A leveza e o vulto fugaz
que as coisas fazem ao cair
(nevasca de pó)
antes que possamos detê-las:
Despencam tão macias nessa margem
ou, quando fechamos nossos olhos
(muro onde a treva é branca e o céu murano)
as pálpebras da correnteza abrem-se: a paisagem.
Caem sobre um rio, entre galhos, brotos
tensos, carcaças de flores sem nome, restos de teias,
sussurros na mata bruta
entre o baque das bocas e rostos de rocio,
florboleta, orquideia, pensavenca.
Do lado de fora estava a realidade.
Do lado de dentro uma cidade
feita de gestos e movimentos,
penumbras, espantos, estranhos, pensamentos.
Seguimos até sua foz,
mas sem esperança de encontrar a foz:
o sonho era um pesadelo.
Vimos recifes de sangue, muros barrocos
lutando contra o mar, e a estrela brigando como nós
contra as luzes da metrópole.
Havia um paralelo misterioso, um mundo
entre a simples queda de uma folha de papel
e a reminiscência veloz que num segundo
nos levou para algum lugar, zoom, canto de céu.
Da queda o que ficou foram gritos e ruídos,
Densa nuvem de carne, cimento e plástico no céu da tela
Não a ternura que habitava a sua voz
(A sensação de que algo se rompeu)
Solidão, recife, estrela.
Sobre o/a autor/a
Rodrigo Garcia Lopes
É escritor, tradutor e compositor. Nascido em Londrina (PR), publicou 18 livros de prosa e poesia, incluindo “O Enigma das Ondas” (Iluminuras, 2020).