Podcast – Imunidade Parlamentar

É sempre bom lembrar como surgiu o AI-5

Na manhã de 29 de agosto de 1968, tropas da polícia militar e do Exército invadiram a Universidade de Brasília, agredindo muitos estudantes dentro das salas de aula. A justificativa era a perseguição a Honestino Guimarães, presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília,  e outras sete lideranças estudantis. Sem encontrá-los, os militares reuniram centenas de estudantes na praça central do campus e muitos foram espancados. Um deles levou um tiro na cabeça. Milagrosamente, sobreviveu. Muitos professores e funcionários, indignados com a violência, reagiram e também foram agredidos. Honestino, estudante de Geologia, acabou preso. A cena, ou as cenas, eram inimagináveis, pela violência, pela covardia e pelo rompimento de um tratado tácito que vinha desde o fim da Idade Média: o de que o campus universitário é um lugar onde a polícia não entra. Mas não havia tradição que os militares não pudessem romper, desde que fosse para “restaurar a ordem”. A ordem, essa herança positivista aprendida pela metade, pois que deveria ter o “amor por base”. Mas, enfim.

Poucos dias depois, o jornalista , advogado e deputado federal Márcio Moreira Alves, ganhador do prêmio Esso aos 21 anos de idade, assessor do Ministro das Relações Exteriores San Tiago Dantas , eleito aos trinta anos de idade deputado federal pelo MDB, aproveitou a hora do almoço, quando a Câmara fica praticamente vazia, para proferir discursos contra os agressores da UNB. Fez o primeiro discurso no dia 2 de setembro e ainda outro no dia 3. Neste, disse: “vem aí o 7 de setembro. As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse que a presença de seus filhos nesse desfile é um auxílio aos carrascos que os espancam e metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicotasse esse desfile.”

E emendou: “Esse boicote pode passar também às moças que dançam com os cadetes e namoram jovens oficiais. (…) Discordar em silêncio pouco adianta.”

A reação veio rápida. Não dos deputados que sequer notaram ou mesmo souberam da provocação. Mas dos militares “imbrocháveis”, furibundos com a proposta de boicote inspirado na peça de Aristófanes, Lisístrata, na qual as mulheres atenienses fazem uma greve de sexo para acabar com a Guerra do Peloponeso. O Ministro do Exército, Lyra Tavares, exigiu que fossem tomadas medidas legais contra o que considerou “agressões verbais injustificáveis contra a Instituição Militar”.

No dia 12 de dezembro ocorreu a votação para saber se a Câmara dava ou não licença para cassar o deputado, quebrando assim a sua imunidade parlamentar. O partido do governo, a ARENA, era amplamente majoritário, mas mesmo entre os seus parlamentares havia o temor de que punir Márcio Alves por um discurso que era quase uma zoação, além de muito merecido diante da violência crescente das Forças Armadas contra a população e, particularmente, contra os estudantes, abriria uma caminho sem volta e não haveria mais limite para definir o que seria crítica ao governo e o que seria “agressões verbais injustificáveis”.

O próprio Moreira Alves conta como terminou essa sessão da Câmara, já pela madrugada : “não esperei as comemorações da vitória. As últimas estrofes do Hino Nacional ainda ecoavam no plenário emocionado e eu encerrava o curto período em que a minha vida coincidiu com a vida política da minha Pátria. (…) Saí da Câmara pelo corredor da biblioteca e entrei no carro de um amigo que me levaria para os caminhos da clandestinidade e, depois, para os do exílio.

No dia seguinte, 13 de dezembro, uma sexta feira, o presidente Costa e Silva, junto com o Conselho de Segurança Nacional, editou o Ato Institucional número 5, fechando o Congresso, entre outras medidas autoritárias. A ditadura escancarou-se. Não precisavam mais de licença ou explicação para espancar e prender. O AI-5 não tinha prazo para expirar.

No dia 14, o Jornal do Brasil, em letras minúsculas , no espaço destinado a falar da meteorologia, escreveu: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos.”

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