Quem tem medo da regulamentação das redes sociais?

Meu jornal local é frequentemente chamado a responder judicialmente pelo que publica. Mas grandes corporações como a Meta publicam todo tipo de absurdo, mas não são responsabilizadas

Desde que o Plural foi criado, em 2019, já fomos ameaçados de processo judicial inúmeras vezes por conta do conteúdo que publicamos. Em cinco ocasiões o caso foi parar na Justiça com pedido de indenização – ou seja, poderíamos acabar responsáveis por pagar altos valores aos autores se tivéssemos perdido. Não fomos condenados nenhuma vez (uma única vez perdemos em primeira instância, mas revertemos a decisão na corte superior).

Não conto isso para reclamar. É parte da vida de jornalista e de um jornal ter que defender, às vezes na justiça, o conteúdo que publicamos. Mesmo no caso de textos de terceiros, comentários de leitores e mesmo publicidade veiculada em nosso site. Por isso nosso cuidado com o que permitimos que seja veiculado em nossa plataforma.

No entanto, outras plataformas muito maiores, como redes sociais famosas, tem muito mais recursos e suporte jurídico e acabam não sendo responsabilizadas judicialmente pelo que permitem que seja veiculado. São plataformas que permitem conteúdo violento, disseminação de informações falsas, calúnia, discurso de ódio, ameaças e que ao contrário de veículos muito menores, como o meu, escapam ilesas.

Não é um problema menor. A judicialização da discussão sobre liberdade de imprensa pune os veículos independentes. Mesmo que saia vencedor de um processo, o jornal precisa ter advogados à disposição, pagar custas judiciais e até mesmo bancar a participação de seus funcionários nos processo. Em mais de uma ocasião processos judiciais foram usados para punir veículos jornalísticos só pela mera tramitação.

Em 2011, por exemplo, o site Congresso em Foco foi processo por 43 funcionários do senado por ter divulgado os nomes daqueles que recebiam acima do teto constitucional. Como os funcionários moveram processos individuais, representantes do site tiveram que comparecer a 43 audiências iniciais e subsequentes. Imagine uma empresa de pequeno porte tendo que colocar funcionários à disposição da justiça para 43 audiências, isso sem falar nos advogados para participar dessas mesmas audiências. Eventualmente a Justiça unificou as ações, reduzindo o dano ao site.

No entanto, durante toda a pandemia de Covid-19 redes sociais e aplicativos de mensagens permitiram a livre circulação de informações FALSAS que prejudicaram o combate a doença, aumentando o número de vítimas fatais ou não. Além da perda de vidas, isso causou um prejuízo financeiro absurdo a governos, negócios e pessoas. Foram responsabilizadas por isso? Não.

Grandes corporações da internet costumam alegar que não podem controlar tudo que se veicula nelas. Então talvez seja o caso delas não permitirem que se publique tanta coisa. Porque publicar não é só ter uma plataforma. E não, até o momento não temos um sistema de inteligência artificial capaz de identificar com precisão situações graves.

A imprensa brasileira como um todo acumula uma história de erros graves como o Caso Escola Base e o Caso Eloá. Em alguns casos nem todos os responsáveis foram responsabilizados. E claro, especialmente contra populações vulneráveis a imprensa costuma correr riscos e errar com mais frequência. Mas nada disso chega perto do prejuízo causado pelo esgoto que circula em redes sociais sob o manto de “liberdade de expressão”.

Quantas pessoas estariam ainda entre nós se a mentira não encontrasse caminho livre em redes de perfis em redes sociais? O Vale do Silício, esse lugar mágico que promete carros autônomos e internet com sinal que vem das nuvens, já se mostrou inúmeros incapaz ou desinteressado em, de fato, impedir que nazistas, misóginos, assassinos e mercadores da mentira usem suas plataformas para disseminar o caos, a morte e a violência.

Então é hora de colocar de responsabilizar os responsáveis. Não é censura. Não é acabar com a liberdade de expressão. É simplesmente fazer todos se responsabilizarem pelo que fazer (ou deixam de fazer). Dá para chamar também de processo civilizatório.

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