Permanecendo um longo tempo num local com alta rotatividade de pessoas das mais variadas idades, o assunto do momento da dramaturgia brasileira é a série Verdades Secretas 2. Uns maravilhados e outros horrorizados com as cenas ousadas. São cenas de casais heterossexuais, homossexuais, inter raciais, interplanetários. O vuco-vuco parece não ter limites.
A série inova, mergulha e traz à tona um monte de tabus. Mas quero falar de um ponto específico, que é aquele que me representa: a presença da divina modelo Mayara Russi, uma mulher gorda como eu. Dizem modelo “plus size”, mas o termo correto para uma mulher plus size (tamanho grande), ou curvilínea, que é outra expressão para maquiar a definição de mulher gorda, é gorda mesmo e isso não é ofensa, essa é a descrição correta.
Gordinha é o que uma mulher padrão acha que está depois de uma semana comendo feijoada no almoço e Méqui no jantar, gorda é outro patamar, mulheres como eu e a Mayara, somos gordas.
Walcyr Carrasco foi vanguardista e corajoso em várias abordagens. Essa série, embora disponível só no streaming, já fez revoluções em dez episódios, já esbofeteou vários tabus, bateu cabelo na cara da sociedade, mas eu espero para ver se tem um que terá coragem de cavucar… Aproveitar a beleza e personalidade incríveis da Mayara e abordar a sexualidade e a sensualidade das mulheres gordas.
Socialmente, parece assombrosa a imagem de uma gordaxa de biquini na praia (experiência própria, por isso o enorme pavor das mulheres magras em parecerem com uma pelanquinha na praia, uma vez que a reação do mundo a um corpo gordo fritando ao sol não é nada confortável nem discreta no seu horror), outra de lingerie num catálogo (como ela tem coragem?), imaginem o corpo de uma mulher gorda seminu ou nu, sendo tocado por um homem padrão e que esteja mostrando desejo profundo por aquele corpo? Dois gordos ou gordas? (Talvez, porque é mais “crível”, mas será que fica bem no vídeo)?
Se para uma mulher magra nos primeiros encontros (relatos ouvidos de várias mulheres) há o medo da aparição de uma estria, uma celulite ou uma pequena panceta, dependendo da posição que assumirem, para uma mulher gorda essa ideia sequer encontra espaço para existir, porque se um homem a deseja e ainda não conhece sua nudez, não vai supor que tudo aquilo é uma espuma ou algo que a roupa em tese fabrica; ele sabe que ali por baixo tem um montão de tecido adiposo e um festival de deliciosos lipídios.
Para um homem padrão desejar uma gorda sempre tem que ter contexto. Vou exemplificar isso numa relação heterossexual. O cara padrão não pode vê-la numa balada, ficar louco nela sem sequer conhecê-la ou trocar uma palavra com ela, simplesmente bater os olhos e desejar arrastá-la para um canto escuro imediatamente. Só é possível o desejo por uma mulher gorda se o sujeito conhecê-la por uma foto fake num perfil de Internet, se apaixonar por sua alma e fazer a benesse de ignorar seu corpo.
Também tem a história do amigo que se apaixona pela GRANDE amiga, ou ainda o moço é um fetichista que gama na voz dela no telefone. Aliás, fetichistas são terríveis, mulher padrão não imagina os fetiches com mulheres gordas…
Essas são as maneiras possíveis de um homem (até mesmo gordo) desejar uma mulher gorda. Não adianta nada mostrar beijo grego e trazer a Mayara Russi só para closes de rosto (que é di-vi-no), desfilando de roupa e fazendo vilanias. O corpo dela também é lindo, maravilhoso, desejável como todos os outros que já vucovucaram por lá e isso sim faria uma representação de verdade.
Mulheres gordas são MULHERES. Como quaisquer outras. São cheirosas, macias, sensuais, sexuais. E não, não cabe mais publicidade de jeans com a “gordinha” do escritório se matando de malhar e passar fome para caber numa calça. As marcas de calças que lutem para se encaixar nas nossas BUNDAS, ASSIM EM CAIXA ALTA, PORQUE SÃO GRANDES!
Walcyr Carrasco, só para lembrar, Mayara Russi representa 30,2% das mulheres adultas brasileiras (dados do IBGE). Muitos dirão: e a saúde? Sexo é saúde e vai muito bem, obrigada!
Excelente e necessário texto!
Super recomendando e compartilhando pra geral!
Ameiiii!
Perfeito!
Cada mulher que se diz representada no meu texto alegra a minha alma. Talvez se eu não tivesse visto as mulheres da geração da minha mãe se odiando tanto, falando tão mal de seus corpos, dos seus cabelos, dos seios e das barrigas e visse uma mulher gorda e feliz, não tivesse me torturado tanto até entender que essa pessoa sou eu e que esse corpo me pertence e que o meu momento de ser feliz é o presente. Ainda bem que eu percebi a tempo e ainda bem que posso falar com tantas mulheres que talvez precisem se sentir representadas! Muito obrigada!
Vcs pensam que nós homens gostamos de mulher magrela? Apreciamos as gordinhas cheias de carnes para serem tocadas e apertadas.Quem gostam de magricelas são os estilistas ,adoram um cabide magro pra suas roupas
Oi Edson, na realidade a gente não se importa muito com o que vocês gostam ou não. A gente só quer é respeito. Abraço,
Rosiane
Amei o texto, e vi a cena de sexo. É isso, mulher é mulher sem rótulos, por favor.
Muito bom!
Adorei a matéria! Traz,de forma muito clara e inteligente, o mundo de mulheres gordas como eu.
Excelente! A mulher gorda tem que ter cada vez mais representatividade em todos os espaços. Não só em catálogos plus size. Mas em todo lugar! Por enquanto só assisti até o segundo episódio que estreou essa semana na Globo Play. Na primeira parte de VS II as cenas do ensaio sensual de lingerie da Mayara estavam fantásticas! Vamos ver até onde Walcyr ousou e tomara que nos deixe de queixo caído e alguns, porque não dizer, babando na mulher gorda, gostosa e sexy!!
Texto maravilhoso. Me representa muito. Sou gorda, sou desejada, sou sensual e sexual também. Obrigada!!!!
Já passou da hora de meter o dedo em temas que exibam os seres invisibilizados pela escrotice conservadora, que vem de tempos longínquos e ganhou força nestes tempos ásperos, sombrios e bárbaros. Sigam abrindo frontreira, revelando- nos, iluminado a vida!
Texto perfeito. Precisamos falar desses assuntos.