Pouco espaço ou pouco dinheiro

Recebi algumas cartas sobre “Imaginar a cena”, minha crônica anterior. A primeira delas foi inserida num grupo de WhatsApp e, que, não guardei, digo não salvei a “carta” e tampouco memorizei o nome da “remetente”. Lembro do assunto: Martha vendeu os livros porque no fim da vida estava com dificuldades financeiras e foi viver numa casa de idosos.

Cada qual – como eu – imagina a cena ou as cenas de quem encontra livros com dedicatórias nos sebos.

De tanto imaginar passei a escrever as imaginações.

A Débora Albuquerque escreveu: “Imaginei, e quase pude sentir a dor do autor em encontrar seu livro autografado àquela por quem ele tinha tanto carinho!”.

Quizás, quizás, por ser Martha Rocha, tivesse algo mais que carinho…

Imagino: no caso são duas as dores: o próprio livro no sebo e a quem foi feita a – “eterna Miss Brasil”, como muitos a chamavam – dedicatória.

Em “carta” anterior, a Débora disse que havia dado os “discos, todos ótimos, para um sebo! 1) porque não tinha mais a “vitrola”, os aparelhos foram mudando 2) vieram os CDs que ocupam menos espaço 3) e agora até os CDs estou pensando em despachar porque tem tudo na internet!”.

Isto ela escreveu quando comentou “Mil beijos”, e imaginou que foi o que aconteceu com P e M.

Aviso aos leitores e leitoras: aceito LPs e CDs de presente, com ou sem dedicatórias. Não se acanhem.

A questão da falta de espaço parece ser recorrente na vida das pessoas, principalmente da de casais que se separam.

Outro que imaginou cenas foi o Anderson Martins. Ele não imaginou cenas do autor do livro e da dedicatória: imaginou uma cena em relação ao autor da crônica.

Imaginar é livre.

Ele imaginou – e isto só é possível para quem me conhece há muito tempo – “a cena do médico Rosinha escritor. As duas coisas diferem no objeto e talvez na forma, mas nas duas sempre atento aos detalhes não percebidos”.

Agradeço e sinto-me… lisonjeado.

É a segunda reticência que coloco no texto – qualquer dia podemos falar disso.

Sem reticências, a Laís Mann escreve:

“Adorei imaginar a cena. Isso me remete há alguns anos quando precisei me desfazer de coisas e objetos pessoais por ter diminuído consideravelmente o espaço em que vivia. Assim fui revendo e relendo livros que comprei, outros que ganhei ao longo de muito tempo entrevistando pessoas. Alguns, confesso, não me causaram dor. Outros, entretanto, me provocaram lágrimas. Fui selecionando os que guardaria e o critério adotado foram os autografados.

“Mantive todos.

“Me emociono até hoje ao reler. Alguns de escritores consagrados, outros nem tanto, muitos haviam escrito o primeiro livro. Guardo com muito carinho essas preciosidades. E já conhecia essa história da Martha. Mulher inteligente que era, não se desfaria de algo tão significativo. Acredito que lhe tenha sido furtado no afã de alguém que se apaixonou pelo mimo ou que tivesse emprestado a alguém que não considerou o valor do que estava levando e simplesmente se desfez. É uma boa história. Grata!”

Nas “cartas” que recebo também levo “puxões” de orelha. São leves e necessários. Será que só consigo ser educado à moda antiga?

“Não seja ‘severo’ ao julgar as razões porque as pessoas se desfazem dos livros”, escreve a Cristina Vanuchi.

Como disse, leve puxão de orelha, pois o severo esta entre aspas.

Assim como Laís e Débora, Cristina considera que a principal razão para se desfazer de “objetos” é a falta de espaço nas moradias atuais. “Os apartamentos estão cada vez mais resumidos. Quase ninguém tem o privilégio de ter um cômodo da casa destinado à biblioteca. Meu sonho!

“No entanto, me desfiz de dezenas (centenas, talvez) de livros ao me mudar para um apartamento muito menor que o anterior.

“Doei caixas e mais caixas para o MST. Tentei vender pra sebo, mas fiquei indignada com o preço vil oferecido.

“É possível que tenha escapado em alguns desses livros, dedicatórias. No geral, tomo o cuidado de suprimir ou inviabilizar a leitura. Mas…

“Outros livros me desfiz propositalmente, como um gesto de libertação: o amor aludido na dedicatória já tinha se esvaído.”

Na primeira – “Dedicatórias” crônica aqui publicada escrevi:

Dedicatórias.

Dito-as no meu cérebro e coração.

Não posso escrevê-las.

Quando outro amor se interpõe,

 se impõe.

A dedicatória seria a confissão:

o antigo amor não foi eterno.

E, sobre Martha Rocha, Cristina escreve:

“Marta Rocha bem poderia ser lembrada como símbolo contra a ditadura ‘dos corpos perfeitos’: ficou em segundo lugar no concurso de miss porque seu quadril tinha 2 polegadas a mais.

“Claro, era legítima representante do Brasil, de ancas largas.

“Como era baiana, inspirou e deu nome a um bolo famoso, o bolo Marta Rocha, de abacaxi e coco, sucesso até hoje nas confeitarias.

“Talvez nem tenha sido ela a se desfazer do livro dedicado. Pode ter sido seus filhos ou cuidadores, ao desmontar a casa, após doença e morte, em junho deste ano.

“Meu pai se referia ao concurso perdido por ela como uma grande injustiça e marmelada para favorecer a candidata dos EUA.”

A própria Martha Rocha em algum momento da vida declarou que a questão das duas polegadas não foi a razão de ficar em segundo lugar: será que foi só uma polegada?

Verdade ou não, hoje há “anoréxicas” que adoecem por tentar diminuir até uma dezena de polegadas na busca de moldar o corpo de acordo com as exigências – quando mulher – do olhar do homem e do mercado.

O mercado – da moda e costumes – exige um tipo de corpo e o mercado farmacêutico fornece as drogas “necessárias” para a obtenção deste corpo.

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