Jornada de Agroecologia encerra edição com doação de 20 toneladas de alimentos em Curitiba

Alimentos foram cultivados por agricultores beneficiados pela reforma agrária no Paraná

Após dois anos sem ocorrer por conta da pandemia, a Jornada de Agroecologia terminou no domingo (27) e distribuiu cerca de 20 toneladas de alimentos para pessoas que estão em situação de insegurança alimentar em Curitiba.

Os alimentos foram destinados para comunidades e ocupações na capital e região metropolitana, entre elas as cozinhas comunitárias da Vila Formosa, Nova Primavera, Vila União, da ocupação Povo Sem Medo, acampamento Marielle Franco, e a associação de catadores de material reciclável do Parolin. Os alimentos também foram doados ao coletivo Marmitas da Terra, uma iniciativa que semanalmente produz mais de 1,1 mil refeições distribuídas em Curitiba.

Economia

Além da doação de alimentos, a Jornada também tinha uma feira aberta ao público. Os valores chamaram atenção dos consumidores, que pagaram menos do que os preços praticados nos supermercados. O quilo da laranja, do chuchu e da mexerica, por exemplo, saía por R$ 1.

Assim como os alimento doados, tudo que foi comercializado também é resultado do trabalho de agricultores assentados, que vieram de várias partes do Paraná e até de outros estados. O evento ocorreu no campus da UFPR no Rebouças.

Militância

A Jornada também teve cunho político e durante a programação houve muitas críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL), e manifestações pedindo a prorrogação da proibição dos despejos durante a pandemia, denúncias de desrespeito às questões indígenas e cobrança pela investigação dos assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, ocorridas em 15 de junho, no Vale do Javari.

No encerramento a organização preparou uma carta (leia a íntegra abaixo) na qual afirma que “Vivenciamos um dos momentos mais severos da história brasileira”. O documento defendeu ainda a eleição do ex-presidente Lula (PT).

Carta

“Nós, povos do campo, das águas, das florestas, da cidade e das universidades, construímos a 19ª Jornada de Agroecologia, em Curitiba, entre os dias 22 e 26 de junho de 2022. 

Após dois anos de uma terrível pandemia de Covid-19, voltamos a nos reunir em um grande momento de partilha de alimentos saudáveis, agrobiodiversidade, práticas populares de saúde, cultura e conhecimento científico, tradicional e popular. Anunciamos, mais uma vez, a agroecologia como um projeto popular de promoção da vida e denunciamos a política de genocídio, de neofascismo e de destruição da Natureza e da convivência que se instalou no país. 

Vivenciamos um dos momentos mais severos da história brasileira, em que a crise social, política, econômica, sanitária e ecológica afeta sobretudo o povo mais pobre. Hoje, 33 milhões de brasileiros e brasileiras passam fome e 11 milhões estão desempregados. Não podemos admitir que o povo tenha que se submeter a filas para doação de ossos, enquanto a riqueza dos bilionários cresce 60% durante a pandemia. 

Sem políticas públicas para enfrentar a disseminação da morte e da pobreza, o governo federal não cumpriu com sua obrigação. Foram os movimentos sociais, coletivos, organizações sindicais, e iniciativas do próprio povo que, em ações de solidariedade e companheirismo, distribuíram milhares de quilos de alimentos, marmitas, sementes, botijões de gás, até máscaras e álcool entre as comunidades que mais precisavam, no campo e na cidade. Essas ações atenuam o sofrimento que passa a população e mostram a importância da união popular para derrotar a violência do bolsonarismo. 

É urgente avançar na construção da soberania e segurança alimentar em nosso país. O direito à alimentação é um direito social que vai muito além de comer. É comer bem, com quantidade e qualidade necessárias, respeitando as diversas formas de cultura alimentar. Não queremos mais veneno no nosso prato, nos nossos corpos, nas nossas águas e nos nossos solos. Não queremos contaminação química e nem contaminação genética pelos transgênicos. Somos absolutamente contrários ao Pacote do Veneno, à boiada e à bancada do agronegócio e das empresas transnacionais que avançam no Congresso Nacional.

Queremos viver e morar com dignidade, com Despejo Zero para os sem teto, os sem-terra e os locatários que são removidos de suas moradias com força policial para a especulação imobiliária. Hoje mais de 180 mil pessoas vivem em situação de rua, 570 mil estão ameaçadas de despejo de suas moradias e mais de 90 mil famílias estão acampadas lutando por terra. O STF deve manter a suspensão dos despejos na pandemia. O direito à moradia e à saúde devem sempre se sobrepor ao enriquecimento privado de proprietários e banqueiros. 

Nos posicionamos contra as ofensivas de retirada dos direitos territoriais dos povos indígenas,  comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais e contra a tese do marco temporal.  Precisamos que a FUNAI, INCRA, Fundação Palmares e outras instituições que acompanham a luta dos povos sejam espaços de garantia de direitos, especialmente, na demarcação das terras indígenas, titulação dos territórios quilombolas e realização da reforma agrária. No Paraná, denunciamos a expansão das centrais hidrelétricas, a reabertura da Estrada do Colono, a derrubada de Araucárias e a expansão da Ferroeste.

Defendemos políticas públicas municipais, estaduais e federais que contribuam com o fortalecimento da agroecologia. A Política Nacional de Agroecologia, uma conquista das mulheres camponesas, deve ser restabelecida. O Paraná deve aprovar o Projeto de Lei 823/2017 que cria a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica, no seu conteúdo original, e que vem sendo debatido com o conjunto das organizações e movimentos sociais do campo agroecológico desde 2013. Deve também aprovar uma Política Estadual de Redução de Agrotóxicos e a proibição da pulverização aérea de venenos, com o Projeto de Lei 02/2018.

Ressaltamos a importância das instituições públicas de educação laica, gratuita, democrática e não militarizada, com destaque especial para uma extensão universitária popular com recursos e pessoas suficientes para construir mudanças consistentes com as comunidades. Não aceitamos que o dinheiro da educação acabe nas mãos de um agronegócio que mostra sua insustentabilidade, também financeira, a exemplo da transferência de 217 milhões de reais para o ProAgro. Ou seja, menos educação, porém mais recursos para o agronegócio comprar mais venenos e acumular mais lucro

Prestamos nossas homenagens aos 670 mil mortos pela Covid-19 no Brasil, seus familiares e por todos e todas que lutam pela vida e pela natureza. O nosso país é o quarto mais perigoso para os defensores e as defensoras de direitos humanos e meio ambiente. Pedimos justiça para Bruno Pereira e Dom Phillips, para as outras 17 pessoas que já tombaram nesse ano e para os indígenas assassinados em 24 de junho pela polícia militar do Mato Grosso do Sul, no Massacre de Guapoy. Pedimos justiça também para Antônio Tavares, militante do MST que marchava por reforma agrária, paz e pão no ano de 2000, cujo assassinato completa duas décadas de impunidade do Estado do Paraná, que será finalmente julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na próxima semana. 

O governo Bolsonaro está deixando um país dividido, empobrecido e em ruínas. Mas estamos prontos e prontas para denunciar e para reconstruir o país, mostrando a importância da união popular. 

Para implementar todos os nossos anseios, nossa tarefa fundamental neste ano é derrotar o bolsonarismo e eleger Lula como Presidente da República, construindo comitês populares. Temos esperança e trabalharemos arduamente para que o Brasil se some aos levantes latino-americanos que mudaram seus rumos políticos, decidindo por representantes que defendem as trabalhadoras e trabalhadores como no Chile, Honduras e Colômbia.

Por um Brasil soberano, popular, sem fome e sem miséria. Por um Brasil que proteja os defensores da vida humana, dos povos, dos animais e de toda a natureza. Por um país livre de violência, de racismo, de machismo e de LGBTQIfobia. Pela produção agroecológica, sem transgênicos e agrotóxicos. Pela diversidade. Pela ciência e pelo respeito aos conhecimentos tradicionais. Por justiça aos que tombaram. Pela vida do povo brasileiro!”

Curitiba, 26 de junho de 2022.

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