Eleições 2022: Um presidente precisa poder ser parado

As instituições da democracia brasileira falharam em evitar o pior no governo Bolsonaro. Em 2022, isso deve nos fazer pensar que qualquer candidato viável precisa poder ser parado

Eu votei em Fernando Haddad (PT) no segundo turno das eleições de 2022. Normalmente, como jornalista, prefiro não declarar voto. Mas sendo aquela eleição já passado, e essa informação relevante para este artigo, estou aqui sendo franca com você, leitor. Com 20 anos de jornalismo nas costas, parte deles acompanhando a política, passei a ver a eleição como algo que exige de nós, eleitores, estratégia. O que significa que às vezes é preciso votar não no candidato ou candidata ideal, mas sim naquele que representa uma melhor estratégia.

Por isso meu voto em Haddad em 2018, apesar de pessoalmente preferir Marina da Silva, cuja história de vida e trajetória política admiro. Mas por que o Haddad? Por vários fatores, mas vou explicar apenas um: como candidato do PT, proxy de Lula na disputa, Haddad teria que batalhar para conseguir apoio para governar o país, e enfrentaria muita, mas muita resistência e escrutínio da imprensa, dos parlamentares, do país como um todo.

Você deve estar pensando: “mas isso não é ruim?” Pois bem, com três anos do desastre bolsonarista nas costas, o que é que falhou? Justamente a capacidade da sociedade e das instituições democráticas do país reagirem aos absurdos quase diários de Jair Bolsonaro como presidente. O Congresso permanece sentado em cima de dezenas de pedidos de impeachment com razões muito claras e fundamentadas, a CPI da Covid amenizou seu relatório final, o STF barrou algumas coisas, mas deixou outras passarem, isso sem falar na completa falta de ação do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Claro que não ter total apoio no Congresso é um tremendo de um atraso de vida para qualquer presidente. Mesmo que o chefe do Executivo possa emitir decretos e medidas provisórias, eventualmente suas decisões vão passar pelos parlamentares, e aí é preciso agir, debater, negociar para conseguir deixar, de fato, um legado. Isso significa ceder em muitos casos.

Como eu sei que é assim? Oras, o próprio governo de Lula foi assim. Antes mesmo de se eleger o petista mudou de tom, abraçou parceiros que jamais passariam perto do Lula de 1989. Não to aqui defendendo nada disso. Mas o fato é: democracia é construção de consenso. O país tem 200 milhões de habitantes, é uma teia complexa de pessoas, negócios, realidades, economias. Não é fácil decidir o que é melhor para o país. No entanto, temos mais chances quando isso é pensado por mais de uma mente ou grupo.

Além disso, o poder de se sentar na principal cadeira do Poder Executivo exerce uma atração irresistível ao autoritarismo. Como diz o Rogerio Galindo, ser eleito significa passar quatro anos sem precisar abrir uma porta. É importante que seja qual for a reação do eleito a isso, outros possam, se necessário, conter qualquer escorregada para o lado mais autoritário da função.

Aconteceu com Lula em 2004, quando o então o Planalto tentou revogar o visto do jornalista americano Larry Rohter. Rohter escreveu uma reportagem sobre o hábito etílico de Lula e uma suposta preocupação com isto agora que ele era líder do país. O texto irritou Lula e resultou na tentativa de revogar o visto, o que expulsaria Rohter do Brasil. Mas o caso todo repercutiu mal e o Superior Tribunal de Justiça emitiu um salvo-conduto para o jornalista permanecer no país.

Brazilian Leader’s Tippling Becomes National Concern, de Larry Rohter.

Conheci Rohter em 2010, em Washington DC, quando ele lançou o livro Brazil on the Rise: The story of country transformed e conversou com um grupo de jornalistas na sede do Woodrow Institute. Apesar de ser 6 anos depois da tentativa de expulsão, claramente ninguém ali considerava menos do que um absurdo que o governo na época pudesse ter pensado nisso.

No governo Bolsonaro, não houve expulsão de jornalistas. Mas há a constante restrição ao exercício da profissão. O presidente usa sua claque para constranger os profissionais da imprensa e não responder perguntas incômodas. Seus apoiadores atacam e agridem repórteres com frequência. Sem falar no desmonte da Lei de Acesso a Informação, importante ferramenta não só para jornalistas, mas para a sociedade como um todo. Nada disso gera mais do que registros na imprensa.

Claro, a resistência a um determinado grupo político também pode inviabilizar outras ações cujo impacto poderia ser positivo. Os governos petistas não conseguiram fazer avançar qualquer debate significativo sobre regulamentação da mídia, muito embora seja consenso entre os estudiosos do tema que o país realmente tenha problemas na forma como distribui concessões de televisão e rádio, para citar só item. Mas sempre que o assunto aparece, a gritaria de censura é grande, contaminando o debate como um todo.

Mas na média, é bom que ninguém que venha a deter a cadeira de presidente do Brasil tenha liberdade total para fazer qualquer coisa. No caso de Bolsonaro, foi importante que o STF tenha garantido aos estados o poder de definir políticas de contenção do coronavírus quando o governo federal se recusou a assumir essa responsabilidade. No entanto, Bolsonaro continuou e continua livre para promover tratamento ineficaz e prejudicar o esforço de vacinação por meio de suas declarações públicas e lives, sem que ninguém o impeça ou puna.

No dia 20 de outubro de 2021, por exemplo, o presidente recebeu uma rara reprimenda na forma do relatório da CPI da Covid do Senado e qual foi a reação: seu filho, o senador Flavio Bolsonaro, afirmou que o presidente – diante do texto que relata como as ações dele contribuíram para a morte de 600.000 brasileiros – dará uma sonora gargalhada.

Ele diz isso e nada acontece. O que é um tremendo tapa na cara das milhares de pessoas que perderam familiares e conhecidos para a doença, especialmente aquelas que morreram por atraso na vacinação ou por adesão a tratamento precoce ou desprezo por medidas eficazes de prevenção da doença.

Ou seja, Bolsonaro é péssimo presidente. Mas sua gestão é ainda pior porque a adesão do Centro a ela e a falta de resistência as suas políticas deixam o caminho do autoritarismo aberto. Isso sem falar nas Forças Armadas que, volta e meia, aparecem para deixar claro que estão ali validando tudo e mantendo ativo o fantasma de um golpe militar.

A resistência e a oposição a qualquer chefe do executivo, seja ele prefeito, governador ou presidente, o força a ouvir, a negociar, a mudar de posição. Pode salvar o país e a população de muito desgosto. Teria, no mínimo, impedido que Bolsonaro sabotasse a chance do país de conter a pandemia e evitar milhares de mortes.

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