A mulher de pele injustiçada

Artigo de alunas do Medianeira fala sobre a situação da mulher negra no Brasil e no mundo

Os estudantes do 9º Ano do Colégio Medianeira produziram uma Revista Eletrônica com artigos científicos após processo anual de letramento no campo das pesquisas acadêmicas. O material integra a disciplina de Ciências Humanas, sob orientação da professora Lidiane Grutzmann. 

Na produção, iniciada em março, os estudantes foram instigados a olhar para as suas realidades, a perscrutar seu entorno e escolher objetos de pesquisa que seriam submetidos a um longo e cuidadoso processo de investigação. 

Ao compartilharmos o presente material, o Colégio Medianeira dá sequência ao seu projeto de conciliação da excelência humana e acadêmica. Desse modo, o objetivo central de um trabalho pedagógico como tal é desenvolver a capacidade de problematização e compreensão da realidade a partir de um olhar crítico, criativo, compassivo, comprometido e investigativo que dialogue com o currículo e com todas as áreas do conhecimento, dentro daquilo que é interesse genuíno dos estudantes. 

Nessa concepção, as pesquisas acadêmicas integram a nossa estratégia de possibilitar aos estudantes instrumentos de análise, interpretação e ação de intervenção, contribuindo para uma aprendizagem integral que considere atentamente as vozes dos jovens pesquisadores. 

Para o Plural, dentre 53 produções realizadas, selecionamos o artigo “Mulher de pele injustiçada”, das estudantes Laura Ueno Macoppi, Luara Fabro Bohner, Luiza Campanholi Barbosa e Maria Fernanda da Rocha Castro. 

Boa leitura!


A mulher de pele injustiçada

RESUMO

Este trabalho aborda sobre a questão das mulheres negras dentro do movimento feminista, problematizando a exclusão de minorias. Nossa problemática consiste em como as mulheres negras se sentem em relação à vertente mais conhecida do feminismo (liberal) atualmente? Essa questão se faz necessária devido ao fato de que um movimento como o feminismo, que luta por uma igualdade, possuir preconceitos dentro de si. A finalidade central deste estudo é nos sensibilizarmos, ouvindo o que as mulheres negras têm a dizer sobre o movimento e suas problemáticas. Para isso, entramos em contato com diversos textos, como o de bell hooks e de Silvana B. G. da Silva, autoras negras ativistas e pedimos o depoimento da primeira vereadora negra a ser eleita na cidade de Curitiba, a Carol Dartora. A análise evidenciou que de fato o movimento exclui as necessidades de uma boa parte das mulheres, entre elas as mulheres negras. 

Palavras-chave: Mulher negra. Racismo. Desigualdade. Feminismo. Pauta. Preconceito.

INTRODUÇÃO 

Durante 2021, buscamos nos aprofundar nas problematizações e vertentes exclusivas do movimento feminista. Para isso, entramos em contato com diversas fontes bibliográficas que tratavam sobre assuntos como a história do feminismo no Brasil e a situação atual das mulheres negras, e inclusive entrevistamos uma mulher negra ativista do movimento para conhecer o seu ponto de vista. O feminismo é um movimento que luta pelo fim das desigualdades dentro da sociedade patriarcal. Antigamente, entre outros objetivos, ele lutava pelo direito de voto da mulher, sua livre participação social e contra a violência. Conforme seus objetivos foram sendo conquistados, seu foco se voltou para questões como a diferença salarial, a violência contra as mulheres, o estupro, a pouca inserção feminina na política e outros tópicos que estão ligadas a imagem da mulher como frágil.

Entretanto, até mesmo o movimento feminista, que luta pela igualdade, pode se mostrar excludente em relação às mulheres negras. A partir disso, resolvemos problematizar a vertente do feminismo mais conhecida atualmente, a liberal, a qual favorece apenas um certo grupo de mulheres, sendo elas brancas, classe média-alta e cis. Isso ocorre, considerando que o movimento feminista liberal tem como objetivo o empoderamento da mulher dentro da sociedade, ofuscando pautas direcionadas mais especificamente às mulheres que mais precisam. Já que, em uma sociedade ainda regida pelo preconceito racial, é muito mais fácil que mulheres brancas atinjam a posição de empoderamento. Assim, percebemos a necessidade do estudo de vertentes que dão visibilidade para pautas relacionadas não somente a luta contra o machismo, mas também a luta contra o preconceito racial. É com base nessa realidade que escolhemos a pergunta que guiaria nossa pesquisa: como as mulheres negras se sentem em relação a vertente mais conhecida do feminismo (liberal) atualmente?

PESQUISA/REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

  1. Contextualização

Primeiramente, o texto “Movimento feminista: história no Brasil” de Ana Salvatti e publicado no site Politize! problematiza a falta de atenção que a história da luta feminista recebe no Brasil. Trata sobre a cultura enraizada na sociedade patriarcal e de repressão. A autora, utiliza no site de publicação vídeos explicativos e um infográfico para informar sobre a luta feminista diante dos aspectos de desigualdade patriarcal. 

Porém o texto de Ana Salvatti não faz nenhum tipo de recorte social e racial em sua análise sobre o movimento feminista. O que pode acabar prejudicando a luta e não dando visibilidade a causas de minorias, como as de mulheres negras, que além do machismo enfrentam também o racismo diariamente. “O racismo abunda nos textos de feministas brancas, reforçando a supremacia branca e negando a possibilidade de que as mulheres se conectem politicamente cruzando fronteiras étnicas e raciais”, disse Bell Hooks, em seu texto “Mulheres negras: moldando a teoria feminista”, publicado no site da SciELO, que retrata essa realidade. Com base em nossa problematização e diante da situação atual, resolvemos então procurar entender como as mulheres negras se veem dentro do movimento feminista e o que elas têm a dizer sobre isso.  

Olhando para a história do movimento é possível perceber que as manifestações costumavam ser lideradas por mulheres brancas de classe média alta, consequentemente as necessidades específicas das mulheres negras, como as lutas contra o racismo e por melhores condições de trabalho, não tinham relevância e não eram discutidas. Isso é ressaltado na obra “Mulheres, raça e classe” de Angela Davis, professora e filósofa estado-unidense, a qual alega que “as feministas brancas de classe média não se importavam sequer com a classe trabalhadora branca”, o que resultou na divisão de vertentes dentro do feminismo. Nos dias atuais ainda existem muitas mulheres que ainda tratam das desigualdades apenas dentro do âmbito de gênero, como se todas as mulheres, independentemente de sua cor, sofressem com os mesmos problemas.

 

O texto publicado no site Politize!, “Feminismo Negro no Brasil: história, pautas e conquistas”, escrito por Silvana B. G. da Silva, uma ativista negra, faz o recorte que faltou no trabalho de Ana Salvatti, dando atenção aos problemas causados pela falta de pautas que abrangem a minoria negra. Segundo ela e o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), no ambiente de trabalho, as mulheres negras possuem menos oportunidades que as mulheres brancas. Isso é evidenciado tanto na busca por empregos quanto nas competições sociais de poder. 

  1. O Feminismo Negro e o MMN (Movimento de Mulheres Negras)

O Feminismo Negro é uma vertente do movimento feminista que tem como foco as especificidades das mulheres negras, que teve início no brasil na década de 1970 com o Movimento de Mulheres Negras (MMN) graças a compreensão de que faltava uma abordagem voltada para as pautas não só de gênero, mas também de raça nos movimentos da época. 

Na atualidade, devemos levar em conta a maneira como a sociedade lida com questões raciais e de gênero como base para entender o MMN e suas lutas. “(…) destaca-se que o patriarcado tem bases ideológicas semelhantes ao racismo, focando na superioridade do homem e na inferioridade da mulher. Nesse ínterim, prevalecem ideias hegemônicas de uma elite masculina branca (…)”, como diz Silvana sobre a situação atual em seu texto já citado.  Nesse sentido, as principais pautas trazidas pelo Movimento de Mulheres Negras são caracterizadas por 5 principais temas:

  1. Legado de uma história de luta;
  2. Natureza interligada de gênero, raça e classe;
  3. Combate aos estereótipos ou imagem de controle;
  4. Atuação como mães, professoras e líderes comunitárias;
  5. Política sexual.

Entre as coisas que mais contribuem e constroem o MMN são as experiências cotidianas das mulheres negras, as obras de escritoras, as manifestações de empregadas domésticas e a luta de ativistas pela abolição da escravidão e pelos direitos civis, além dos pronunciamentos de compositoras negras de música popular.

A partir das contribuições do MMN, o Feminismo Negro tem como principal pilar a experiência pessoal das mulheres negras como caminho para a construção de suas pautas. Nesse caminho, é de extrema importância ouvir suas histórias e reconhecer o que elas têm de passar dentro do âmbito machista e racista que está presente em nossa sociedade atual. Segundo Silvana B. G. da Silva: “Como negras e mulheres, elas se capacitaram para não mais aceitar de forma normal a subordinação histórica e está tendo cada vez mais voz para mostrar e reivindicar contra o racismo estrutural da sociedade.”.

3. Relato da vereadora curitibana Carol Dartora

Entramos em contato com uma mulher negra ativista para ouvir o seu ponto de vista sobre o assunto. Pedimos então o depoimento de Ana Carolina Moura Melo Dartora, mais conhecida como Carol Dartora, primeira mulher negra a ser eleita vereadora de Curitiba em 2021, que também é feminista e atua como secretária da Mulher Trabalhadora e Direitos LGBTI da APP Sindicato. Além de fazer parte da Marcha Mundial das Mulheres e do Movimento Negro.

Em sua fala ela relata ter sofrido inúmeras barreiras objetivas para chegar até o cargo de vereadora, como dificuldades econômicas, além de ter sido diminuída, inclusive dentro de seu próprio partido, e sofrido ataques racistas e machistas ao longo de sua trajetória. Inclusive, Dartora nos conta que logo após ser eleita chegou a receber ameaças de morte. Por isso, considera uma superação ter chegado ao seu cargo atual. 

“Acho uma pena quando um negro se elege e não se diz representante da pauta racial. Eu não posso deixar de ver o mundo pelo que eu sou, uma mulher negra e trabalhadora”, disse uma vez durante um discurso. A partir disso perguntamos a ela se ela, como primeira vereadora negra, se enxerga como um símbolo de representação para as outras mulheres negras. “Sem dúvida, muitas pessoas se sentem inspiradas, e encorajadas a ocuparem os espaços que desejam”, relatou ela durante o depoimento. 

Quando questionamos seu posicionamento sobre a problematização do feminismo liberal, ela nos fez a seguinte afirmação: 

“O recorte liberal do feminismo é pernicioso porque não discute de fato transformação social, e não vai nas raízes do que precisa mudar para realmente termos melhores condições de vida para todas as mulheres, feminismo liberal tem classe, a classe rica.”

Em adição a isso, ela citou o que acredita que é importante de ser tratado com mais atenção dentro do feminismo. Falou sobre a imagem da mulher como incapaz, que muitas vezes recebe um salário menor do que um homem branco, como por exemplo empregadas domésticas que sofrem mais com cargas tributárias. A partir disso, a questionamos sobre os projetos que já fez e os que pretende fazer com base nesses tópicos. Dentre os projetos que já fez parte, ela citou o Projeto de tramitação prioritária de processos de mulheres em situação de violência e dentre os que ainda pretende fazer parte ela nos contou sobre o Projeto Vale Gás, o qual está voltado para mulheres em situação de vulnerabilidade. Por fim, sabendo que Dartora faz parte da Marcha Mundial das Mulheres, a questionamos sobre sua atuação dentro do movimento, e ela nos deu a seguinte resposta: 

“A Marcha Mundial das Mulheres como um movimento internacional que está inserido nas dinâmicas locais, com uma pauta nacional, e em diálogo com campanhas e movimentos com orientações próximas. Há uma grande presença de mulheres jovens que descobrem o feminismo a partir de nossas ações e se dispõem a construí-las conosco. Estimulamos e facilitamos a organização de várias atividades de formação, debate, cultura e intercâmbio entre os grupos participantes da MMM no Brasil, bem como atividades no marco das ações internacionais da MMM.”

4. Produção poética sobre o tema:

Com base nos estudos realizados pelo grupo ao longo do ano, produzimos também um texto poético que aborda assuntos como a desvalorização da beleza da mulher negra a partir de um mito grego, a sexualização dos corpos dessas mulheres com base na história de Sarah Baartman e a situação geral das mulheres na sociedade. Leia o trecho final da produção artística:

“(…) Mulheres injustiçadas, que tiveram que sofrer para mudar sua realidade

Será que você consegue ouvir a força de suas vozes hoje em dia?

Que vibram na nossa realidade, como se tudo isso fosse feito para elas

E quando nos unimos podemos fazer tudo o que elas não puderam quando estavam vivas

Os sofrimentos que marcaram o passado 

Mostram que a luta por direitos é um caminho longo,

Onde uns sofrem mais que os outros

Procure as mulheres ao seu redor

Que têm menos espaço que você,

Ouça, escute-as

Amplifique as vozes das injustiçadas 

A pele negra de uma mulher

A pele de uma beleza não reconhecida 

Pele sofrida de injustiça

Ofuscada e omitida 

Entre rostos pálidos e vazios”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vendo a maneira a qual o feminismo funciona nos dias atuais e os grupos que acaba excluindo, já tínhamos a noção de que é de extrema importância se informar sobre como as outras pessoas, que vivem realidades distintas das nossas, se sentem dentro do sistema em que estamos inseridos. A partir disso, percebemos que mesmo em um movimento como o movimento feminista, que luta contra os preconceitos, existem outras desigualdades, que podem acabar passando despercebidas. Com essa ciência resolvemos buscar ouvir como as mulheres negras se sentem dentro do movimento a partir da seguinte problematização: como as mulheres negras se sentem em relação a vertente mais conhecida do feminismo (liberal) atualmente?

Após lermos textos escritos por mulheres negras e obtermos o relato de uma ativista do movimento, chegamos à conclusão de que essas mulheres não se veem incluídas em todas as pautas levantadas pelo feminismo liberal. Tanto que se viram na necessidade de criar uma vertente para si mesmas, em que seus objetivos pudessem ser ouvidos e alcançados. Carol Dartora alega que o feminismo liberal só dá visibilidade para a classe de mulheres brancas e ricas. Isso nos levou a questionar de que serve um movimento, se ele só ouve uma parcela da população? É necessário então que, mesmo que você não se veja prejudicado igual a outras pessoas que vivem uma realidade distante da sua, você as ouça e apoie suas causas, de forma com que todos tenham espaço de fala. 

Os textos lidos já nos forneceram uma sensibilização sobre o assunto, mas foi o nosso contato com a vereadora Carol Dartora que nos impactou fortemente e nos ajudou a desenvolver um pensamento mais sensível sobre o assunto, porque diferentemente dos textos que tratavam do assunto como algo muito didático, seu depoimento nos trouxe de forma mais aproximada e real a situação das mulheres negras. 

O processo de pesquisa nos proporcionou um olhar mais crítico em relação a sociedade em um geral, sendo que o movimento feminista deveria incluir todos em suas pautas e não o faz. Esse olhar crítico será fundamental na produção de novas pesquisas no futuro, nos levando a questionar mais os aspectos que moldam nossa realidade. 

No geral, para encontrar os textos que abordassem criticamente o nosso tema do ponto de vista de mulheres negras, não tivemos dificuldades. Entretanto, para entrar em contato com a Carol Dartora e conseguir seu depoimento foi um pouco mais complicado, devido ao fato dela ser uma figura de grande importância pública. Porém no final, nossos esforços valeram a pena, pois seu relato tornou o trabalho muito mais rico. Após essa experiência, achamos interessante que as novas pesquisas e/ou trabalhos sobre o assunto estejam voltados para a sensibilização de mais pessoas sobre a situação, para que elas também possam desenvolver um olhar mais crítico da realidade. 

REFERÊNCIAS 

SILVA, Silvana. Feminismo Negro no Brasil: história, pautas e conquistas. Politize!. 27 de novembro de 2019. Disponível em < https://www.politize.com.br/feminismo-negro-no-brasil/? > Acesso em: 02 de novembro de 2021. 

HOOKS, Bell. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. SciELO – Brasil. 16 de janeiro de 2015. Disponível em < https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/mrjHhJLHZtfyHn7Wx4HKm3k/?lang=pt > Acesso em: 02 de novembro de 2021.  

SALVATTI, Ana. Movimento feminista: história no Brasil. Politize!. 19 de setembro de 2016. Disponível em < https://www.politize.com.br/movimento-feminista/ > Acesso em: 02 de novembro de 2021. 

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1 comentário em “A mulher de pele injustiçada”

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