Um caso constrangedor de importunação sexual no interior do Paraná

Cantadas, passadas de mão e fotos de cunho sexual enviadas sem consentimento são atos criminosos e devem ser punidos

Alana* vive na Itália, mas é proprietária de um apartamento em Apucarana, cidade do interior do Paraná onde mora sua família. O imóvel costumava ficar alugado, porém, após perder sua última inquilina, ela decidiu reformar o espaço a fim de transformá-lo em seu lar no Brasil. Foram três meses acompanhando as obras, em busca de sentir conforto e identificação com a própria casa. O problema é que depois de ser vista pelo porteiro, sua vida virou um inferno.

Valdomiro* é funcionário do prédio há mais de uma década, de modo que criou vínculos com os síndicos e moradores. Alana não fazia parte de sua rede de afetos, mas isso não o impediu de enviar a ela, via WhatsApp, fotos de cunho sexual. Virou hábito: sempre que chegava uma correspondência, ele fotografava o envelope ao lado do pênis ereto por baixo da calça. O mesmo acontecia quando queria mostrar uma lata de tinta ou o controle da garagem.

Foto: reprodução/WhatsApp
Foto: reprodução/WhatsApp

Sentindo-se profundamente invadida, Alana compartilhou as imagens com os síndicos, que não foram muito acolhedores. Papo vai, papo vem, eles encaminharam dois áudios de Valdomiro dizendo: “Eu errei, eu sei que eu errei, não devia ter feito isso, queria pedir desculpas, mas quero falar com ela e ela não me desbloqueia. Só pede isso pra ela.” Depois, reuniram-se com o conselho do condomínio e decidiram dar outra chance a Valdomiro por conta de seu “bom comportamento”. Procurada pelo Plural, a síndica preferiu silenciar sobre o assunto.

Valdomiro disse, por meio de seu advogado, que não havia recebido intimação da polícia nem tinha conhecimento de processos judiciais sobre o caso, por isso não faria comentários. Em seguida, informou que a acusação não era verídica. A essa altura, Alana já tinha denunciado a importunação sexual para a Delegacia da Mulher de Apucarana. Durante os 30 minutos que conversamos pelo telefone, ela disse repetidas vezes que busca justiça porque sofre ao pensar que terá de encontrá-lo se quiser estar em seu apartamento novamente.

A Polícia Civil do Paraná (PCPR) disse que está apurando a situação. “Todas as recomendações foram repassadas para a vítima, que será ouvida assim que chegar ao Brasil”, informou a assessoria.

Importunação sexual

Segundo Mariana Nunes, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado do Paraná (NUDEM), o caso evidentemente configura uma hipótese de importunação sexual, crime previsto no código penal desde setembro de 2018 que ainda é pouco criminalizado na prática porque está enraizado na cultura. Que mulher não tem pelo menos uma história de importunação para contar?

A advogada Graziela Engelhardt, especialista em direito da mulher, compartilha da avaliação da colega. “A importunação sexual fica clara quando o porteiro envia fotos do órgão genital para ela como modo de se satisfazer, sem consentimento”, explica. 

“A importunação sexual é qualquer prática de cunho sexual realizada sem o consentimento da vítima, ou seja, qualquer ato que viole o seu direito de escolher quando, como e com quem praticar atos de cunho sexual”, esclarece Mariana. Clique aqui para compreender o crime de importunação sexual com maior profundidade.

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, o Paraná ocupa a 4ª posição entre os estados brasileiros com mais notificações do crime. Em 2020, foram registradas 15.245 denúncias em todo o país, sendo que 1.292 dos casos, ou seja, 11,2%, foram praticados no Paraná. 

“Os números alarmantes são sintomáticos de um grave problema estrutural, que reflete uma cultura machista e patriarcal que ainda enxerga a mulher como um corpo à disposição das vontades dos homens. Nós, mulheres, não podemos mais tolerar como normal olhares, comentários e toques indesejados”, afirma a defensora pública. 

O problema é uma das facetas da cultura do estupro. “Ele deve ser combatido não só por meio de denúncias, mas pela desconstrução dos padrões estereotipados de gênero, com a promoção de campanhas educativas voltadas ao público escolar e à sociedade em geral”, diz.

Fui importunada, e agora?

Se puder, registre um boletim de ocorrência em uma delegacia, preferencialmente em uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), relatando o fato criminoso e apresentando o máximo de provas que conseguir, como imagens de câmeras de monitoramento, fotos, áudios e testemunhas. 

“A vítima ou outra pessoa que testemunhe o crime pode também acionar imediatamente a Polícia Militar, ligando para o canal 190, ligar para a Central Nacional de Atendimento à Mulher, por meio do Disque 180, bem como procurar a Defensoria Pública para orientações”, informa a coordenadora do Nudem.

*Nomes fictícios. A ocultação dos nomes reais foi um pedido da vítima. A reportagem assentiu para não incorrer em revitimização ou prejudicar o andamento das investigações sobre o caso.

Sobre o/a autor/a

2 comentários em “Um caso constrangedor de importunação sexual no interior do Paraná”

  1. No meu condomínio, o zelador enviou uma mensagem para uma moradora dizendo “eu quero você”. Ela repassou o caso para o condomínio e não fizeram nada. Aqui no Brasil há uma tendência em tratar casos assim como um “problema pessoal” da vítima e do agressor.

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