“Se quisessem, a Vila Torres já estaria muito mais urbanizada”
Mariana Pinheiro, nascida e criada na Vila Torres, fala sobre preconceito com quem mora na comunidade e sobre a vida de quem nasce na periferia

O projeto Periferias Plurais nasceu de uma oficina com jovens de Curitiba e região metropolitana. Havia cerca de 20 inscritos, querendo aprender a fazer jornalismo e narrar o dia a dia de suas comunidades, tão ignoradas pela imprensa (e pelas autoridades). Mas desde o começo alguns chamaram a atenção. A jovem Mariana Pinheiro, à época estudante de Produção Cênica, foi uma delas.
Articulada, inteligente, cheia de ideias, ela acabou sendo chamada para o projeto e já contou muita coisa importante da Vila Torres, onde passou 18 de seus 22 anos de vida. Hoje ela abre a série de perfis que o projeto faz com suas estrelas: as nossas correspondentes espalhadas pelas comunidades de Curitiba.
Você já nasceu na vila? Como foi crescer ali?
Sim, nasci e cresci na Vila Torres. Minha família chegou em Curitiba há 47 anos e já passaram a morar onde atualmente fica o campus da PUC. Meu avô ajudou a construir, regularizar e dignificar a moradia na Vila e ainda é motivo de orgulho para nós.
Você escreveu uma vez falando da tua mãe. Pelo jeito ela foi o eixo da tua vida por muito tempo.
Escrevo sobre a minha mãe sempre que possível, tive a sorte de ser criada por uma mãe solo excelente e ela continua sendo a minha principal fonte de segurança, conforto e admiração.
Quando falou sobre teu desenvolvimento, você mencionou vários projetos sociais que foram levados até a comunidade. Como foi isso pra você?
Acredito que tenha sido determinante no meu desenvolvimento, foi por meio desses projetos que entrei em contato com a arte e, sei que é clichê mas, descobri possibilidades novas.
A impressão é de que a Vila Torres, pelo tempo que tem, já devia estar 100% urbanizada. Por que você acha que o processo é tão lento? A Vila mudou muito desde que você era criança?
Porque não interessa a todos que uma importante região do tráfico ilícito de drogas seja urbanizado. A Vila Torres tem menos de 0,2 km², não tem grandes morros ou vielas e é localizada muito próximo do Centro da cidade, sendo caminho do aeroporto e da rodoviária de Curitiba. Realmente acredito que se fosse do interesse das autoridades, o crime já teria sido controlado na região e uma urbanização — para além da superficial, como ruas asfaltadas — já estaria muito melhor encaminhada.
Pra muita gente que não mora ali, a vila é sinônimo de insegurança. Você vê mesmo a região como perigosa? Até onde isso é preconceito?
A Vila muda o tempo todo, nem sempre para melhor. As famílias e pessoas trabalhadoras que vivem aqui acabam acabam virando reféns da violência em épocas mais voláteis. Durante os meus 18 anos morando aqui (passei 4 anos morando em outro bairro), presenciei momentos muito bons e muito ruins de perto, mas rotular a Vila como um lugar perigoso é puramente preconceituoso e esse estigma dificulta ainda mais a vida de pessoas honestas que vivem aqui.
Para mim, não tem como a Vila ser sinônimo de insegurança quando é aqui que a minha família tem uma casa própria e condições de viver uma vida digna.
Como foi entrar na UFPR? O Teatro era mesmo tudo que você queria?
Foi uma das maiores conquistas da minha vida, considerando que venho de uma vida acadêmica inteira na rede pública de ensino. Minha mãe é uma educadora e me ensinou a priorizar os estudos, me dando condições de somente estudar durante o ensino médio e, assim, entrar de primeira na faculdade.
O Teatro é uma aposta arriscada para qualquer um, mas principalmente para quem precisa se inserir rapidamente no mercado de trabalho para ajudar financeiramente em casa. Mas a minha outra opção era Cinema, então acredito que mesmo com as dificuldades, a Produção Cênica foi o melhor caminho e não me arrependo.
Você mencionou em algum momento a dificuldade de ser LGBT, não só na vila, mas em Curitiba. Como você lida com isso hoje?
Vivo em uma família onde isso não é uma questão e também num ramo profissional onde já se é normalizado há muito tempo, reconheço meus privilégios nesse sentido e com certeza esse conforto ajudou na construção da minha autoconfiança em relação à minha própria sexualidade.
Hoje em dia as minhas próprias questões e problemáticas são muito mais relacionadas ao fato de ser uma pessoa periférica e tudo o que isso me causa, do que ao fato de ser uma mulher lésbica.
Quais são os planos agora depois de formada, e trabalhando numa companhia tão legal quanto a Bife Seco?
A oportunidade de trabalhar com essa produtora incrível (e distinta) me ensinou muito nos últimos meses. A Bife realiza em Curitiba um tipo de trabalho que poucas produtoras ousam fazer, são obras puramente originais e únicas, é realmente uma honra fazer parte dos espetáculos.
Pretendo continuar estudando, a produção é uma área muito ampla e que busco explorar ao máximo e experimentar tudo o que tem a me oferecer.
O plano é continuar escrevendo e estudando sempre e, quem sabe, um dia publicar um romance.
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2 comentários sobre ““Se quisessem, a Vila Torres já estaria muito mais urbanizada””
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Um futuro desenvolvido mora na periferia.
A Sevirologia (Suyane Ynaya), a visão de um mundo sustentável e inclusivo vem da periferia.
Excelente entrevista! Parabéns ao Plural por trazer as Vozes da periferia. Trabalhei mais de 4 anos na Vila Torres, na Ong Passos da Criança. Foi uma oportunidade única na minha vida. Fiz muitas amizades, conheci pessoas incríveis, que admiro e me inspiram diariamente.
Sem dúvida alguma, o poder público não tem o mínimo interesse de mudar o cenário da Vila.