Com 362 casos, famílias protestam por falta de informações sobre Covid em presídios

Acampadas ao lado do Depen, grupo de mulheres reivindica testagem em massa

Desde a última sexta-feira (17) familiares de detentos que cumprem pena no sistema carcerário paranaense estão acampados ao lado da sede do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen), no Bacacheri, em Curitiba. O grupo, composto por aproximadamente 10 mulheres, reivindica informações sobre a situação da pandemia de Covid-19 nas unidades penais do estado e a realização de mutirão carcerário para conceder o benefício de prisão domiciliar aos detentos que sejam considerados do grupo de risco. 

De acordo com o boletim mais recente divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com informações do dia 20 de julho, o Paraná tinha 362 casos confirmados de Covid-19 em unidades penais do estado. No levantamento do Sindicato dos Policiais Penais do Paraná (Sindarspen), esse número é de 309, dos quais 62 estão em unidades da Região Metropolitana de Curitiba, sendo 58 na Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP 1), três no Complexo Médico Penal (CMP), em Pinhais, e um na Colônia Penal Agroindustrial do Paraná, em Piraquara.

Há ainda, segundo o mesmo levantamento, 100 policiais penais com Covid-19 no estado. Até agora, uma morte foi confirmada por Coronavírus nas unidades do Paraná, a do ex-deputado Nelson Meurer, que cumpria pena na Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão.

Pautas 

Formado por mulheres e em sua maioria com parentes cumprindo pena no Complexo Penitenciário de Piraquara, o grupo reivindica também um plano de ação estruturado de combate à Covid-19 nos presídios. Só na última semana, 56 presos testaram positivo para o novo Coronavírus na Penitenciária Estadual de Piraquara. “Queremos os nomes de quem está doente, saber que tipos de cuidados estão sendo tomados, se os presos estão sendo isolados e tendo assistência médica e se vai haver testagem em massa”, explica Carina Correia, umas das integrantes do movimento e que articulou a montagem do acampamento. “Tivemos 56 positivos dentro da PEP 1 só com a testagem divulgada na última sexta. Imagina quantos teríamos se fizessem testes diariamente?”, questiona.

Na tarde de segunda-feira (20) o Depen recebeu em sua sede duas das representantes do acampamento. Segundo Cristiana Portella, que esteve presente na visita, o órgão ouviu as reivindicações do grupo e se comprometeu a analisar os pedidos. “O que estamos querendo é transparência com relação às notícias dos nossos familiares e a comprovação que as medidas de saúde adequadas estão realmente sendo tomadas lá dentro”, explica Cristiana. “Queremos a comprovação por meio de documentos, não só por notas ou pronunciamentos dizendo que a situação está controlada, porque sabemos que não está. Por isso, viemos aqui protestar, respeitando todas as regras do momento, mantendo a distância e usando máscaras”, complementa.

Outra medida de prevenção à proliferação do Coronavírus nos presídios foi a interrupção das entregas das “sacolas” contendo alimentos ou produtos de higiene pelos familiares aos detentos. As mulheres presentes no acampamento reclamam da falta de alternativas dadas pelo Depen para envio desses itens. “Não estamos querendo ir até a unidade levar as sacolas, porque eu sei que isso pode gerar aglomerações, ou mesmo levar algum objeto infectado para dentro da unidade, mas nossa única possibilidade hoje é enviar via Sedex, que é muito caro”, explica Cristiana. “O Depen poderia viabilizar algum outro jeito, que fosse conseguindo um desconto com os Correios para diminuir o valor das entregas”, acrescenta.

Cartas não estão chegando

Além dos cuidados básicos de saúde e transparência na divulgação dos casos confirmados, o grupo questiona que, desde o início da pandemia, a comunicação entre familiares e detentos vem sendo prejudicada. Com as visitas presenciais suspensas há quase 4 meses, a única forma de contato tem sido através de cartas. “Acontece que essas correspondências não estão chegando para a gente. Temos relatos de algumas mães que só receberam agora uma carta que o filho enviou em março”, contesta Carina. “Não temos informação nenhuma”, diz.

“Antes entrava e saía carta e a gente sabia como estavam as coisas, mas depois que começou a pandemia, não estou tendo retorno. Meu marido sempre me respondia, mas agora não está chegando nada, nem para saber se estão bem, se estão doentes, ou se vão ser transferidos”, lamenta Cristiana. Segundo ela, a busca por informações com o próprio Depen também não tem sido satisfatória: “A gente liga, manda e-mail perguntando e não obtém nenhuma resposta. Existe a possibilidade de meu marido estar sendo transferido e eu nem ficar sabendo. Ele tem tuberculose e já teve pneumonia, o que faz dele grupo de risco, mas para provar isso, é preciso um laudo de dentro da Penitenciária. Agora, se nem notícia a gente consegue, imagina conseguir esse laudo”, desabafa.

Garantias

Na visão da advogada criminalista Sandra Rangel Silveira, que tem acompanhado o movimento das mulheres no acampamento, as reivindicações do grupo estão inteiramente dentro do que prevê a Lei de Execuções Penais e os pareceres dados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no contexto da pandemia. “São recomendações simples, presentes em qualquer tratado de Direitos Humanos para o sistema carcerário”, diz.

Para ela, o Depen não tomou as medidas necessárias no início do enfrentamento da pandemia, principalmente quanto às testagens em massa e no amparo aos agentes penitenciários. “O encerramento das visitas presenciais ajudou a poupar os presos da possibilidade de contágio, mas não pensaram o suficiente nos agentes penitenciários, que sem os equipamentos e cuidados adequados se tornaram transmissores do vírus para dentro das unidades”, afirma Sandra. “Não dava para acreditar que só cortando visitas e sacolas os presos estariam protegidos”, pontua.

Além disso, a advogada destaca que as recomendações do CNJ, especialmente a que prevê que presos do grupo de risco para Covid-19 possam cumprir o resto da pena em regime domiciliar, não foram cumpridas. “A resolução do CNJ era bem clara, mas infelizmente muitos juízes agiram contra as recomendações. Até entendo que existem casos e casos, mas se não há como soltar determinados presos pelas suas penas e periculosidade, eles devem ser de qualquer forma protegidos”, comenta Sandra.

A advogada destaca ainda que a ida para regime domiciliar independe da realização de mutirões pelo Depen: “A resolução do CNJ previu apenas que os juízes acautelassem os pedidos. Foram feitas algumas listas pela Defensoria Pública e o próprio Conselho da Comunidade, mas o Ministério Público foi contrário em quase 100% dos pedidos, se baseando que não havia casos de Covid-19 no Paraná e na periculosidade dos detentos. Entendo quando falam de algumas penas altas, mas a prisão domiciliar era para fins humanitários. Quando chegava nos juízes, os que concediam sofriam retaliação da sociedade”, conclui.

Por todos

De acordo com Carina, o acampamento não tem previsão de ser desmontado, e a manifestação vai seguir até que as principais reivindicações sejam atendidas. “Estamos nessa luta por todos e todas as unidades. Imagine a penitenciária feminina, onde têm muitas mães com filhos pequenos lá dentro. Essas crianças estão separadas? Estão tendo atendimento? E as gestantes? Nada é falado e é bem difícil conseguir informações com o Depen”.

No momento, o grupo tem divulgado as ações através da página Todos na mesma causa, no Facebook e no Instagram, e Carina explica que o acampamento está aberto para receber mais familiares que estejam na mesma situação. “A maioria aqui não se conhecia quando decidimos fazer as ações. Foi tudo graças a mobilização em grupos e redes sociais, até porque aqui temos familiares de detentos de várias unidades”, explica. “Vamos continuar até quando for necessário, porque parece que eles estão querendo esperar para sair com um caminhão cheio de mortos de lá”.

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