Em bairros periféricos de Curitiba, Copa é inspiração para meninas

Além de ser um esporte, a modalidade serve como fonte de empoderamento, resiliência e inspiração

O futebol feminino está emergindo como um poderoso catalisador para capacitar meninas e lhes proporcionar oportunidades. Ao participar do futebol feminino, mulheres e meninas ganham confiança, desenvolvem habilidades de liderança e aprendem o valor do trabalho em equipe. O reconhecimento e o apoio ao futebol feminino podem levar meninas das regiões periféricas a participarem de ligas e competições organizadas, o que abre portas para que mostrem seus talentos, quebrem barreiras sociais e sigam suas carreiras profissionais no futebol.

Nos bairros da região sul de Curitiba existem algumas iniciativas de projetos e de grupos formados por jovens mulheres que amam o futebol, em prol da visibilidade e maior oportunidades para que possam vivenciar o poder transformador desse esporte. Apesar dos inúmeros desafios, essas iniciativas têm como objetivo fazer com que meninas superem as adversidades e alcancem feitos marcantes no futebol feminino.

Visibilidade e oportunidades

As conquistas obtidas por meninas e mulheres que praticam futebol levam orgulho às suas comunidades e servem de modelo para outras que aspiram seguir sua paixão pelo futebol. Para Caroline Vidal, 21, moradora do Boqueirão que participa de um grupo de rede social chamado Futebol Feminino Curitiba e RM, a Copa do Mundo Feminina da FIFA serve de inspiração para milhares de meninas que sonham em representar seu país no cenário internacional. “É importante reconhecer o futebol feminino e oferecer oportunidades iguais para as jovens de todas as origens participarem do esporte”, diz. O grupo que ela frequenta objetiva conhecer novas jogadoras para completar ou montar um time.

Angélica Lima, 19, joga futebol em uma pracinha perto de sua casa desde os 11 anos, com equipes incompletas de meninas. Seu grande sonho é o de desenvolver um programa dedicado a dar maior visibilidade ao futebol feminino, oferecer oportunidades e cultivar talentos para as meninas do bairro. “Comecei ainda criança a jogar futebol, primeiro com os meninos. Mas no início foi bem difícil, eles achavam que aquele não era o meu lugar. É muito triste ver crianças e jovens da minha geração ainda ter esse pensamento machista. Por isso tenho a ideia de criar um projeto para treinar as meninas, apoiar e poder ajudar no seu crescimento profissional”, afirma a jovem.

A Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude de Curitiba tem uma parceria com o Programa Maestro da Bola, o qual oferece treinamento de futebol para crianças e adolescentes de escolas públicas de Curitiba. De acordo com a Prefeitura, de um total de 1.300 pessoas atendidas, cerca de 100 meninas, de 7 a 14 anos, praticam futebol de campo e futsal por meio do Programa. Daniela Mattos é mãe de aluna que treina futsal no núcleo do Bairro Novo, Sitio Cercado.

Para ela, que gosta de futebol desde criança, mas que não teve oportunidades, é importante que tenham iniciativas de treinamento e desenvolvimento para aprimorar as habilidades das participantes. “Eu sou da geração dos anos 80, uma época muito boa para brincar na rua, o que não se vê nas crianças de hoje. Mas para quem é pobre, tudo fica mais difícil. E naquela época o machismo era pior ainda, poucas meninas jogavam futebol porque as próprias famílias não aceitavam. E eu sempre amei futebol, mas agora deixo o sonho para tornar realidade com minha filha”, conta emocionada.

Muitos desafios

O futebol feminino enfrenta inúmeros desafios no acesso às oportunidades esportivas. Uma das principais dificuldades que os Clubes e equipes destacam é a falta de apoio e investimento. Muitas comunidades de periferias carecem de infraestrutura e recursos adequados para que crianças e jovens pratiquem e desenvolvam suas habilidades no esporte. Além disso, as normas e os preconceitos sociais geralmente desencorajam as mulheres de participar de esportes tradicionalmente dominados por homens, como é o caso do futebol.

As equipes femininas costumam ter menos recursos financeiros doq ue os times masculinos, o que afeta a capacidade de treinar, viajar e competir no mesmo nível, o que impede que as jogadoras atinjam todo o seu potencial. As disparidades salariais entre jogadoras e jogadores de futebol são outro desafio significativo para as equipes femininas. Apesar de algum progresso nesse sentido, as jogadoras geralmente recebem menos do que os seus colegas do gênero masculino, mesmo no nível profissional.

Caroline Vidal destaca que um dos grandes desafios enfrentados pelas jogadoras de futebol é a presença de barreiras culturais e sociais. Afirma ainda que, ao longo da história do futebol feminino, houve uma luta constante para superar as limitações sociais e culturais impostas às mulheres no esporte. “Em muitos países esses preconceitos impedem o crescimento do futebol feminino. O futebol é sempre visto como um esporte de homem e quebrar isso pode ser muito difícil para algumas mulheres”, desabafa.

A discriminação e os estereótipos também representam desafios significativos para as mulheres no futebol, pois prejudicam o desenvolvimento de suas habilidades. Elas são frequentemente vistas como menos habilidosas e capazes em comparação aos homens, fato que perpetua a ideia de que o futebol é um esporte “masculino” e reduz o potencial das mulheres nos jogos.

Copa do Mundo

A Copa do Mundo de Futebol Feminino está tendo um impacto significativo no crescimento e desenvolvimento da modalidade, mesmo com a pouca visibilidade dada pela mídia. O torneio está inspirando uma nova geração de meninas a praticar o esporte, pois mostra as habilidades, talentos e conquistas das jogadoras profissionais. Ver as mulheres se destacando no esporte em um nível mais alto pode ser empoderador e motivador para as jovens que desejam jogar futebol. Também mostra modelos a seguir e demonstra que também podem ter sucesso. “Quando vejo a Ary Borges se destacando em campo é uma grande inspiração para mim. Isso faz com que eu leve em frente meu sonho de fazer o projeto, para que mais meninas participem de times de futebol”, fala Angélica Lima, com entusiasmo, sobre a meio-campista da seleção brasileira.

A falta de maior cobertura e exposição da mídia é ponto negativo na Copa do Mundo de Futebol Feminino. Geralmente recebe menos atenção da mídia em comparação com o futebol masculino, o que resulta em visibilidade e reconhecimento limitados às jogadoras. A cobertura do futebol feminino em sites de jornalismo esportivo e na mídia tradicional costuma ser insuficiente, contribuindo ainda mais para a invisibilidade. Essa falta de cobertura da mídia dificulta o crescimento e a popularidade do futebol feminino, tornando difícil para as jogadoras obter reconhecimento e atrair oportunidades de patrocínio.

Nas ruas, diferente do que se vê quando ocorre o torneio mundial masculino, não houve nenhuma movimentação com bandeiras, uso de camisas da seleção brasileira e nem mesmo os bares promoveram eventos especiais nos jogos da seleção brasileira. Isso mostra como a desigualdade de gênero repercute bastante nesta modalidade de esporte, demonstrando a necessidade de uma cultura mais inclusiva e igualitária. Daniela Mattos é incisiva nesse ponto e sente muita falta de uma cobertura da mídia de forma mais efetiva. “Precisa que a televisão mostre mais os jogos do futebol feminino, e não só na Copa. É muito preconceito e isso tira as oportunidades das meninas”.

Persistência e determinação são necessárias para que as mulheres tenham sucesso e prosperem no futebol, contudo superar as atitudes discriminatórias e estereótipos é crucial para gerar oportunidades iguais entre mulheres e homens.

Este texto faz parte do projeto Periferias Plurais, em que o Plural convida jovens de Curitiba a falarem de suas vidas e de suas comunidades. O projeto tem apoio do escritório de advocacia Gasam

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