição, troquei alguns e-mails com a fotógrafa, que me passou diversos materiais. Ela conta que entre suas principais influências estão pintores poloneses, russos e mexicanos, além de bordados e pinturas sobre objetos. Para a nossa alma latino-americana, creio que o que ficará mais fácil de reconhecer seja o traço mexicano, em especial de Frida Kahlo. O gosto pelo autorretrato, pelas cores vibrantes e pelos motivos florais são características conhecidas da obra de Frida, presentes também em Sanja.

Comentei com ela que via seu trabalho com uma forte ligação com viagens e destinos – mesmo que sejam destinos fora deste mundo e irreais. Ela me disse que isso é verdade, que suas fotos consistem na relação entre a humanidade e a natureza. Ela viaja com o propósito de se inspirar em diferentes paisagens e locais. E responde a isso por meio de poses, escolha de roupas e adereços. Segundo Marušić, isso cria uma interação entre corpo, ser humano e ambiente.

Vendo a retrospectiva que a exposição propõe, os modelos de Marušić estão em posições inesperadas e a escolha do figurino é sempre uma extensão do espaço. Há intervenções nas imagens, com a manipulação radical das cores, e, à medida que a obra dela foi evoluindo, pinturas e colagens também foram incorporadas. Ao contrário do que acontece para a maioria dos fotógrafos, a manipulação não está ali para ser escondida, mas escancarada. São intervenções que não existem no mundo natural, mas em um mundo diferente, mais solar do que o nosso.

Os grandes espaços da natureza são com frequência protagonistas, mas há também um ponto de contato entre suas imagens e a moda – aliás, é ela mesma quem faz os adereços das produções. Mas a moda de Marušić não é exatamente a dimensão comercial, a simples exposição de uma marca. A moda aqui é uma extensão de desejos e sonhos coletivos. Particularmente, sempre achei que os melhores fotógrafos de moda são mais do que funcionários de fabricantes de roupas ou relógios, mas antropólogos do nosso tempo.

Por fim, perguntei se há previsão de a exposição vir para o Brasil. Ela comentou que está planejando viajar com a exposição e adoraria vir para a América do Sul. Por enquanto, o que podemos fazer é viajar pelas imagens que estão no site da artista ou em sua conta do Instagram, e torcer para que a exposição chegue por aqui.

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