A legítima defesa do indefensável

Os advogados dos golpistas de janeiro nos lembraram, com seu show de horrores, a beleza da democracia

A fala da Ministra Carmen Lúcia ao advogado que afirmara estar diante das “pessoas mais odiadas do país” foi exemplar: “Bendita Democracia que permite que alguém, mesmo nos odiando, possa, por garantia dos próprios juízes, vir e dizer a eles sobre isso que é a sua verdade. Numa ditadura, isso não seria permitido, porque nós sabemos que nem há judiciário independente, nem advocacia livre, nem cidadania com direitos”.

Isto é, a Democracia permite que se esculache os mesmos ministros responsáveis por guardar a Constituição da República Federativa e interpretá-la sempre no sentido de salvaguardar seus objetivos fundamentais, expressos no artigo terceiro, de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O advogado, ao invés de buscar razões no processo mais favoráveis ao seu cliente – que participou ativamente dos episódios do dia oito de janeiro, invadindo as dependências do Congresso com uma camiseta onde se lia “intervenção militar” – preferiu atacar os ministros e fazer pose de justiceiro dos “patriotas”, expressando um sentimento que não tem nenhum efeito material ou processual, ou seja, que não ajudava em nada o seu cliente. Considerando que esse é o papel fundamental de um advogado, pergunta-se: o que fez esse senhor ali, na Tribuna?

O mesmo se deu com o advogado seguinte, que, além de acusações inócuas contra os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, ainda contribuiu para o meme da semana, afirmando que Maquiavel teria dito que “os fins justificam os meios” em sua obra “O Pequeno Príncipe”. Pois Maquiavel nunca registrou tal frase e muito menos na obra citada. Por fim, a terceira advogada chorou em plenário, triste por não ter sido cumprimentada pelos ministros.

Um quadro estarrecedor e , ao mesmo tempo, significativo do estado atual de formação de advogados no Brasil, o que deveria deixar a OAB em alerta. Sem dúvida, sua avaliação para permissão do exercício da profissão vem pecando fortemente ao conceder a estas pessoas tão pouco qualificadas o direito de representar clientes diante dos tribunais. O resultado não poderia ter sido outro: penas vultosas para cada um, pelo que fizeram e pela ausência de defesa minimamente eficaz.

Mais de mil réus ainda passarão pelo plenário do STF, em um espetáculo que promete outras cenas ainda mais desconcertantes. Mas é o preço da Democracia: todos têm direito à defesa e todos só podem ser considerados culpados depois de todo o processo legal se esgotar. Mesmo que as imagens sejam tão vívidas, tão eloquentes na agressão aos bens públicos, no desrespeito às instituições e na manifesta vontade de acabar com o Estado de Direito. Até o indefensável tem direito à defesa em uma Democracia. O que não tem direito é o de alegar ignorância de seus atos ou querer impor uma verdade imaginária diante dos fatos claros e notórios.

Como lembrava Voltaire, em seu Tratado sobre a Tolerância, de 1763, “o fanatismo precisa merecer a tolerância”. Não se pode querer destruir o Estado de Direito e exigir que o Estado de Direito seja seu guardião . Mesmo assim, o Estado de Direito acolhe e protege, permitindo que a defesa seja apresentada e que o inexplicável encontre um jeito de se explicar. Mas, esperamos, com advogados mais capacitados para que , além do indefensável, não tenhamos de assistir o medíocre e o patético.

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