Porto de Pontal: poucas justificativas, muitas suspeitas

Se a insistência em não considerar propostas alternativas ao litoral do Paraná predominar, que se esclareça à população: as prioridades do atual governador também não seguem as premissas do interesse público

A gestão Beto Richa, que governou o Paraná de 2011 a 2018, procurou avançar, especialmente durante os últimos anos de governo, no processo de licenciamento da chamada Faixa de Infraestrutura. Ela buscou viabilizar a instalação de um complexo industrial portuário em Pontal do Paraná, no litoral do Estado. Fez isso utilizando todos os meios possíveis, incluindo uma ampla sequência de ilicitudes devidamente contestadas pelo Ministério Publico e pela Sociedade Civil. A derrocada de Beto Richa no último ano de governo – resultado de uma série de investigações que comprovaram envolvimentos em práticas de corrupção – suscitou ainda mais dúvidas em relação às razões para o apoio a uma obra desnecessária que busca, ao que tudo indica, cumprir uma demanda previamente acordada com um lobby de empresários.

De outra parte, nunca foram apresentados elementos que comprovassem uma questão bastante simples: por que avançar com indústrias de petróleo e estruturas portuárias numa outra área de um estreito litoral se, em Paranaguá, onde já existe um porto público, há gigantescos investimentos de expansão, públicos e privados, em dimensões suficientes para garantir, com folgas, todas as demandas de exportação e importação que o Paraná precisa atender?

Além dos certos e enormes conflitos sociais em Pontal do Paraná pela transformação irremediável de um município turístico em portuário, o que mais espanta é a omissão ou a conivência dos órgãos ambientais. O impacto brutal desse empreendimento portuário na Ilha do Mel é tão evidente, que desde a época da realização dos estudos e relatórios de impacto ambientais (EIA-RIMA), a autoridade portuária local (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA), já havia destacado que a Ilha do Mel teria seu cenário paisagístico totalmente alterado caso o empreendimento portuário se viabilizasse. Todavia, esta perspectiva não foi incorporada ao processo de licenciamento ambiental, que se limitou a tratar, superficialmente, dos impactos do empreendimento no que diz respeito à pesca local e às comunidades de pescadores.

O início da nova gestão Estadual, comandada pelo jovem governador Ratinho Júnior, suscitou grandes esperanças para os paranaenses da região litorânea.  Ela apontava como prioridade o incremento substancial do turismo de natureza no Estado, reconhecendo o excepcional valor do potencial econômico de uma indústria que cresce ao ritmo de 20% ao ano e que permite explorar de forma sadia o patrimônio natural de nossa Mata Atlântica. Esse bioma está ameaçado de extinção em virtude de décadas de exploração desenfreada, ausência de políticas públicas para o proteger e falta de fiscalização e punição contra crimes ambientais.

Na manhã do dia 23 de agosto, um anteprojeto de desenvolvimento alternativo para o litoral do Paraná foi apresentado ao Governo do Estado. Ele foi fruto de uma arrecadação financeira coletiva apoiada pela sociedade, por meio da campanha de financiamento coletivo “O litoral do Paraná pede socorro”, lançada pela campanha #SalveAIlhaDoMel no portal Benfeitoria. Ficou no ar por dois meses de 2019 e superou a meta de arrecadação. Com quase R$ 40 mil, custeou os trabalhos de arquitetos e engenheiros que trabalharam em uma solução diferenciada para a região.

Uma alternativa que, diferente da proposta da Faixa de Infraestrutura, prioriza as pessoas e o cidadão paranaense. Ela prevê a construção de mais de 50 quilômetros de ciclovias e ciclo faixas, travessias para pedestres, mirantes turísticos, espaços para valorização e venda de produtos locais, soluções inteligentes para desafogar o trânsito em rodovias hoje sobrecarregadas, como a PR-412, e possibilidades para a valorização do fluxo de turistas na beira-mar, por exemplo. Ao fim do encontro – que reuniu os secretários de Meio Ambiente, Infraestrutura e Planejamento do Governo Estadual, representantes do Ministério Público, de prefeituras do litoral e membros da sociedade civil –, entre outros atores, um grupo de trabalho foi criado para discutir a viabilidade do projeto.

Depois da promessa, no entanto, veio uma surpresa. No mesmo dia, o secretário de Infraestrutura do Estado, Sandro Alex assinou um documento em que pedia ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP) a licença de instalação para a implantação da Faixa de Infraestrutura. O protocolo do pedido foi feito pouco depois, no dia 16 de setembro. Nesta mesma data, ocorreu a primeira reunião do grupo de trabalho proposto no dia 23, mas o que também surpreendeu foram as claras tentativas dos secretários de Meio Ambiente, Márcio Nunes e de Infraestrutura, Sandro Alex, desfazerem o grupo logo no primeiro encontro, alegando, de maneira bastante precipitada, possível “falta de condições para o diálogo” ao sustentarem, com insistência, defesas em favor da construção da Faixa. Esses dois episódios preocuparam. E muito.

A atual gestão do Paraná pode entrar para a história do Estado como a que transformou o litoral, investindo honesta e fortemente em turismo e nas infinitas oportunidades de emprego e renda que ele gera. Se optar pela direção oposta, vai demonstrar alinhamento com Beto Richa e transformar Pontal do Paraná, desnecessariamente, em outra Paranaguá, ampliando para todo o litoral – principalmente a Pontal, Matinhos e Guaratuba – as mazelas dos problemas sociais e da destruição da natureza gerados por esse tipo de atividade.

Continuam obscuras as razões pelas quais representantes do Governo do Estado vêm procurando impor, às pressas e a qualquer custo, um direcionamento altamente controverso de política pública que condenaria a vocação turística para sempre da região de Pontal e a Ilha do Mel. O porto seria construído em frente a Ilha do Mel e a rodovia que o governo Ratinho quer executar – condição legal exigida para a instalação do porto- desmataria inutilmente e com dinheiro público, milhões de metros quadrados de floresta intacta de um bioma e com várias espécies em extinção.

É indevido e injusto acusar os milhares de cidadãos e tantas instituições públicas e privadas de xiitas ou contrários ao desenvolvimento. Pois são essas mesmas vozes que vêm demonstrando, por exemplo, solidariedade à construção de uma nova ferrovia e às necessárias obras de ampliação que ocorrem em Paranaguá. Esses empreendimentos se justificam desde que seus gestores sigam os princípios da administração pública da moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade e eficiência na execução das obras.

A corrupção continua a assombrar a todos e uma postura rigorosamente reta é imposta aos atuais governantes como agenda mínima de comportamento para sua sobrevivência política. A possibilidade de instalação de um complexo industrial portuário em Pontal suscita grande desconfiança já que, entre outros motivos e infelizmente, os governantes brasileiros parecem ter uma incrível tendência a se imiscuir em assuntos portuários tortuosos. Foi assim com o PT, no porto de Mariel em Cuba, com Temer (PMDB) na “Máfia dos Portos” e, mais recentemente, com Richa (PSDB) no caso da Green Logística em Paranaguá. Isso para nos limitarmos a alguns poucos exemplos.

Nesta terça-feira (01), a partir das 14h, na Secretaria do Planejamento e Projetos Estruturantes, ocorre a segundo encontro do grupo de trabalho proposto pelo governo no dia 23 de agosto. Veremos como será conduzida.

Se o objetivo deste governo é deixar como legado às futuras gerações uma outra Paranaguá em Pontal do Sul, não considerando as propostas alternativas de desenvolvimento ao litoral do Paraná, que se esclareça à população: as prioridades do atual governador também não seguem as premissas do interesse público. Não antes de serem acertados compromissos de campanha assumidos para alcançar o poder a partir do atendimento de favores indevidos e imorais. Queremos transparência. E honestidade.

Artigo escrito por integrantes do movimento #SalveAIlhaDoMel.

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