Vivendo “do papel”: famílias sustentadas pela reciclagem

A dura rotina de quem passa o dia recolhendo papel para sobreviver

Caminhadas de 6 a 12 quilômetros, cargas que variam de 150 a 300 quilos, jornadas de dez horas: assim é a rotina de quem ganha a vida catando papel na capital paranaense. Os catadores são responsáveis por todo o lixo reciclável da cidade – até mesmo pelos resíduos levados pela coleta seletiva do município.

Desde 2015, por meio do Programa Ecocidadão, Curitiba direciona os proventos da coleta seletiva às 38 associações e duas cooperativas de catadores, responsáveis pela reciclagem dos resíduos. Só em março desse ano, pouco mais de mil catadores receberam as 1,5 mil toneladas recolhidas. Em dezembro de 2018 e janeiro desse ano, a prefeitura recolheu cerca de 1,9 mil toneladas de lixo recicláveis a cada mês.

Apesar de alta, a conta não soma os resíduos que são coletados diretamente pelos catadores. Em Curitiba, o Movimento Nacional dos Catadores no Paraná estima que 10 mil pessoas vivem da reciclagem. É o caso da família de Roseli, de 44 anos, catadora desde os 10, quando ainda acompanhava a mãe. Ela e os sete irmãos tiram o sustento da família do papel: “Criei eles tudo no papel, minha mãe também criou tudo nós no papel, minha irmã também cria os filho dela tudo nos papel (sic). O papel dá dinheiro, se você souber catar”, declara ao falar da filha, que trabalha em uma instituição de ensino superior.

“Se der 30 reais ali é muito. Tô indo embora, bem dizer, com o carrinho vazio, tô pensando”, Roseli sobre o carrinho que levava. Foto: Giorgia Prates/Plural

Hoje, a família conta com uma Kombi e três carrinhos de coleta, entre eles o de Roseli. Autônomos, a venda do material coletado acontece de 15 em 15 dias. Ao todo, a família coleta em média dois mil quilos de resíduos por semana. Morando na Vila Torres, a rotina de Roseli se repete de segunda a sábado: sair de manhã, por volta das 8h30, e voltar às 17h. “Sair cedo pra voltar mais cedo”, é o lema. O percurso, que se encerra em uma loja de departamentos no Bom Retiro, tem pouco mais de seis quilômetros – apenas na ida. A carga, levada pela firmeza dos braços que dirigem o carrinho, é outro aspecto relevante: “O costume é levar 300 quilos por dia, só minha mãe que não. Minha mãe tá com 80 e pouco, daí ela só vai dar uma voltinha no Água Verde e já volta. Ela fala assim: ‘Eu já tô velha, vocês que têm que ir'”, sorri ao lembrar da matriarca.

“O papel” também foi a solução para Marco, de 41 anos: vindo do interior do estado para trabalhar na construção civil, um calote no pagamento levou o homem a recolher material reciclável. Oito anos depois, é com o que encontra nas ruas que ele sustenta a mulher e o filho, de sete anos. Além da venda dos materiais,  o trio pode contar com a ajuda que vem da rua – por meio de doações.

“Encher um carrinho desse dá trabalho”, afirma Marco, que faz uma jornada de dez horas a cada saída. Foto: Giorgia Prates/Plural.

Marco costuma sair de casa, na Vila Torres, por volta de meio dia – a jornada se estende até 22h ou 23h. Nesse horário, o filho Dionatan ainda está acordado: o menino espera a chegada do pai todos os dias, para brincarem antes de dormir. Para o catador, a autonomia do trabalho é a melhor parte: “Pra mim, assim tá de boa. Sem ninguém mandar, você sai a hora que quer, volta a hora que quer. Eu mesmo cuido de mim, sem patrão mandar”, declara.

Leandro, de 28, e Larissa, de 21, vieram de São Paulo há pouco mais de um mês. A reciclagem apareceu como uma forma de sair da casa do pai de Leandro, para um imóvel no Capanema. Na maior parte das vezes, o casal quita o aluguel da casa vendendo o material diretamente para o dono da propriedade em que vivem, que tem um barracão. Outras vezes, a coleta serve para incrementar a renda, que também conta com o auxílio do bolsa família. “A gente faz o que precisa, pega o que precisa”, esclarece Larissa.

Larissa e Leandro: saídas em família também são oportunidade para catar. Foto: Giorgia Prates/Plural

O casal tem duas meninas: uma, de dois anos e oito meses, e outra – com pouco mais de um ano. “[Com a] falta de emprego logo de início, aí não teve outra opção, a gente tinha que trabalhar. […] Tem que trabalhar, sustentar a família”, ressalta Leandro – que se dedicava à jardinagem em São Paulo. Apesar de conseguirem, por hora, quitar as contas com a atividade, Leandro ainda distribuí currículos quando sai pelo Centro. “A longo prazo, o meu plano é poder arrumar um emprego melhor – não que [catar] não seja digno -, mas uma coisa melhor…”, conta Larissa enquanto segura a pequena Laura no colo.

Fim do dia é sinônimo de correria para os catadores. Foto: Giorgia Prates/Plural.

No fim dia, as ruas da capital voltam a encher: além do fluxo de pessoas voltando para o trabalho, é nesse horário que os catadores mais correm. Após às 18h, o lixo dos estabelecimentos comerciais – sustento para tantas famílias – passa a ocupar as ruas. Enchem-se, também, os carrinhos metálicos, com papelões e sacos plásticas cuidadosamente empilhados.

 

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