Universidades federais mantêm homenagem a ditadores  

Investigação do Plural revela que instituições de várias regiões do Brasil, inclusive no Paraná, não revogaram títulos de doutor honoris causa a agentes da ditadura

Ilustração: Benett / Projeto gráfico: Lyn Jannuzzi

Passados 38 anos do fim da ditadura civil-militar que deixou 434 mortos e desaparecidos no Brasil, pelo menos nove universidades federais ainda mantêm homenagens a ditadores e torturadores da época. Investigação do Plural revela que instituições públicas de ensino superior do Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Ceará, Pernambuco, Pará e Minas Gerais nunca revogaram os títulos de doutor honoris causa 1 concedidos a homens cujo papel foi crucial no regime que impôs duas décadas de repressão no país.

Por todo o Brasil, ao menos 24 títulos de doutor honoris causa, que é a máxima honraria outorgada por uma universidade, foram concedidos a agentes da ditadura. Em 5 de julho de 2018, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF), enviou ofício a todas as universidades e institutos federais recomendando a revogação de quaisquer homenagens, como títulos honoríficos, nomeação de prédios, salas, espaços, ruas ou praças concedidas às pessoas citadas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) 2.

Apesar de três dos homenageados não constarem na lista da CNV, eram figuras de grande relevância no regime. O Plural entrou em contato, via assessoria de imprensa, com mais de 100 instituições de ensino superior brasileiras para questionar sobre a cassação das homenagens e recebeu 57 respostas, sendo 33 de universidades e 24 de institutos federais. Das universidades, 25 afirmaram não ter concedido títulos; duas outorgaram a honraria, mas a revogaram; seis concederam a homenagem e ainda não a revogaram.

Como os institutos federais foram criados a partir da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, nenhum deles concedeu títulos de doutor honoris causa a agentes da ditadura. Já entre as universidades federais que não responderam à solicitação da reportagem estão as do Ceará, Pernambuco e Pará, que também emitiram títulos honoríficos para violadores de direitos humanos. O Plural confirmou a informação nos sites das instituições.

Entre as que estão cumprindo a recomendação do MPF, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) revogou nos últimos sete anos os títulos de doutor honoris causa dados ao general Emilio Garrastazú Médici 3, que ficou no poder entre 1969 e 1974, e ao então ministro da Educação, Jarbas Passarinho 4. Durante o comando de Médici, 98 pessoas foram assassinadas por motivação política, segundo o relatório da CNV.

O número representa mais da metade das 191 mortes documentadas que ocorreram na ditadura. O general também foi responsável pela criação dos Destacamentos de Operações de Informações-Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão subordinado ao Exército que ficou conhecido por centralizar grande parte das torturas e assassinatos de adversários do regime.

Em agosto de 2022, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) cassou os títulos de Médici e de seu antecessor, Arthur da Costa e Silva 5, conhecido por inaugurar a fase mais repressiva do regime ditatorial com a implementação do Ato Institucional Nº 5 6. O AI-5, como ficou conhecido, decretou o fechamento do Congresso Nacional e permitiu que governantes perseguissem e torturassem arbitrariamente pessoas que fossem consideradas inimigas da ditadura. O decreto vigorou até dezembro de 1978.

Reverências por todo o país

Entre as instituições que mantêm as homenagens estão a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), de Minas Gerais, que concederam o título de honoris causa ao ditador Ernesto Beckmann Geisel 7. Desde 1974, início do comando de Geisel, até o fim da ditadura, 89 pessoas foram assassinadas ou desapareceram de forma forçada por motivos políticos.

Já a Universidade Federal de Viçosa (UFV) homenageou Geisel e Passarinho, mas não informou se os títulos foram revogados; a Universidade Federal de Pelotas (UFpel), apesar de ter instituído uma comissão para reavaliar a concessão das honrarias, mantém homenagens a Médici e Passarinho; a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) tem dois títulos vigentes: ao marechal Humberto de Alencar Castello Branco 8, primeiro a governar após em golpe, de 1964 a 1967, e ao então ministro da Justiça Alfredo Buzaid 9.

Castello Branco participou das articulações para destituir o governo de João Goulart e durante o seu comando foi decretado o primeiro Ato Institucional, visando a legitimar o golpe. O marechal do Exército também foi o criador do Serviço Nacional de Informações (SNI), que tinha como objetivo monitorar informações dentro do território nacional.

A Universidade Federal do Ceará (UFC) mantém homenagem a Castello Branco e Passarinho; a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) tem títulos para Raymundo Moniz de Aragão 10 e Passarinho; e a Universidade Federal do Pará (UFPA) homenageia Jarbas Passarinho e Médici. A reportagem não encontrou informações sobre a situação atual dos títulos.

Os condecorados da UFPR

A centenária Universidade Federal do Paraná (UFPR) não passou ilesa às homenagens aos agentes da ditadura militar. Há seis títulos de doutor honoris causa para presidentes e figuras que integravam o staff ditatorial. Humberto Castello Branco, Arthur da Costa e Silva e Ernesto Geisel, por exemplo, receberam a homenagem em 1964, 1969 e 1981, respectivamente.

Além deles, o ministro da Educação no governo Castello Branco, Raymundo Augusto de Castro Moniz de Aragão, e os ministros Alfredo Buzaid e Jarbas Passarinho, que comandavam as pastas da Justiça e da Educação durante o governo Médici, também foram homenageados pela instituição. Eles receberam as honrarias em 1966, 1970 e 1972. Apesar de não constarem na lista da CNV, os três integravam o primeiro escalão do regime ditatorial.

Essas informações estavam escondidas não nos porões da UFPR, mas nas bibliotecas dos campi e da reitoria, em Curitiba. O técnico administrativo da própria universidade Valter Maier começou a pesquisar documentos para o projeto de mestrado e estava à procura de conexões entre famílias poderosas do Paraná e o alto clero da instituição.

Maier usou atas, boletins administrativos e fastos, ou seja, documentos que trazem informes sobre situações relevantes acerca das atividades da universidade ano a ano. Quando o servidor chegou aos documentos de 1964, encontrou o primeiro título relacionado aos agentes da ditadura militar para Castello Branco. “Eu fiquei pasmo”, diz.

Como é membro do Conselho Universitário desde 2016, Maier sabia do questionamento do MPF às universidades e institutos a respeito de homenagens a figuras que cometeram graves violações contra os direitos humanos. O documento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, assinado pela procuradora Deborah Duprat, foi enviado em 5 de julho de 2018. A resposta dada pela UFPR ao MPF, 12 dias depois, foi de que não havia homenagens desse tipo.

“Fui atrás do processo porque a própria universidade mandou para todos os setores perguntando se tinha nome de sala etc. E para títulos, eles foram muito sintéticos [na resposta]: nada consta. Eu fiquei possesso porque já tinha os dados [de que havia títulos] a essa altura”, critica Maier.

O servidor Valter Maier encontrou as concessões dos títulos enquanto fazia uma pesquisa para o projeto de mestrado. Foto: Tami Taketani/Plural

Ele protocolou documentos que comprovam a existência dos títulos aos ditadores junto ao MPF, demonstrando a falha na apuração da UFPR ao responder ao ofício circular. O servidor procurou o órgão no fim do ano passado e em 24 de janeiro de 2023 o procurador da república Robson Martins, da procuradoria do Paraná, promoveu o arquivamento da notícia de fato aberta por Maier.

“Isso porque o momento político atual não é o mais favorável para que se adotem providências em âmbito administrativo/judicial com propósito de compelir a UFPR a reavaliar os títulos honorários aos indivíduos identificados como participantes do regime ditatorial que se instalou no Brasil pós 1964”, diz o texto assinado por Martins.

O procurador prossegue o embasamento da decisão de arquivamento: “considerando que o momento não é adequado para adoção de medidas vinculantes ou coercitivas por este órgão ministerial, o que não descarta ou subtrai a possibilidade de atuação em ocasião posterior, e nem importa em concordância com a manutenção dos títulos outrora concedidos, não se vislumbra, ao menos por ora, a pertinência de outras providências cabíveis na instrução deste apuratório”.

Imagem: Reprodução

Ao receber títulos, ditadores falam em democracia

A primeira homenagem de uma universidade a um ditador foi concedida a Castello Branco. Em 31 de julho de 1964, quatro meses após o golpe civil-militar, o Conselho Universitário da UFPR decidiu conceder o título de doutor honoris causa ao marechal. A cerimônia de entrega da honraria foi realizada às 21h do dia 4 de setembro daquele ano, na reitoria da universidade, após o governante ter recebido outro título: o de Cidadão Benemérito do Paraná, atribuído pela Assembleia Legislativa do estado.

Uma publicação do jornal Diário do Paraná de 5 de setembro de 1964 mostra Castello Branco recebendo o título honorífico da UFPR concedido por causa dos “excepcionais serviços que prestou ao povo brasileiro, na defesa de sua liberdade e de seus ideais democráticos”.

No evento, o marechal falou sobre liberdade de cátedra e criticou o partidarismo político dentro das instituições de ensino. “A universidade é, por natureza e definição, o caminho democrático de uma seleção cultural, técnica e científica que nenhum país livre dispensará para ter assegurada a sua soberania, e seu progresso e as liberdades populares”.

Confira a cobertura da imprensa sobre a entrega do título a Castello Branco

Reportagens retiradas dos jornais Diário do Paraná, Diário da Tarde, Revista Divulgação e Correio do Paraná a partir de pesquisa na Hemeroteca da Biblioteca Pública Digital.

Dois anos depois, o conselho se reuniu novamente para aprovar e entregar o título honorífico ao médico, professor e depois reitor da UFRJ Raymundo Augusto de Castro Moniz de Aragão. Ele foi ministro da Educação e Cultura no governo Castello Branco.

Confira a cobertura da imprensa sobre a entrega do título a Raymundo de Aragão

Reportagens retiradas dos jornais Diário do Paraná e Diário da Tarde, a partir de pesquisa na Hemeroteca da Biblioteca Pública Digital.

Arthur da Costa e Silva teve a homenagem aprovada em sessão do Conselho Universitário da UFPR do dia 18 de setembro de 1968. A proposta partiu do então reitor, Flávio Suplicy de Lacerda. No ano seguinte, em 25 de março, o ditador foi homenageado pela instituição e também recebeu da Assembleia Legislativa o título de Cidadão Benemérito do Paraná.

Confira a cobertura da imprensa sobre a entrega do título a Costa e Silva

Reportagens retiradas dos jornais Diário do Paraná e Diário da Tarde, a partir de pesquisa na Hemeroteca da Biblioteca Pública Digital.

Em 19 de agosto de 1970, o Conselho Universitário se juntou novamente e aprovou o título de doutor honoris causa ao ministro da Justiça durante o governo Médici, Alfredo Buzaid. Sob a gestão de Buzaid, entrou em vigor o decreto-lei de censura prévia a livros e periódicos. 

Buzaid chegou a Curitiba para receber a homenagem em 12 de dezembro de 1970. Na ocasião, exaltou a atuação dos professores universitários e afirmou que “ou se volta a Deus ou a humanidade sucumbirá”. 

Confira a cobertura da imprensa sobre a entrega do título a Alfredo Buzaid

Reportagens retiradas dos jornais Diário do Paraná e Diário da Tarde, a partir de pesquisa na Hemeroteca da Biblioteca Pública Digital.

O título ao então ministro da Educação Jarbas Passarinho foi votado em 30 de setembro de 1971, mas ele só recebeu a honraria em 29 de março do ano seguinte. Passarinho foi um dos 24 membros do governo que decidiu pela instituição do AI-5 e assinou o documento. Durante a reunião em que votavam o ato, o ministro proferiu: “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.”

Confira a cobertura da imprensa sobre a entrega do título a Jarbas Passarinho

Reportagens retiradas dos jornais Diário do Paraná e Diário da Tarde, a partir de pesquisa na Hemeroteca da Biblioteca Pública Digital.

A última homenagem dada pelo Conselho Universitário da UFPR nesse período foi para Ernesto Geisel. Aprovado em 13 de janeiro de 1976, o título só foi entregue em 16 de janeiro de 1981.

Na ocasião, o então governador do Paraná, Ney Braga, afirmou que a homenagem se devia pelos “serviços prestados” durante a gestão de Geisel ao estado e “ainda por ter traçado rumos para o aperfeiçoamento democrático do Brasil”.

Confira a cobertura da imprensa sobre a entrega do título a Geisel

Reportagens retiradas dos jornais Diário do Paraná e Diário da Tarde, a partir de pesquisa na Hemeroteca da Biblioteca Pública Digital.

UFPR não sabia dos próprios títulos

Em 11 de abril de 2023, a Procuradoria Regional da República da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não homologar o arquivamento da notícia de fato protocolada por Valter Maier. Isso significa recomendar à UFPR a seguir o trâmite de revisão dos títulos a ditadores do período militar. No documento assinado pelo procurador Marcelo Veiga Beckhausen, há ainda a indicação para que a UFPR reinstale a Comissão da Verdade 11.

Desde março, o Plural acompanha a história e solicitou atas e documentos da UFPR para checar se havia, de fato, as homenagens. Os documentos são de acesso público, mas, como não estão todos no mesmo espaço físico, uma investigação jornalística de quase três meses consistiu em rechecagem dos dados levantados por Maier, verificação de 257 atas, 22 volumes de anuários, boletins administrativos e “fastos”, outro nome usado para publicização dos atos da universidade.

Os documentos estavam tanto na Biblioteca Central quanto na Reitoria, que ficam no centro de Curitiba. A apuração, no entanto, requereu visitas ao campus Politécnico, à Biblioteca Pública do Paraná, ao antigo presídio do Ahú 12 – para onde eram levados presos políticos e onde hoje está o LUME –, para que não restasse dúvida sobre a concessão dos títulos. As pesquisas feitas pela reportagem englobaram o período entre 1964 e 1985.

Além dos nomes indicados pela CNV, o Plural encontrou outras figuras de primeiro escalão. O reitor Ricardo Marcelo Fonseca, que já exercia mandato em 2018, disse que apresentará a proposta de revogação já na próxima reunião do Conselho Universitário, em junho, mas se referiu apenas aos presidentes. Em entrevista, admitiu um erro da universidade ao responder o primeiro questionamento do MPF, em 2018. “O pessoal não achou isso. Mas, em defesa deles, preciso dizer que não estava fácil de achar”. 

Se o MPF não encaminhasse o segundo ofício à UFPR após a comunicação do servidor, a instituição provavelmente manteria os títulos aos agentes da ditadura. O reitor, contudo, entende que a informação poderia ter sido dada diretamente à administração.

“Foi bastante surpreendente para mim constatar que havia uma série de coisas que não circulavam, a ponto de eu mesmo, historiador e reitor aqui da universidade, não ter tido conhecimento. Ninguém fala nem nunca tem falado dos últimos tempos, nem mesmo o pessoal do departamento de História. Conversei com alguns deles, inclusive dos mais antigos, depois disso tudo, e eles não lembravam”, disse.

O reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, analisa as atas de titulação honoríficas para os ditadores. Foto: Cecília Zarpelon/Plural

No dia 4 de maio deste ano, a bancada dos representantes da categoria técnico-administrativos em Educação, integrada pelo servidor Valter Maier, fez um informe na reunião do Conselho Universitário no qual solicitava informações sobre a concessão dos títulos. A resposta veio nesta quarta-feira, 31 de maio, afirmando que os documentos estão sendo examinados pelo gabinete do reitor.

Somente agora, quatro anos depois da primeira provocação em decorrência do relatório da Comissão da Verdade, a UFPR dá os primeiros passos para começar a análise e a eventual cassação das homenagens dadas para os ditadores. Chama atenção o fato de as atas estarem sendo averiguadas pessoalmente pelo reitor da universidade, ao invés da equipe do setor de Memória ou de História. 

Se isso acontecer, será um fato inédito na universidade, que jamais revogou outros títulos. A medida, se efetivada, pode abrir precedentes importantes para rever lugares de memória na instituição. Uma das figuras controversas homenageada pela UFPR é Flávio Suplicy de Lacerda, reitor durante duas gestões, entre 4 de agosto de 1949 e 29 de maio de 1964, e 25 de maio de 1967 e 30 de maio de 1971.

Neste ínterim, Suplicy de Lacerda foi ministro da Educação no governo Castello Branco e, apesar de ter contribuído para a expansão da UFPR, também colaborou para um dos períodos mais violentos da história do país. Suplicy era conhecido por denunciar alunos e professores, e inclusive há um trecho do relatório da Comissão Estadual da Verdade do Paraná 13 dedicado às suas ações que desencadearam centenas de demissões, perseguições e torturas. A Lei  Nº 4.464, de 9 de novembro de 1964, por exemplo, que ficou conhecida como Lei Suplicy, proibia as atividades políticas nas organizações estudantis e definia a regulamentação destas entidades.

Suplicy de Lacerda é lembrado com um busto na reitoria da UFPR. A obra foi derrubada duas vezes, uma 1968 e outra em 2014, e agora tem um QR Code que levaria ao chamado “Museu do Percurso”, um trajeto sugerido pela Comissão da Verdade da universidade que trata do impacto da ditadura militar para os estudantes. Porém, o QR Code na verdade direciona para uma página inexistente.

Busto de Flávio Suplicy fica na reitoria da UFPR. O QR Code leva a uma página inexistente. Foto: Cecília Zarpelon/Plural

Conquanto tenha construído uma narrativa bem menos sangrenta do que a realidade, o regime militar prendeu ao menos 4 mil paranaenses e torturou outros mil, segundo estatísticas do grupo Tortura Nunca Mais 14. Muitas dessas pessoas foram vítimas da ditadura durante a gestão dos homenageados pela UFPR.

A historiadora Stella Castanharo, doutoranda pela UFPR e bolsista da CAPES, estuda lugares de memória da ditadura em Curitiba e entende que, para além da demarcação dos espaços como o local onde fica o busto de Suplicy de Lacerda, ações como revogações e cassações de títulos também ajudam o coletivo a repensar a história. “Cabe a nós enquanto sociedade [pensar]: Poxa, por que a gente não está falando disso?”.

Nesse sentido, rever os títulos é uma questão de reparação histórica, como explica Silvia Calciolari, que escreveu o livro Depoimentos para a História – A resistência à ditadura militar no Paraná junto do ex-preso político Antonio Narciso Pires de Oliveira e do historiador Fábio Bacila Saah. “Essa recomendação [da cassação] é interessante (…) Nós temos que pressionar não só as universidades, mas o Governo Federal como um todo, a mexer nisso de alguma forma”, defende.

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O Governo Federal, por sua vez, desde janeiro deste ano retomou a Comissão de Anistia, colegiado criado por meio da Lei nº 10.559/2002. Os trabalhos começaram em março deste ano, sob o guarda-chuva do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). O objetivo é conceder anistia aos presos políticos entre 1946 e 1988. As primeiras anistias foram dadas a trabalhadores demitidos por perseguição.

O MDHC informou ao Plural “que compreende entre suas atribuições a implementação de políticas públicas que levem em consideração a preservação da memória para construção de um presente e um futuro cada vez mais democráticos. As ações nesse campo têm sido levadas a frente pela Assessoria de Defesa da Democracia, Memória e Verdade, que reúne a gestão de um conjunto de políticas públicas formuladas tendo como base o passado da ditadura militar e também o passado da escravidão e do trágico transatlântico, compreendendo, portanto, a necessidade de rompimento com os signos da violência de Estado no Brasil”.

A pasta destacou ainda que as instituições de ensino têm papel “estratégico e fundamental” para que regimes autoritários não ocorram novamente. “Este Ministério, como já foi divulgado em outras oportunidades, está comprometido a recuperar a importância das recomendações deixadas pela CNV, entendo que se trata de um conjunto de medidas necessárias para garantia da não-repetição de eventos autoritários e violentos e para o fortalecimento democrático”, informou em nota.

Federal teve aluna presa e general laureado ao mesmo tempo

No mesmo ano em que a UFPR aprovou o título de doutor honoris causa para o marechal Costa e Silva, a então estudante Judite Barboza Trindade, hoje com 79 anos e professora aposentada da própria instituição, prestou vestibular para História e começou sua jornada em defesa da democracia.

Enquanto era aluna de História na UFPR, Judite, que à época tinha 24 anos, se tornou militante do movimento estudantil. O ano era 1968, o primeiro da faculdade e o mesmo em que foi baixado o Ato Institucional Nº 5, que elevou a repressão do regime militar. A história da professora é narrada no livro “Sem liberdade, eu não vivo” (Contactos), das jornalistas Laura Beal Bordin e Suelen Lorianny.

Assim como João Bonifácio Cabral, que embora não fosse aluno da UFPR estudava na mesma quadra do prédio histórico da Federal, na Praça Santos Andrade, Judite foi presa na chácara do Alemão 15, no bairro Boqueirão, na mesma data, 17 de dezembro de 1968. Ambos participavam de um protesto organizado pelos estudantes contra uma medida do governo que instituía a cobrança no ensino público.

Ambos foram levados para o presídio do Ahú. Fizeram um trajeto bem mais simples em relação ao deslocamento de hoje, quando Curitiba ainda não tinha trânsito intenso e ruas exclusivas para ônibus. Enquanto os estudantes estavam presos, Costa e Silva recebia seu título honorífico da UFPR em uma solenidade no dia 25 de março de 1969, conforme registra ata consultada pelo Plural na biblioteca central da universidade.

Aprovação da concessão do honoris causa a Geisel consta na ata do Conselho Universitário realizada em janeiro de 1976. Foto: Reprodução
Aprovação da concessão do honoris causa a Costa e Silva consta na ata do Conselho Universitário de setembro de 1968. Foto: Reprodução
Aprovação da concessão do honoris causa a Castello Branco consta na ata do Conselho Universitário de julho de 1964. Foto: Reprodução

Durante discurso de nove minutos, o ditador exaltou o papel da universidade na formação dos cidadãos, segundo noticiou o jornal Diário do Paraná, em 26 de março de 1969. “É natural [que] seja difícil à universidade acompanhar certas transformações súbitas da sociedade em que está instalada, e a que deve servir. Tal característica não impede, aliás, que a universidade atue sobre a sociedade procurando formá-la e modificá-la. Essa verdade é tanto mais fácil de observar quanto mais culto o meio em que a universidade exerce a sua influência”. 

Costa e Silva seguiu a preleção com críticas aos jovens opositores do regime. “Se todos os jovens estudantes do Brasil se houvessem (sic) detido e debruçado sobre a natureza especial da educação, teriam certamente surgido dificuldades menores e menos numerosas entre eles e o Governo. Espero que o mal-entendido dessa controvérsia já se tenha dissipado em face das realizações da administração federal”. 

O general encerrou o solilóquio com uma particular visão das atribuições das universidades: “Acima de tudo, porém, entendo que a missão suprema desta universidade, de todas as universidades, não é preparar profissionais, nem pesquisadores, nem cientistas, nem técnicos, mas concluir a formação de verdadeiros cidadãos”.

Antes de Costa e Silva, o marechal Humberto Castello Branco também foi homenageado com o título doutor honoris causa da UFPR. Quem entregou a honraria ao então comandante do Brasil foi o ministro Flávio Suplicy de Lacerda. Na foto, Castello Branco aparece recebendo o título. Imagem: Reprodução/Hemeroteca da Biblioteca Nacional Digital

Sombras da ditadura ainda não se dissiparam

Sombras da ditadura ainda pairam sobre a UFPR, mesmo após quatro décadas do fim do regime. Porém, assim como nos anos de chumbo, ainda há “subversivos” como o servidor Valter Maier. O pedido de arquivamento da notícia de fato feita pela procuradoria do Ministério Público Federal no Paraná poderia ter mantido intactos os títulos a agentes da ditadura, mas Maier recorreu da decisão em Brasília e no Núcleo de Apoio Operacional (Naop) na 4ª Região, em Porto Alegre, em dezembro de 2022.

Ele alegou que demandas semelhantes às dele tiveram prosseguimento. “Eu discordei da decisão daqui do [MPF do] Paraná de que não é o momento político. Quando vai ser? Daqui 20, daqui 30 anos? Será que eu posso ter esse momento político antes de me aposentar? Antes de morrer?”, questiona.

Saiba mais: A ditadura militar e as Diretas Já

O MPF informou ao Plural que não pode falar sobre o procedimento porque está sob sigilo. Mas a reportagem teve acesso ao conteúdo. Após a movimentação do servidor, em 10 de janeiro deste ano o MPF enviou ofício endereçado ao reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, que atualmente preside a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), questionando novamente acerca de títulos honoríficos para violadores dos direitos humanos.

Diferentemente da primeira resposta, a UFPR confirmou, em 18 de janeiro de 2023, a existência dos títulos para os três ditadores militares. Nenhum dos três títulos consta no site da instituição. Ao Plural, a superintendência de comunicação informou que ainda está digitalizando as atas.

“Ainda tem muita coisa errada”

“Não adianta só uma reparação simbólica. Mas, no caso dessas homenagens, acho que [a revogação] ajuda a aliviar o sofrimento, a dor”, explica Claudia Cristina Hoffmann, historiadora do Ministério Público do Paraná (MPPR) e coordenadora do LUME – Lugar de Memória, sediado no antigo presídio do Ahú, em Curitiba. 

Para Hoffmann, doutoranda em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), colaboradora do relatório da Comissão Estadual da Verdade do Paraná e integrante do Comitê Estadual Memória, Verdade e Justiça 16, há uma política de esquecimento proposital no Brasil quanto à ditadura, o que dificulta a obtenção de justiça àqueles que sobreviveram ao regime. “Ainda tem muita coisa errada. A gente tem avançado, mas ainda temos terrenos que nem pisamos.”

Assim como Hoffmann, a jornalista e filósofa Silvia Calciolari, que estuda o tema há quase 30 anos, aponta que grande parte da população reproduz uma concepção errônea sobre a ditadura por causa da falta de memória acerca do período no Brasil, causada sobretudo pela impunidade conferida aos agentes do regime.

“A gente está chegando num ponto em que a memória verdadeira do que foi a ditadura precisa ser resgatada, valorizada e ampliada. Como vamos viralizar isso? Com ações, por exemplo, de revogação de títulos, de homenagens, de nomes de ruas”, destaca Calciolari, que também foi membro suplente da Comissão Estadual da Verdade.

Advogado aposentado e ex-diretor da Itaipu Binacional e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), João Bonifácio Cabral Júnior concorda com a jornalista. Ele tinha 20 anos quando foi preso durante o governo do general Arthur da Costa e Silva, em 1968. À época, era o presidente do diretório acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Católica (atual PUCPR) e um dos líderes do movimento estudantil que lutava contra a privatização do ensino superior.

Presidente do diretório acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Católica, João Bonifácio Cabral Júnior, foi preso em 1968, em Curitiba, durante o governo de Costa e Silva. Foto: Cecília Zarpelon/Plural

Levado para o presídio do Ahú junto com mais de 40 estudantes, Cabral só foi liberado um ano e meio depois, em 1970. Hoje, aos 78 anos, considera um desrespeito à vida a existência de homenagens a pessoas que apoiaram e praticaram os crimes cometidos entre 1964 e 1985. “É um absurdo a convivência com esses títulos honoríficos. Eles estarem vigendo até hoje é uma ofensa a todos os brasileiros que lutaram contra a ditadura”.

*Colaborou Julia Sobkowiak


Esta reportagem foi produzida como parte do curso “Jornalismo investigativo: da hipótese à construção da narrativa”, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), com apoio da Embaixada e consulados dos Estados Unidos no Brasil. O texto contou com mentoria e edição de Mauri König.


1. Título
doutor honoris causa

Doutor honoris causa é um título honorífico concedido por instituições de ensino superior a pessoas que tenham se destacado por sua contribuição à sociedade. Os critérios para a concessão da honraria, em geral, são definidos pelas próprias universidades. 

A Universidade Federal do Paraná define o título doutor honoris causa como a “distinção máxima outorgada por uma universidade a pessoas destacadas por seu prestígio social ou reconhecida contribuição científica, intelectual, acadêmica, cultural ou artística”. 

Na instituição, a aprovação e concessão da homenagem é deliberada pelo Conselho Universitário (COUN), órgão presidido pelo reitor e composto por discentes e representantes da comunidade externa. Atualmente, o COUN é formado por 118 pessoas, entre titulares e suplentes.

A UFPR disponibiliza a lista de títulos concedidos pela universidade desde 1978. Entre as pessoas consagradas estão a poetisa Helena Kolody, a médica pediatra Zilda Arns, o jurista italiano Paolo Grossi, e o economista bengali Muhammad Yunus. O último doutor honoris causa foi concedido em outubro de 2021 ao pesquisador alemão Heinrich Spiecker.

2. Comissão Nacional da Verdade

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi um colegiado instituído pelo governo brasileiro para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012, durante o governo de Dilma Rousseff (PT), a comissão funcionou até 2014, quando entregou o relatório final contendo a descrição do trabalho realizado, a apresentação dos fatos examinados, as conclusões e as recomendações.

A CNV foi integrada por sete conselheiros, por designação presidencial, e foi dividida em 13 grupos de trabalho, segmentados pelos seguintes campos temáticos: ditadura e gênero; Araguaia; contextualização, fundamentos e razões do golpe civil-militar de 1964; ditadura e sistema de Justiça; ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical; estrutura de repressão; mortos e desaparecidos políticos; graves violações de direitos humanos no campo ou contra indígenas; Operação Condor; papel das igrejas durante a ditadura; perseguições a militares; violações de direitos humanos de brasileiros no exterior e de estrangeiros no Brasil; e o Estado ditatorial-militar.

3. Emílio Garrastazu Médici

Emílio Garrastazu Médici foi o terceiro ditador do Brasil, tendo governado entre 30 de outubro de 1969 e 15 de março de 1974. Antes disso fez parte das Forças Armadas, foi comandante da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), em 1967. Em 1969, foi promovido a general e foi nomeado comandante do 3º Exército, em Porto Alegre. Seu governo foi marcado pela escalada da repressão política e da censura aos meios de comunicação.

Médici nasceu em 4 de dezembro de 1905, em Bagé, no Rio Grande do Sul. Morreu em 9 de outubro de 1985, no Rio de Janeiro.

4. Jarbas Passarinho

Jarbas Gonçalves Passarinho participou da articulação do golpe de 1964 e, no mesmo ano, assumiu o governo do Pará, indicado por Castello Branco. Com a posse de Médici, assumiu a pasta de Educação em 1969. Passarinho participou da reunião que decidiu pelo AI-5 e assinou o documento. Em seu voto, afirmou: “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”. Após a atuação durante a ditadura, Passarinho ainda foi ministro da Previdência e Assistência Social no governo de João Batista Figueiredo, senador, ministro da Justiça do governo de Fernando Collor de Mello e consultor do Programa Nacional de Direitos Humanos em 1996, nomeado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Passarinho nasceu em 11 de janeiro de 1920, em Xapuri, no Acre. Faleceu em 5 de junho de 2016, em Brasília. 

5. Arthur da Costa e Silva

Arthur da Costa e Silva foi o segundo ditador do Brasil. Ficou no poder entre 15 de março de 1967 e 31 de agosto de 1969. Ele foi um dos articuladores do golpe de 1964 e era considerado um dos representantes da “linha dura” dentro das Forças Armadas. Foi durante seu governo que foi inaugurada a fase mais repressiva da ditadura por conta da promulgação do AI-5.

Costa e Silva nasceu em 3 de outubro de 1899, em Taquari, no Rio Grande do Sul, e morreu em 17 de dezembro de 1969, no Rio de Janeiro. 

6. AI-5

O Ato Institucional 5, conhecido como AI-5, foi um decreto baixado em 13 de dezembro de 1968 durante o governo de Costa e Silva que inaugurou o período mais repressivo da ditadura, institucionalizando torturas, assassinatos e perseguições. 

A norma resultou no fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas dos estados, na censura da imprensa e de produções artísticas, e deu ao presidente a possibilidade de intervenção nos estados e municípios. O AI-5 também tornou ilegal reuniões políticas não autorizadas pela polícia. Vigorou até 1978.

7. Ernesto Geisel

Ernesto Beckmann Geisel foi o quarto ditador do Brasil. Governou entre 1974 e 1979. Apesar de ter sido durante seu governo que a ditadura começou a enfraquecer, ainda houve diversas mortes, desaparecimentos e torturas. Foi no comando de Geisel que o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado. Durante o governo de Castello Branco, Geisel chefiou o gabinete militar e logo foi promovido a general. Em 1967 foi ministro do Superior Tribunal Militar e foi presidente da Petrobras entre 69 e 73.

Geisel nasceu em 3 de agosto de 1907, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, e morreu em 12 de setembro de 1996, no Rio de Janeiro. 

8. Humberto de Alencar Castello Branco

Humberto Castello Branco foi o primeiro ditador brasileiro. Durante seu governo foi baixado o primeiro Ato Institucional, que tinha como objetivo legitimar o golpe que depôs João Goulart. Com o AI-1, também se iniciou uma forte repressão aos movimentos sociais, sobretudo ao movimento estudantil e ao dos camponeses. Castello Branco também criou o Serviço Nacional de Informação (SNI) e decretou o fim da eleição direta para presidente.

Ele nasceu em Fortaleza no dia 20 de setembro de 1897 e morreu em 18 de julho de 1967.

9. Alfredo Buzaid

Alfredo Buzaid foi ministro da Justiça durante o governo Médici, permanecendo no cargo até 1974. Era formado em Direito e em 1969 foi vice-reitor da Universidade de São Paulo (USP). Sob sua gestão entrou em vigor o decreto-lei de censura prévia a livros e periódicos. Em 1971, Buzaid disse que considerava o AI-5 necessário à defesa contra “a guerra revolucionária e a subversiva, preparadas à sombra por homens que estão adequadamente adestrados”.

Em 1982, foi indicado por João Batista Figueiredo para ocupar o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), aposentando-se em 1984 por limite de idade. Buzaid nasceu em Jaboticabal, São Paulo, em 20 de julho de 1914. Faleceu em 9 de julho de 1991.

10. Raymundo Augusto de Castro Moniz de Aragão

Raymundo Augusto de Castro Moniz de Aragão foi um médico, professor de Química da Escola Nacional de Química e o primeiro reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Entre 30 de junho e 4 de outubro de 1966 foi ministro da Educação no governo Castello Branco.

Aragão nasceu no Rio de Janeiro, no dia 27 de maio de 1912. Morreu em 8 de dezembro de 2001.

11. Comissão da Memória e da Verdade da UFPR

A Comissão da Verdade da UFPR (CV-UFPR) foi criada pelo reitor Zaki Akel Sobrinho, por meio da portaria 2.440 de 9 de novembro de 2012. Formada por sete membros, a CV-UFPR teve como objetivo esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de violação de direitos humanos no âmbito da UFPR. A comissão funcionou até 2014, quando os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade também foram encerrados. 

12. Presídio do Ahú

A Prisão Provisória de Curitiba, conhecida como Presídio do Ahú, foi utilizada durante a ditadura para alojar presos políticos, embora também abrigasse presos comuns. Funcionou até 2006. Inaugurado em 1903, o prédio abrigou durante quatro anos o Hospício Nossa Senhora da Luz, antes de se tornar a penitenciária.

Em 2018, o espaço foi transformado no Centro Judiciário de Curitiba, que abriga o Fórum Criminal e os Juizados Especiais da capital. No prédio onde era o presídio, hoje há um espaço dedicado à preservação da história do período da ditadura conhecido como LUME – Lugar de Memória.

13. Comissão Estadual da Verdade do Paraná – Teresa Urban

A Comissão Estadual da Verdade do Paraná – Teresa Urban foi criada pela Lei 17362, em 27 de novembro de 2012, no âmbito da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SEJU). O objetivo da comissão, que funcionou até 2017, era examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no Paraná entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.

A comissão era formada por sete membros indicados pelo então governador do Paraná, Carlos Richa: a advogada Ivete Maria Caribé da Rocha; o procurador de Justiça e professor de Direito da UFPR José Antônio Peres Gediel; o bancário e vice-presidente da CUT no Paraná Márcio Mauri Kieller Gonçalves; a desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima; o procurador de Justiça do MPPR Olympio de Sá Sotto Maior Neto; o professor do setor de Ciências Humanas da UFPR Pedro Bodê; e a professora e vice-diretora do setor de Ciências Jurídicas da UFPR Vera Karam de Chueiri.

Após cinco anos de trabalho, a comissão entregou o relatório final, que é dividido em dois volumes. O documento traz depoimentos, informações sobre mortos, torturados, presos e desaparecidos durante o regime no Paraná, e recomendações. 

14. Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná

O Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná (GTNM-PR) é uma entidade fundada em 1995, em Curitiba, por militantes da época da ditadura e ativistas de direitos humanos. O objetivo principal do grupo é combater a tortura, a miséria e a violação dos direitos fundamentais do ser humano.

O GTNM-PR luta pelo resgate da memória da resistência ao regime militar, bem como pela abertura dos arquivos da repressão, pela responsabilização dos torturadores e assassinos da ditadura, e pela descriminalização dos movimentos sociais.

15. Chácara do Alemão

A Chácara do Alemão, localizada no bairro Boqueirão, em Curitiba, foi o local escolhido pelo movimento estudantil para reunir-se e continuar as discussões interrompidas no Congresso de Ibiúna. O encontro foi marcado para o dia 17 de dezembro de 1968, quatro dias após o AI-5. 

As forças de segurança de Curitiba, que já sabiam da realização do congresso, prenderam 42 estudantes. Desses, 15 foram condenados à prisão. 

A chácara foi loteada no final da década de 1970, sendo, que mais tarde o processo de urbanização da região alterou sua configuração. Sua localização ficava às margens da atual Rua Maestro Carlos Frank, próxima à Escola Municipal Leonor Castellano.

16. Comitê Estadual Memória, Verdade e Justiça do Paraná 

O Comitê Estadual Memória, Verdade e Justiça do Paraná (CEMVEJ) foi criado em 27 de novembro de 2017, por meio do decreto 8.335, a partir de uma recomendação da Comissão Estadual da Verdade.

De caráter consultivo e propositivo, o comitê tem como finalidade acompanhar e estimular discussões e elaboração de ações (sejam projetos de lei, projetos técnicos, pesquisa acadêmica, campanhas de educação) vinculadas à promoção do direito à memória, à verdade e à justiça no Paraná.

Atualmente, o CEMVEJ é composto por oito membros que são representantes do Poder Público e da sociedade civil organizada.

Leia também: Após reportagem do Plural, UFPR revoga títulos Honoris Causa de ditadores

Sobre o/a autor/a

14 comentários em “Universidades federais mantêm homenagem a ditadores  ”

  1. Excelente matéria. Apenas uma correção: os documentos em fac-símile utilizados na matéria não são da hemeroteca da “biblioteca pública digital”. Mas da hemeroteca da Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro). Acho que vale essa correção no texto. Parabéns pela investigação, Aline e Cecília!

  2. Rogerio de Oliveira Faria

    Acredito que estamos falhando em esclarecer claramente o que foi o regime que se instalou a força no Brasil de 1964 a 1985, o bolsonarismo corrobora com isto que estou escrevendo.
    O novo governo possui a EBC para colocar na programação o que foi a ditadura, a tortura e a perda da garantias individuais.
    Este é o momento de passar a limpo a história e as Universidades, com o seu corpo docente e discente sofredor deste período selvagem, pode começar a dar um bom exemplo cassando qualquer homenagem das aos arquitetos do regime da intolerância e do ódio.

  3. Ah tá ?! Mas homenagem a Che Guevara pode ? Homenagem a Fidel Castro, aquele ditador comunista pode ? Homenagem a líderes sanguinários de partidos comunistas pode? Castello Branco foi um grande homem, e não deixando com que o país se tornasse um verdadeiro Comunismo, se em Cuba tivesse homens como Castello Branco, Cuba não estaria na situação que está hoje!

    1. Rosiane Correia de Freitas

      Tamiris, quais as homenagens de universidade federais a essas pessoas citadas? Note que a matéria apurou extensamente todos os documentos e informações. Então se vc quer usar o falso princípio da equivalência aí, tem que identificar a documentação relativa a isso. Castello Branco é reconhecido pela Justiça Brasileira como um governante que liderou um regime violento que matou pessoas, torturou, estuprou e fez desaparecer cidadãos brasileiros. Se vc acha ele um grande homem, aí é com a sua consciência e caráter. Rosiane

  4. Parabéns pela bela e profissional reportagem, precisamos neste tempo de reportagens descartáveis e com interesse obscuros, veículos como a Plural

  5. Gabriel Humberto Muñoz Palafox

    Parabéns as autoras do artigo. Fiz notificação via Facebook sobre a matéria, alertando às nossas entidades de classe para que se mobilizem no sentido de exigir que a Universidade Federal de Uberlândia tome as medidas cabíveis para retirar o título concedido a Geisel.

  6. Estes e outros fatos demonstram como as universidades foram coniventes com a ditadura. Lembro-me perfeitamente da AESI – Assessoria Especial de Informações, financiada pelo SNI – que ficava ao lado do gabinete do reitor, e que se dedicava a vigiar os estudantes e os professores. Havia a lei 247, para expulsar sumariamente estudantes, havia alunos perseguindo alunos, fechamento dos centros acadêmicos. Tudo isto deveria ser financiado como um projeto de pesquisa sobre a história da Universidade, mas curiosamente não é. Geralmente quando alguém escreve tal história, o faz elogiando grandes vultos, enaltecendo quem ajudou a edificar prédios, etc. Nem a história da ciência é narrada.
    Hoje, se a universidade como instituição atrasa-se em tomar medidas diante das informações levantadas pelo técnico Valter Maier, dentre outros, no Departamento de História desta mesma instituição disponibilizamos dados, devidamente indexados, sobre nomes, entidades e acontecimentos que evidenciam os colaboradores, facilitadores e delatores da ditadura. Uma pesquisa diligente permite encontrar também os principais alvos de perseguição do governo, tanto quanto os principais responsáveis pela sua gestão. Digo isso para que pensemos o quão longe está aquilo que se sabe e a vontade política de se acatar o que recomendou a Comissão Estadual da Verdade em todo o Estado do Paraná. As universidades poderiam dar o exemplo, pois são responsáveis pela produção e difusão do conhecimento. Nomear o que foi a ditadura e porque Costa e Silva, somente à guisa de ilustração, não honra conhecimento algum, é um dever de memória.

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