Disciplina e método

Amyr Klink certamente irá discordar, mas considero a improvisação muito mais importante do que o planejamento. Tenho certeza de que, se eu tivesse organizado tudo à exaustão, estaria escrevendo sobre como os planos no fim deram errado.

Ano após ano, estou entre os últimos a entregar a declaração de Imposto de Renda. Dizem que cada dia é único e imprevisível, que ninguém conhece o futuro, mas posso prever alguns acontecimentos. Em dezembro, teremos o especial de fim de ano do Roberto Carlos, que será igual a todos os outros, mas a família vai assistir e dizer que foi mágico e único. Em outubro, algum jogador europeu será anunciado como o ganhador da Bola de Ouro, e os comentaristas esportivos irão rever as jogadas de Ronaldo, Ronaldinho e Kaká e mencionar nossas duas décadas sem Copa. Em maio, faltando apenas 24 horas para o fim do prazo para a entrega da declaração do Imposto de Renda, os portais de notícias anunciarão que cem mil pessoas deixaram para a última hora. Eu estarei entre elas. Não fosse por mim, os jornalistas anunciariam que 99.999 pessoas ainda não entregaram a declaração.

O curioso é que estou sempre entre os últimos, mas não assumo. Faltando uma hora para o prazo se encerrar, lá estou eu procurando o recibo do dentista, o CNPJ da escola das crianças, o nome completo do pediatra. Crítico o banco, por não ter me enviado um saldo, e o plano de previdência, por ser confuso. Entregar a declaração de imposto de renda é como cortar o fio que desliga a bomba nos filmes de ação. Faltam dez minutos, cinco minutos, poucos segundos e lá estou eu, fio vermelho ou fio azul?, fio vermelho ou fio azul?, decidindo entre a declaração completa ou a simplificada. No fim, sempre dá tempo, e é por isso que sigo nessa vida. Dá certo! Ao respirar aliviado, contudo, prometo para mim mesmo que foi a última vez que entrei em tal desespero. E, não obstante os vinte anos de declarações transmitidas nos minutos finais, eu realmente acredito que no ano seguinte será diferente.

É a mesma coisa quando preparo um evento literário. Em setembro de 2022, organizei o “Mês da Rua do Sabão na Livraria Martins Fontes”. Seis encontros, dez convidados, pilhas de livros, fotos e anúncios nas redes sociais. Quase deixei o César, livreiro, louco. Os livros deveriam chegar com um mês de antecedência: em um dos encontros, chegou tudo faltando apenas uma hora. Verificar a previsão do tempo teria impedido os convidados da Maureen Miranda e da Helena T., incluindo a Letícia Spiller, que apareceu por lá, de serem encharcados por uma chuva torrencial. O convidado internacional, Geir Gulliksen, certamente estranhou ser acomodado em uma poltrona inadequada para o seu tamanho — descobri, no dia do evento, que o homem tem mais de 1,90 m! E, a pérola: programei um encontro para falar sobre meu próprio livro, mas decidi não ir.

Escrevendo assim, parece que foi uma tragédia, mas deu tudo certo. Claro que estou exagerando. Quem foi, adorou. A livraria foi movimentada, os leitores se engajaram nas redes sociais, o César pediu para repetirmos em 2023. Conheci um monte de gente legal, entre eles os amigos do Biajoni, que são a turma mais simpática da cidade. Após o último encontro, um bate-papo sobre Cervantes com a professora Thais Manzano, conclui que o evento foi um experimento, um aprendizado. No próximo, faria muito melhor. Eu tinha aprendido com os pontos falhos. Da próxima vez, seria super organizado!

Pois é… Se eu tivesse escrito esta coluna em janeiro, afirmaria convicto que o novo evento estaria pronto com um mês de antecedência. No máximo, três semanas antes. Desde agosto do ano passado, eu conversava com a Distribuidora Loyola, e acertamos uma série de eventos na Livraria Drummond, que ainda seria inaugurada no Conjunto Nacional. Seria para março de 2023, e março de 2023 estava longe demais, em um futuro distante que contaria com carros elétricos e o trem bala ligando Rio e SP.

Eu tinha tempo de sobra. Adivinhem? Dia 18 começou o “Mês da Rua do Sabão na Livraria Drummond”. O primeiro convidado foi o escritor norueguês Simon Stranger, autor de “Continuem dizendo seus nomes”, acompanhado de seu tradutor, Leonardo Pinto Silva. Os livros chegaram na livraria no mesmo dia do evento e a nota fiscal faltando duas horas para começar. Na pressa, esqueci de avisar a Embaixada da Noruega, que reclamou, e de convidar o Vitor Tavares, ex-presidente da CBL e sócio da Livraria. Porém, os leitores compareceram, o autor foi tietado, e o Rodrigo, gerente da loja, gostou do resultado. Ainda deu tempo de levar o autor para comer pão de queijo e pizza de calabresa com caipirinha. Claro que ele amou. Entrou no hotel prometendo voltar em 2024 para visitar Paraty e a Flip — quem sabe, o tema de um novo livro.

O Amyr Klink vai discordar, mas considero a capacidade de improvisação muito mais importante do que a de planejamento. E, sem dúvida, muito mais divertida! Tenho certeza de que, se eu tivesse organizado tudo à exaustão, estaria escrevendo sobre como os planos no fim escapam. Eu tive um chefe que era um amplo defensor da ordem, e resumia seu método de trabalho nas palavras “disciplina e método”. Eu achava curioso ele manter a convicção, apenas dos baixos resultados. Da minha parte, prefiro estar afiado para improvisar. É como em uma luta: os golpes podem ser treinados, mas não se sabe como vai acontecer. Há sempre tantas variáveis envolvidas que o melhor é ter a capacidade de improvisação afiada. No meu caso, garanto que está afiadíssima!

A boa notícia é que o encontro com o autor norueguês foi apenas o primeiro. Teremos outros seis, para os quais está tudo pronto — ok, 90% pronto. Agora só preciso me preocupar com a Feira da 451, na qual a editora terá uma tenda e uma programação própria. Mas, como a feira é só em junho, tenho bastante tempo para organizar. Com um mês de antecedência, estará tudo pronto. No máximo, três semanas antes. Junho está longe…

Falando nisso, alguém aí sabe até quando vai o prazo para entrega da declaração do imposto de renda?

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