Passageiros da Borda do Campo sobre o ônibus: “já era ruim, ficou pior”

Moradores de bairro de São José dos Pinhais se queixam de mudanças feitas pela prefeitura

O morador da Borda do Campo, na periferia de São José dos Pinhais, às vezes sente que está em outra cidade. A falta de pertencimento se manifesta na prosa do dia a dia. Quem sai do bairro em direção ao centro costuma falar que vai “pra São José”, como se vivesse apartado do restante do município. E nos últimos meses essa falta de conexão parece ter se ampliado.

“A gente prefere ir para Curitiba resolver alguma coisa do que ir pra São José. Eu mesma só vou a São José se o que preciso fazer só tem lá. Ir pra Curitiba é mais fácil porque pega uma linha de ônibus apenas”, diz a trabalhadora autônoma Mariane Bastos. Desde a reformulação nas linhas de ônibus urbanas que atendem a Borda do Campo ela evita ir ao comércio no centro da cidade.

É que a viagem entre o bairro e a sede do município ficou ainda mais demorada a partir da implementação do Ponto de Integração do Transporte (PIT), em junho de 2021 pela Prefeitura. A criação do microterminal não contemplou uma linha direta até o centro, o que tem obrigado os passageiros da região a realizarem duas baldeações pelo caminho.

“Um transtorno”, resume a auxiliar de produção Elisa Fernandes. Ela mora próximo ao pedágio desativado da BR-277 sentido praias e a linha que usava, Libanópolis, foi uma entre as quatro rotas que tiveram redução no trajeto. “Era muito melhor quando os ônibus saiam do bairro e iam direto sem ter que passar pelo PIT”, opina.

Novo caminho

Antes, os coletivos seguiam até o Terminal Afonso Pena, onde se integravam com linhas para Curitiba, cidades metropolitanas e o centro de São José. As rotas, agora, circulam apenas pela vizinhança e têm o PIT como ponto de partida. Sem ligação direta, o passageiro precisa embarcar numa outra condução até o Afonso Pena, e de lá se encaminha à área central num terceiro ônibus.

A mexida, diz a prefeitura, não impactou no tempo de deslocamento. Mas quem usa diariamente as linhas afetadas discorda. “Piorou bastante desde a mudança. Eu não vi nenhum tipo de mudança significativa na qualidade do serviço. Houve melhoria em quê?”, questiona o bancário Ivan dos Reis. A bronca dele é com a escassez de horários, crítica compartilhada por outros usuários.

Cátia Pitanga: meia hora de espera e atraso constante para pegar filhos na creche. Foto: Higor Paulino

“Os horários não batem muito. Eu preciso pegar meus filhos na creche depois do trabalho e sempre chego atrasada porque o ônibus aqui demora muito. Preciso ficar esperando meia hora no PIT pelo ônibus que vai até o Afonso Pena”, relata a atendente Cátia Pitanga, que trabalha em uma agência de banco na Borda do Campo.

Já a pensionista Maria dos Santos não tem tanta paciência. Ela costuma fazer o trecho de 2,5 km a pé do PIT até a casa, na Colônia Acioly, para evitar o tempo de espera na baldeação. “Às vezes não tem nada de ônibus por aqui. Onde moro o ônibus passa quatro vezes por dia, só. Então tem que ir a pé. Já era ruim e agora parece que ficou isso”, diz.

Falhas no projeto

“Estamos com vários encaminhamentos de alterações de horários e itinerários” comentou o vereador José Possebon (Pros), que tem base eleitoral na Borda do Campo. Ele já fez 26 requerimentos à Prefeitura de São José solicitando modificações no projeto, como a inclusão de abrigos nos pontos – algo que não foi levado a cabo no redesenho das linhas.

“Agora está nas mãos da prefeita Nina Singer (Cidadania) realizar”, afirma. O vereador presidiu no ano passado a CPI criada na Câmara Municipal para apurar irregularidades prestação do serviço de transporte pelas empresas São José e Sanjotur, vencedoras da licitação de 2012. “[O relatório final da CPI] apontou várias faltas em relação ao cumprimento contratual”, disse Possebon.

Ivan dos Reis: brinca com a falta de mais opções de horários. Foto: Higor Paulino

O projeto do PIT consta no edital vencido pelas duas empresas, que devem operar na cidade até 2027. A reportagem solicitou à Secretaria Municipal de Urbanismo Transporte e Trânsito (SEMUTT) o plano de implantação dos Pontos de Integração. No documento a pasta cita a criação de seis microterminais pela cidade, sem dar muitos detalhes de como o sistema funcionará.

Não há maiores informações sobre a criação de linhas diretas para o centro, ou a integração tarifária com ônibus metropolitanos. Tampouco o projeto prevê ligações interbairros em todos os PITs, concentrando as conexões aos terminais já existentes no centro no Afonso Pena e deixando o passageiro refém das baldeações para se ligar de um ponto a outro da cidade.

Pelo projeto, além da Borda do Campo e da Praça da Juventude do Guatupê, que já passaram pela reorganização no transporte, é prevista a instalação de novos PITs nos bairros Jurema/Rio Pequeno, Costeira, São Marcos (onde uma estrutura semelhante já funcionou no passado) e na Colônia Rio Grande.

Resposta

De acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo Transporte e Trânsito de São José dos Pinhais, o PIT veio para “racionalizar” a operação de ônibus na cidade. Entre os benefícios gerados, a pasta cita a “tarifa social” de R$ 0,50 nas linhas alimentadoras do PIT, para “fomentar o uso do comércio local”. O valor, no entanto, só pode ser acessado por passageiros que portam o cartão VEM.

Quem paga a passagem em dinheiro precisa desembolsar R$ 6,00 e não tem direito a integração tarifária. Se precisar de mais de um ônibus na baldeação pagará outros R$ 6,00 para completar a viagem. Com o VEM, a troca de ônibus custa R$ 3,95. A SEMUTT não mencionou na resposta a razão da diferenciação no valor da tarifa.

Ainda segundo a secretaria, a reformulação no sistema de ônibus proporcionou o incremento no número de viagens diárias das linhas que atendem a região da Borda do Campo. O órgão também expõe que houve planejamento para que os usuários “não esperassem mais de 5 minutos” na baldeação, especialmente no horário de pico.

A SEMUTT, por fim, diz que não há previsão para criação de uma linha direta ligando a Borda do Campo ao centro e que “sempre os deslocamentos dos usuários, devem ser feito, através dos Terminais de Integração, Terminal Afonso Pena e Central, os quais possibilitam que o usuários realize os seus deslocamentos, com o pagamento apenas de uma passagem”.

Este texto é parte do projeto Periferias Plurais, que convida seis jovens da periferia de Curitiba e de cidades vizinhas a falar sobre suas vidas e suas comunidades

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