Chimamanda para pensar o papel de mãe no cinema

Será que existiria a mãe ideal, a melhor mãe ou um modelo de maternidade? Muitas mulheres buscam um modelo

Dois filmes marcaram o Oscar deste ano: Mães Paralelas, com roteiro e direção do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, cujo universo feminino é uma constante em seus filmes, como Tudo sobre minha mãe, Volver e O que eu fiz para merecer isso?; e A filha perdida, uma adaptação do livro de mesmo nome de Elena Ferrante, dirigido pela norte-americana Maggie Gyllenhaal. Coincidentemente, Penélope Cruz e Olivia Colman, as protagonistas dos filmes de Almodóvar e Gyllenhall respectivamente, concorreram na categoria de melhor atriz, mas não levaram a estatueta.

Nenhuma levou o prêmio, mas todos nós ganhamos. Seus papéis desencadearam uma série de debates (muitas vezes acalorados) envolvendo principalmente mães e mulheres, que se colocaram no lugar das duas personagens. Janis, personagem de Penélope Cruz, desejava ser mãe, e foi mãe solo, o que não a impediu de seguir trabalhando e lutando para encontrar o cadáver do avô, morto pelo grupo fascista Falange Espanhola — para tanto, não se furtou em pedir ajuda para cuidar de seu bebê; e para protegê-lo, não se furtou em mentir. Já Leda, personagem de Buckley/Colman, não conseguiu conciliar o estudo com a criação de duas filhas pequenas, com a ausência do marido e com a possibilidade de um novo amor — uma armadilha que ela mesma ajudou a criar, talvez inconscientemente, e da qual escapar é, para ela, a única salvação. 

A diferença entre as duas é que Janis parece ter lido Chimamanda Ngozi Adichie. Numa carta endereçada a uma amiga com um bebezinho, a escritora feminista aconselhou: “Seja uma pessoa completa. A maternidade é uma dádiva maravilhosa, mas não seja definida apenas pela maternidade. Seja uma pessoa completa. Vai ser bom para sua filha. Marlene Sanders, a pioneira jornalista americana, a primeira mulher a ser correspondente na Guerra do Vietnã (e ela mesma mãe de um menino), uma vez deu este conselho a uma jornalista mais jovem: ‘Nunca se desculpe por trabalhar. Você gosta do que faz, e gostar do que faz é um grande presente que você dá à sua filha’”.

Leda parece não ter lido a mesma carta na qual Adichie também enfatiza: “você não deve ser ‘mãe solo’, isto é, fazer as coisas sozinhas, a menos que seja realmente mãe solo”, o que ela não é. Como diz a escritora chilena Lina Meruane, “[…] o que as mulheres que aceitaram a guinchante demanda de maternidade não esperavam, era deparar com um aumento nos requisitos da boa-mãe. A ela agora é recomendado o retorno ao parto sem anestesia, a prolongação da lactação, a fralda de pano, o perpétuo leva e traz das crianças a numerosas consultas médicas, pedagógicas e sociais […]”. 

Além dessas duas mães muitas outras foram trazidas à tona nessas discussões: aquelas que não queriam ter filhos, mas que depois que eles nasceram se apaixonaram por eles (é o caso de outra personagem de Mães Paralelas); aquelas que abortam (valeria a pena ler O acontecimento, de Annie Ernaux); aquelas que não sentem afeto pelos filhos; aquelas que sufocam de amor os filhos; aquelas que optam por cesariana; as que preferem parto normal etc. São tantas figuras maternas, que ficou difícil chegar à conclusão de quem deveria, por melhor representar esse universo, levar o Oscar na categoria de melhor mãe.

Será que existiria a mãe ideal, a melhor mãe ou um modelo de maternidade? Muitas mulheres buscam um modelo: as próprias mães, as avós, as influenciadoras digitais (parece que estas últimas estão na moda). Essas visões sobre a maternidade, reproduzidas nesses filmes em especial, mostram que não há um protótipo de mãe e que devemos (me incluo aqui) traçar nossos caminhos, cometer nossos erros e acertos e carregar nossas culpas. Além disso, não somos obrigadas a ser mães.

A propósito, não me agrada a afirmação de que uma das diferenças entre homens e mulheres consiste em que elas “podem ter filhos, os homens não”, como, surpreendentemente, afirma Adichie. Acredito que poderia ser dito de outra forma: as mulheres podem dar à luz, os homens não, mas os homens têm filhos, assim como as mulheres, e as responsabilidades dos dois deveriam ser as mesmas. 

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