Os mundos de Harry Potter, o de J. K. Rowling e o nosso

Desde 2020, em uma série de publicações no Twitter e em outras mídias, Rowling decidiu incorporar para si uma militância transfóbica que assustou e decepcionou muitos dos seus fãs e até mesmo atores da série

Dia 14 de abril estreia o terceiro filme de Animais Fantásticos e Onde Habitam com o subtítulo os segredos de Dumbledore e que se passa no universo de Harry Potter.

Isso significa uma massa de fãs cultivados ao longo das últimas duas décadas, mobilizados por suas memórias afetivas, por seus laços construídos e por tudo aquilo que esse mundo fantástico significa em suas vidas.

Mas um vilão ameaça tudo isso. Não falo de Lord Voldemort com sua ideologia puro-sangue que se assemelha ao nazismo do mundo real. Nem de Grindelwald em sua retórica da luta pelo “bem maior” para justificar um projeto autoritário de poder pessoal. Falo de uma vilã que se infiltrou em nossos corações e mentes e só revelou suas terríveis ideias quando era tarde demais. Uma vilã tão poderosa que foi capaz de construir todo o universo e que tememos que possa destruí-lo. Falo de J. K. Rowling.

Sim, a autora desse mundo fantástico. Desde 2020, em uma série de publicações no Twitter e em outras mídias, Rowling decidiu incorporar para si uma militância transfóbica que assustou e decepcionou muitos dos seus fãs e até mesmo atores da série. Daniel Radcliffe, o ator principal de Harry Potter, logo se posicionou dizendo que “mulheres trans são mulheres”. E não foi o único ator.

Porém, este não é o debate que trago aqui. Sequer falo de algo novo. Vez ou outra, quando um grande artista revela um lado sombrio ou reprovável, vem à tona a questão: é possível separar a arte do artista? Essa é uma questão tão complexa que não pretendo dar respostas. É mais produtivo levantar perguntas.

Autor e obra são ligados e isso é inegável. Uma obra não é algo deslocado no espaço. Ela é fruto do ponto de vista de uma pessoa que está inserida em um tempo, espaço e grupo social. Por isso, mesmo obras de ficção, são excelentes fontes históricas para análise das sociedades humanas. Ao mesmo tempo, uma obra só existe na interação com o interlocutor. O leitor fará sempre uma interpretação própria da obra, a partir de suas experiências, do seu tempo e espaço. Muitas vezes a obra ganha vida e segue rumos imprevistos pelos seus autores.

O mundo de Harry Potter é gigantesco. E não falo só das cifras milionárias do mercado que explora esse universo. Falo das apropriações, ressignificações e reconstruções da obra feita pelos seus fãs ao redor do mundo. Milhões de pessoas trocando ideias e impressões e reconstruindo aquilo que inicialmente foi pensada por uma única pessoa.

O quanto esse universo ganhou vida própria? Certamente não podemos dizer que a autora não tem mais poder sobre a obra. Mas ela não possui poder sobre os significados que Harry Potter representa para seus fãs. E eu, como fã, cultivo um mundo de Harry Potter que denuncia os autoritarismos, o racismo e que empodera mulheres.

Uma obra que foi escrita em uma época e lugar, datada em diversos de seus trechos, mas que evolui enquanto apropriação constante e atualizada por seus fãs. Fãs que se sentem representados por Emma Watson, a eterna Hermione, que ao apresentar importante prêmio do cinema britânico afirmou: “Represento todas as bruxas! Menos uma”.

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