Os três golpes de 1964

Com ação de militares e civis, o presidente João Goulart foi derrubado e o regime de exceção durou 21 anos

O primeiro golpe veio de Minas, sob o governo de Magalhães Pinto e com o comando militar do general Olímpio Mourão Filho, o mesmo que criou a fake news conhecida como Plano Cohen, que serviu de mote para a implantação da ditadura de Getúlio Vargas, em novembro de 1937. Já no dia 28 de março, o general Odílio Denys – que tentara impedir o retorno ao país do vice João Goulart quando da renúncia de Jânio – reúne-se com o governador mineiro e juntos traçam os primeiros planos do golpe, sob a justificativa de que Jango estaria tramando instaurar no país uma república sindicalista, nos moldes do peronismo, ou do comunismo, o que na época dava na mesma coisa. O presidente norte-americano Lyndon Johnson, que assumira após o assassinato de John Kennedy, no final de novembro de 1963, acompanha toda a movimentação e prepara a Operação Brother Sam para dar suporte aos civis e militares golpistas.

No dia 30, no Rio de Janeiro, João Goulart faz um discurso duro contra os conspiradores, na festa do sindicato dos sargentos e suboficiais, no Automóvel Club, tudo transmitido pelo rádio. Disse Goulart em seu discurso: “Com fé em Deus e confiança no povo, quero afirmar, claramente, nesta noite, na hora que, em nome da disciplina, se estão praticando as maiores indisciplinas, que não admitirei que a desordem seja promovida em nome da ordem; não admitirei que o conflito entre irmãos seja pregado e que, em nome de um anti-reformismo impatriótico, se chegue a conclamar as forças da reação para se armarem contra o povo e contra os trabalhadores; não permitirei que a religião de meus pais, a minha religião e a de meus filhos, seja usada como instrumento político de ocasião, por aqueles que ignoram o seu sentido verdadeiro e pisoteiam o segundo mandamento de Deus”.

João Goulart fez discurso duro contra conspiradores, o atraiu a ira dos golpistas. Foto: reprodução

Mourão, cujas tropas estavam sediadas em Juiz de Fora, não se contém com o que considera uma “afronta às Forças Armadas” e precipita o movimento, partindo para o Rio de Janeiro, para acabar com o governo do “fanfarrão” João Goulart.

No dia primeiro de abril, João Goulart volta para Brasília – depois de uma angustiante espera no aeroporto – e avalia as chances de resistência. Por todo país, os militares aderem ao movimento, seguidos da imprensa, empresários e classe média. Estava marcado para o dia 2 uma grande manifestação civil contra o governo, no Rio de Janeiro, repetindo a Marcha da Família, que no dia 19 de março levou meio milhão de pessoas às ruas em São Paulo. Jango conclui que seu dispositivo militar não existia – seu ministro do Exército, Jair Dantas Ribeiro, estava, inclusive, hospitalizado – e que qualquer resistência seria necessariamente violenta e inútil. Mesmo assim, parte para o Rio Grande do Sul, onde o cunhado Leonel Brizola tentava organizar as forças políticas locais, buscando repetir a “cadeia da legalidade” de 1961, que permitiu a posse de Jango naquela ocasião, apesar do veto dos ministros militares.

Aí se deu o segundo golpe. E foi civil. O vice-presidente do Congresso, o senador paulista Auro Moura de Andrade, declara vago o cargo de presidente da República no dia 2 de abril, com o presidente João Goulart ainda em pleno exercício constitucional de seus poderes, em voo para Porto Alegre. Auro entrega o cargo para o presidente da Câmara, o deputado paulista Ranieri Mazzili, com apoio do comando militar de Brasília e este se torna chefe do Executivo. João Goulart só partiria para o exílio no dia 4 de abril.

Costa e Silva, segundo militar a ocupar a Presidência do Brasil após o golpe de 64. Foto: reprodução.

O terceiro golpe é o que o general Costa e Silva, golpista de primeira hora, dá na autoridade do presidente da Câmara e na própria Constituição de 1946. O responsável pela façanha foi o jurista mineiro Francisco Campos, autor da Constituição de 1937, a conhecida “polaca”, que deu ares de legalidade à ditadura varguista. Campos redigiu apenas a introdução do documento (o advogado Carlos Medeiros elaborou o resto), que conferiu poder constituinte ao chamado Comando Supremo da Revolução, formado pelo brigadeiro Francisco Correia de Melo, pelo almirante Augusto Rademacker e pelo general Costa e Silva. Pelo dispositivo, era o Comando Supremo que investia o Congresso de poder e não o contrário. Logo, não precisaria da anuência deste para tomar as atitudes que alterariam substancialmente o tabuleiro político do país e que condenaria à prisão, desemprego, exílio e morte, milhares de brasileiros e brasileiras.

A imprensa comemorou os golpes como se fossem a salvação da democracia. No dia 9 de abril, o Comando Supremo decretou o Ato Institucional, que dava a eles poder para investigar, demitir, dispor ou aposentar quem “houvesse atentado contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade administrativa”. Até outubro de 1964, o AI-1, como ficou depois conhecido, atingiu cerca de quatro mil e quinhentas pessoas. No dia 9, um Congresso desfigurado “elegia” o general Humberto de Alencar Castello Branco, que assumiu o governo no dia 11, prometendo “entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao meu sucessor legitimamente eleito pelo povo, em eleições livres, uma nação coesa e ainda mais confiante em seu futuro, a que não mais assaltem os temores e os angustiosos problemas do momento atual”.

O regime militar durou 21 anos.

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