Uma luz no fim do túnel para Joseph K

Vale lembrar que todo cidadão deveria conhecer seus direitos; esse não é um privilégio dos advogados, promotores e juízes

Em 2021, celebraram-se os 25 anos da Lei de Arbitragem no Brasil, Lei n.º 9.307/96. Para marcar a data, os professores e advogados Arnoldo Wald e Selma Ferreira Lemes organizaram um alentado volume sobre o tema, 25 anos da Lei de Arbitragem (1996 – 2021). Mas, afinal, do que trata essa lei e por que interessaria ao cidadão comum, que não se formou e não trabalha com o Direito?

Vale lembrar que todo cidadão deveria conhecer seus direitos; esse não é um privilégio dos advogados, promotores, juízes etc. Quem desconhece seus direitos pode acabar como Josef K., de O processo, de Franz Kafka, que caminhava por corredores sombrios sem saber para onde estava indo e por que estava sendo processado, ou como Alfredo Traps, personagem de A pane, de Friedrich Dürrenmatt, cujo julgamento começa e termina como uma grande encenação, da qual ele participa muito desconfortavelmente. O final de ambos os livros é tão enigmático quanto o mundo jurídico para a maior parte das pessoas; e se não acordarmos, como Alice, personagem de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, acabaremos com a cabeça cortada.

Voltando à Lei de Arbitragem, ela dá às partes envolvidas em um conflito a possibilidade de escolherem, “livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem”, desde que, é claro, “não haja violação aos bons costumes e à ordem pública”, e ainda possibilita às partes “convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio”. O árbitro necessariamente não será um profissional do Direito, embora deva ser especialista na matéria em que irá atuar, e a arbitragem não serve apenas para o comércio ou para grandes empresas, que têm se valido cada vez mais dessa modalidade de solução de conflitos. Obviamente a matéria não é tão simples quanto parece, nem tão superficial quanto eu exponho aqui, mas o conhecimento dessa “nova” forma de resolução de conflitos traz um certo alívio, principalmente em um país como o Brasil, cuja cultura do litígio ensejou, como lembra Arnoldo Wald, no capítulo “O futuro da arbitragem: a arbitragem de classe”, “a propositura de mais de 70 milhões de processos, como se estivesse litigando um terço da nossa população”. Nesse cenário, a Justiça não tem condições de “cumprir sua missão”; portanto, é preciso encontrar outros meios de solução de conflitos como a Arbitragem, cuja objetivo é também o de garantir a justiça num amplo sentido.  

Para a surpresa dos que acreditam que os profissionais de Direito só se comunicam por uma linguagem cifrada, Wald se expressa de forma clara e acessível, razão pela qual destaco esse capítulo, mas alertando para a importância de todos os que compõem o livro.

O professor e advogado lembra que, no século XXI, a Lei de Arbitragem ganhou “novo fôlego em virtude da globalização, do aumento do comércio nacional e internacional, da crise financeira e da pandemia, ensejando um maior número de litígios”. Mas o que Wald defende é a “popularização” dessa prática: “Nos últimos anos, tem-se discutido alguns métodos de expansão da arbitragem no Brasil”, visando não só à sua simplificação, como à sua desburocratização e democratização, “possibilitando que beneficie um grupo cada vez maior, deixando de ser a solução para uma classe ou uma elite”.

 Nesse mesmo texto, ele lembra que o século XXI, principalmente depois do início da pandemia, passou a exigir coragem para encarar mudanças, as quais passam também pelas relações jurídicas. Superar o misoneísmo é tarefa difícil não apenas para uma velha geração, mas também para quem se acomoda em seus saberes já adquiridos.  

As citações de Wald vão da literatura jurídica à ficcional; discordaria, contudo, quando ele opta pela comparação com A escolha de Sofia, de William Styron, para se referir ao “risco de perder vidas hoje e o de ver afundada a nossa economia amanhã”. Talvez a citação mais apropriada fosse a do poema “Por quem os sinos dobram?”, de John Donne, que, em minha tradução livre, diz: “a morte de qualquer pessoa me diminui, porque sou parte da humanidade; e então nunca pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. Quanto à economia, para os milionários, nada parece ter mudado muito, nunca é o dinheiro deles que vai para o espaço, apesar de Jeff Bezos. 

Quanto à citação que, nesse texto, Wald faz à Lava Jato, poderia dizer que ela comprova que o responsável pela utilização do maquinário jurídico, quando não é competente e ético, acaba mesmo é arranhando a lataria, no caso a lataria democrática do Brasil.

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