A ditadura militar e as Diretas Já

No Paraná, a história não difere muito. Segundo estimativa do grupo estadual Tortura Nunca Mais, aproximadamente 4 mil pessoas foram presas durante a ditadura

Durante quase 21 anos, entre 1964 e 1985, o Brasil foi governado por uma ditatura militar. Com ela, choques elétricos, afogamentos, torturas psicológicas, casos de estupro e diversas outras crueldades deixaram marcas profundas nas vítimas daquele regime. As torturas tornaram-se práticas ainda mais rotineiras após a promulgação do Ato Institucional número 5 (AI-5), no comando do general Costa e Silva, em 1968.

Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, cerca de 50 mil pessoas foram presas só no ano de 1964. Em todo o regime, pelo menos 20 mil foram torturadas de forma brutal – aponta o Human Rights Watch.

No Paraná, a história não difere muito. Segundo estimativa do grupo estadual Tortura Nunca Mais, aproximadamente 4 mil pessoas foram presas durante a ditadura. Desses, no mínimo, mil sofreram com tortura. O número pode ser muito maior.

Quatro cidades tornaram-se sedes dos principais centros de tortura no estado. Os quartéis do Exército de Apucarana, Foz do Iguaçu e Ponta Grossa somaram-se a Curitiba. Na capital, as ações se concentravam, principalmente, no quartel que existia na Praça Rui Barbosa, nas delegacias de polícia, na Delegacia de Ordem Polícia e Social e na chamada Clínica Marumbi. Acredita-se que essa “clínica”, que pertencia ao Exército, ficava próxima do então quartel militar, onde hoje fica o Shopping Curitiba, no centro da cidade.

O tema dessa coluna surge justamente em um momento em que foram propagadas, recentemente, ameaças à ordem institucional democrática brasileira por parte daquele que deveria agir exatamente de forma oposta: o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Nas vésperas das manifestações convocadas por ele para o último dia 7 de setembro, Bolsonaro afirmou que não deseja o golpe, mas que “tudo tem limite”. “Temos um presidente que não deseja nem provoca rupturas, mas tudo tem um limite em nossa vida. Não podemos continuar convivendo com isso”, disse o presidente durante um culto na Assembleia de Deus, em Goiânia, no dia 28 de agosto.

No dia das manifestações, além de criticar veementemente outros poderes da República, em especial o Judiciário, Bolsonaro provocou espanto ao anunciar que faria uma reunião do Conselho da República no dia seguinte – fato que não se concretizou. A Constituição Federal prevê a convocação do Conselho da República apenas em casos de intervenção federal, Estado de Defesa e de Sítio.

Esse tom de discurso de Bolsonaro já pôde ser observado durante o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, quando ele homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – reconhecido pela Justiça como torturador durante a ditadura militar – o classificando como um “herói nacional”. No passado, em 1999, o então deputado federal Jair Bolsonaro, com 44 anos, concedeu uma entrevista ao programa “Câmera Aberta”, na Bandeirantes.

Durante essa entrevista ele revelou que sonegava impostos (afirmou que “sonegava tudo o que era possível”), defendeu a ditadura e a tortura, pregou o fechamento do Congresso e disse que o Brasil precisava de uma guerra civil, mesmo que isso provocasse a morte de inocentes. Depois, disse ainda que a democracia é uma “porcaria” e contou o que faria se chegasse ao poder: “Daria golpe no mesmo dia”. E, ainda, defendeu o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso. A entrevista está disponível na internet; basta dar um “google”.

A partir desses exemplos, denota-se que ameaçar a democracia brasileira é uma prática comum na biografia de Jair Bolsonaro. Por isso, o tema dessa coluna procura relembrar, de forma sucinta, alguns dados e fatos da última vez em que o Brasil viveu sob a égide de uma ditadura.

Operações

No Paraná, diversas operações dos militares tiveram impacto durante o regime. Uma das mais famosas foi a Operação Condor, que foi uma aliança criada entre vários regimes militares da América Sul que resultou em ações com graves violações aos Direitos Humanos. No estado, essa operação resultou no Massacre de Medianeira, em julho de 1974. Nesse episódio, seis militantes contrários ao regime foram assassinados na região da cidade de Medianeira.

A operação Marumbi foi uma ação realizada em 1975, pela Delegacia da Ordem Política e Social (Dops), e pelo Destacamento de Operações Internas do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). A Operação se concentrou em Curitiba, Londrina, Maringá, Paranaguá, Mandaguari, Apucarana, Rolândia, Guarapuava, Ponta Grossa, Paranavaí, Cianorte e Cascavel. Foram presas 106 pessoas, denunciadas e processadas 65 e condenados 15 suspeitos.

Também na época da ditadura, houve o emblemático caso da prisão de estudantes que realizavam um congresso clandestino da União Paranaense dos Estudantes em uma chácara próxima a Curitiba, chamada de Chácara do Alemão. Dos 42 aprisionados, 15 foram condenados à prisão – 13 homens e duas mulheres. Eles ficaram detidos no então presídio do Ahú por aproximadamente dois anos.

Diretas Já

Em 2 de março de 1983, o então deputado Dante de Oliveira (PMDB) já havia apresentado ao Congresso Nacional uma proposta de emenda à Constituição prevendo o restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República em dezembro do ano seguinte.

Faltavam quatro meses para que o Congresso votasse a emenda de Dante de Oliveira. A oposição ao regime resolveu acatar a ideia e saiu às ruas no ano seguinte para que se restituísse imediatamente o direito ao voto. “Diretas Já” era a palavra de ordem.

Foram organizados diversos comícios, que se realizaram por todo o país. O primeiro ocorreu justamente em Curitiba, em 12 de janeiro de 1984, e reuniu cerca de 50 mil pessoas. Nos dias seguintes, novas manifestações aconteceram em Salvador (BA), com 15 mil pessoas, Vitória (ES), com 10 mil, e Campinas (SP), com 12 mil.

Na capital paranaense, a multidão se reuniu na Praça Osório. O principal líder a falar durante o comício foi Ulysses Guimarães, o símbolo das Diretas.

“Quando se dizia por aí – as corujas agourentas – de que isso era subversão, desordem e que iria ocorrer depredações, nós verificamos que não ocorreu qualquer incidente. Eu quero dizer que foi uma festa”, disse Ulysses, segundo reportagem publicada pela Gazeta do Povo na época.

Porém, a votação no Congresso Nacional terminou sem que a emenda das Diretas conseguisse a maioria de dois terços exigidos para ser aprovada. Perdeu por 22 votos e o novo presidente foi escolhido por um colégio eleitoral. A eleição indireta de Tancredo Neves ocorreu em 1985 e marcou fim da ditadura militar. O povo brasileiro voltaria às urnas somente em 1989 – 29 anos depois da última eleição direta para presidente da nação. Foi eleito Fernando Collor de Mello, com o slogan de “caçador de marajás” e responsável por confiscar a poupança dos brasileiros. Mas essa é uma outra história.

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