De Prêmio Innovare a projeto de lei: a história de sucesso da advocacia colaborativa no Brasil

Há quem diga que a grande sacada da advocacia colaborativa foi abrir espaço para as emoções, sejam elas na mesa de negociação ou no dia a dia do profissional advogado ou advogada

Qual o verdadeiro papel de uma advogada ou de um advogado diante dos seus clientes? Ajuizar processos ou auxiliá-los a encontrar um caminho adequado para solução para seus conflitos? Questões como estas formaram o pensamento inicial do movimento colaborativo nos Estados Unidos nos idos dos anos 90. Já maduro, por volta de 2011, ele desembarcou no Brasil trazendo na mala a chamada advocacia colaborativa: uma abordagem extrajudicial e não adversarial do conflito, cujo foco é a busca por uma solução negociada, com a qual todos os envolvidos possam conviver. Seu traço característico e princípio fundamental é o compromisso de não litigância das partes e dos advogados, formalizado por meio de um contrato de participação no procedimento colaborativo que também prevê a atuação de profissionais de outras disciplinas para assessorar na negociação – outro traço característico. Caso não seja possível o consenso e desejando as partes seguir para o litígio, os advogados ou advogadas devem sair de cena, renunciando o seu mandato.

Há quem diga que a grande sacada da advocacia colaborativa foi abrir espaço para as emoções, sejam elas na mesa de negociação ou no dia a dia do profissional advogado ou advogada, que encontra na abordagem a possibilidade de prestar um serviço em profunda conexão com seus valores.

Mas há outras sacadas tão importantes quanto e que contribuíram para o sucesso desta modalidade no Brasil. A sociedade está cansada do litígio judicial. Muitas famílias passaram a compreender importância do diálogo e do respeito para lidar com seus conflitos. O empresariado competente e diligente já entendeu o verdadeiro custo de um processo judicial. O judiciário precisa de espaço e tempo de qualidade para atender as demandas que verdadeiramente necessitam chegar até ele. Muitos querem ter voz e querem participar da solução de seus problemas.

Não por outro motivo a abordagem foi tão bem recebida no Brasil, que de partida, em 2013, foi agraciada com o Prêmio Innovare na categoria advocacia. Já no ano seguinte, nasce o Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas (IBPC), instituição que se tornou responsável por capacitar e estimular a educação continuada de profissionais para atuação não adversarial e extrajudicial.

Para se ter uma ideia, entre 2014 e 2022, cerca de 1.400 profissionais colaborativos ingressaram no mercado de trabalho brasileiro, capacitados pelo IBPC. Dentre os quais, profissionais do direito, da psicologia, da área da saúde e das finanças, todos picados pela causa e pelo desejo de transformação da cultura do litígio.

Mas a tarefa não é fácil, sabemos. Exige dos profissionais uma nova educação do pensamento (a chamada de mudança de paradigma). Tal como o preceito budista, exige abraçar o pensamento iniciante e abandonar o pensamento do especialista. Demanda, também, aprender a pensar conflito sob a perspectiva multifatorial e desenvolver humildade para entender a importância de se trabalhar em uma equipe interdisciplinar. Do mesmo modo, demanda adquirir novas ferramentas de escuta e olhar para compreender a importância de se trabalhar as relações, pois sem elas as questões objetivas se tornam endurecidas, o que muitas vezes acaba por desembocar em batalhas judiciais históricas.

E fundamentalmente exige dos profissionais o fim absoluto da prática do sequestro. A história do cliente precisa ser libertada do cativeiro e a ele ser devolvida (se eles fizeram parte do problema, eles farão parte da solução, acredite). É a mais clara possibilidade de proporcionar ao cliente o seu protagonismo ou a saída da menoridade, como diria Kant.

Uma estrada bonita, ainda em construção, e que neste ano de 2022 atingiu um trecho fundamental: Brasília.

Por meio do Projeto de Lei 890/2022 protocolado em abril deste ano, de autoria do deputado federal Tulio Gadêlha, as Práticas Colaborativas são instituídas como um método extrajudicial de gestão e prevenção de conflitos. Vale dizer que a advocacia colaborativa é uma modalidade de prestação de serviços que se insere nesta metodologia.

Orientada pelos princípios da colaboração, boa-fé, transparência, confidencialidade, consentimento e decisão informada, consensualidade, autonomia da vontade, interdisciplinaridade entre outros,  a metodologia encontra a seguinte definição no §1º art. 1º do PL:  um procedimento estruturado e voluntário, com enfoque não adversarial e interdisciplinar de gestão e prevenção de conflitos, no qual as partes e os profissionais formalizam um Termo de Participação se comprometendo a negociar com boa-fé e transparência, levando em consideração os interesses de todos, sem recorrer a um órgão jurisdicional ou administrativo que imponha uma decisão.

Se aprovado, o PL 890/2022 trará maior segurança jurídica para as negociações colaborativas e colocará o Brasil na vanguarda do direito colaborativo positivado, ao lado de importantes nações como os Estados Unidos e França.

Em tempos de tantas demonstrações de retrocesso, temos esse sopro de esperança. Sim, a comunidade colaborativa está em festa. E a música de fundo é de Gonzaguinha. Fé na vida, fé no homem, fé no que virá. Nós podemos tudo, nós podemos mais. Vamos lá fazer o que será …

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5 comentários em “De Prêmio Innovare a projeto de lei: a história de sucesso da advocacia colaborativa no Brasil”

  1. Izabel de Paula Gomes

    A frase final citando Gonzaguinha, fecha com chave de ouro esse excelente artigo que nos instiga a continuar trabalhando naquilo que acreditamos, então, Vamos lá fazer o que será !

  2. Walterney Angelo Reus

    As práticas colaborativas, da qual a advocacia colaborativa é ramo, identificam o comportamento progressivo da humanidade. Somos seres sociais, mas também egóicos. Conciliar essa contradição é um desafio interessante. Com sua clareza, Waldirene conseguiu expor no artigo o caminho trilhado pelo grupo de profissionais que, como ela disse, já foram picados pelo desejo de respirar um ar mais fraterno, solidário. Antes de ir, fechou o artigo com um parágrafo de esperança. Esperança, essa doce criança, que nunca sai da caixa, sempre está lá.

  3. Excelente artigo! Que importante falar sobre tudo isso, e pensar uma forma mais adulta e responsável de lidar com conflitos, sem precisar que o judiciário atue (como um pai a quem a criança recorre porque não consegue resolver algo sozinha)

  4. Abordagem necessária ! O Direito, ainda que possa dirimir conflitos não oferece possibilidade de harmonia – senão formal – entre as partes.
    Aliás , tenho uma questão pessoal que gostaria de submeter a esse tratamento . Caso seja possível , agradeço que a autora faça contato comigo pelo e-mail [email protected]

  5. Psicóloga Liliane Sabbag

    Excelente artigo! Parabéns à Dra. Wal Dal Molin e ao Plural pela divulgação desse modelo de advocacia não adversarial, no qual aos clientes encontrarão em seus advogados verdadeiros parceiros na construção das melhores soluções possíveis para seus conflitos, de modo construtivo e sustentável.

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