SOS Vila Torres: o trabalho social que sustenta uma das comunidades mais pobres de Curitiba

Durante a pandemia, moradores se juntaram à paróquia do bairro para manter a vizinhança de pé

“Quando chegamos aqui, nos anos 70, encontramos só uma torneira d’água. Não existia saneamento básico, iluminação nem ruas abertas, apenas barracos cobertos com lona preta”, relembra Irmã Cláudia – nome religioso de Inez Molin – sentada no sofá de uma das primeiras casas construídas na Vila Torres. Ao lado dela está Maria de Nazaré Fortuna, a Irmã Estela. Ambas são Irmãs Franciscanas Bernardinas e cumprem uma missão que já dura décadas na comunidade.

Irmã Cláudia. Foto: Isa Lanave

Hoje, as senhorinhas vivem na Comunidade Nossa Senhora Aparecida e são uma espécie de guardiãs da memória do bairro. Com um álbum de fotos em mãos, elas contam que os vizinhos tiveram de lutar e resistir a várias ordens de despejo até ver nascer, pouco a pouco, as vias asfaltadas por onde transitam cerca de 6,2 mil moradores. 

Os dados ficam por conta de Valdemilson Osório de Campos, ou apenas Tanaka, o líder da Associação de Moradores da Vila Torres. Ele contabiliza cerca de 1.250 famílias pobres como a dele. “Eu nasci aqui dentro. O primeiro emprego que tive, aos 10 anos, foi como catador de papel”, fala. A reciclagem faz parte da cultura local e sustenta 70% dos trabalhadores da Vila Torres. Número que, com a pandemia, só cresce. 

Quem vive por lá diz que o espaço das ruas anda disputado. Enquanto caminhava pela região com a fotógrafa Isa Lanave, avistei meia dúzia de carrinhos em movimento e dezenas de pessoas sem máscara, inclusive crianças que brincavam na areia em horário escolar. Para não aglomerar as pequenas casas (são quatro ou cinco por terreno, habitadas por famílias generosas), soube que os moradores recorrem aos espaços abertos e enchem as vielas do bairro todos os dias. 

Foto: Isa Lanave

Falta de acesso

Durante a pandemia, a comunidade sentiu que estava especialmente abandonada pelo poder público. “Muitas crianças ficaram sem escola por conta da internet. A nossa caía e a minha filha corria para o vizinho”, afirma Tanaka. Segundo ele, o acesso à internet ainda é escasso por aquelas bandas. Faltou cabeamento e condições financeiras para que os pequenos pudessem acompanhar as aulas on-line. 

Foto: Isa Lanave

É por essas e outras que Luzia Venâncio de Araújo doa seu trabalho voluntário em prol do desenvolvimento da vizinhança. Como Agente Comunitária de Saúde, ela está acostumada a bater de casa em casa e sabe das necessidades dos moradores, então faz a ponte com quem pode ajudar. “Eu fico sabendo de muita coisa e passo pra comunidade. Por exemplo: quando tem bolsa na faculdade e escolas ao redor, eu vejo quem precisa e oriento”, explica. 

A própria Luzia é a prova de que a educação transforma vidas. Em 1998, quando conseguiu a vaga no posto de saúde, ela só tinha a quinta série completa. Motivada pelos colegas, seguiu estudando e, anos depois, formou-se em Enfermagem na universidade vizinha. “Às vezes, a gente que é pobre, perde oportunidades por falta de acesso. É por isso que eu gosto de ajudar os vizinhos. Pra mim, é uma gratidão.” 

Luzia. Foto: Isa Lanave

Trabalho social

Há dez anos, a Comunidade Nossa Senhora Aparecida e a Associação de Moradores lideram o trabalho social que alicerça a Vila Torres. Sem ajuda dos governantes, mas com a união de voluntários como Luzia e o apoio de empresas, o movimento promove a conscientização dos moradores da região nas áreas da saúde, higiene e organização social.

À frente do movimento está o Padre Joaquim Parron, um sujeito engajado como o Padre Júlio Lancellotti. “No começo da pandemia, nós lançamos a campanha SOS Vila Torres. Na primeira fase, tínhamos cinco objetivos: entregar cerca de 1.200 marmitas por semana, arrecadar mais de 16 mil cestas básicas, doar milhares de tubos de álcool e máscaras, auxiliar a comunidade a requerer o Auxílio Emergencial e ainda promover cursos de capacitação”, descreve. 

Padre Parron. Foto: Isa Lanave

Todas as metas foram alcançadas com sucesso. “As pessoas que mais precisavam do Auxílio Emergencial não tinham computador nem celular para fazer o cadastro, então nós preparamos quatro jovens da vizinhança e registramos mais de 400 pessoas da Vila, majoritariamente catadores. Além disso, formamos 13 diaristas que saíram da rua e já estão empregadas”, comemora. O resultado foi tão positivo que deu pra estender a mão para outros oito bairros.

Como ajudar?

O trabalho é perene e doações de pessoas físicas e jurídicas são sempre bem-vindas. Alimentos, produtos de higiene, álcool, máscaras e até material escolar são necessários. Doações em dinheiro também ajudam a custear a formação de mais diaristas, pintores e encanadores na comunidade, além de sustentar outras urgências da Vila Torres.

Voluntários também estão convidados a somar forças. “Nós queremos que as pessoas sejam partícipes do movimento. Não temos a ajuda do poder público, mas juntos podemos arregaçar as mangas”, diz o Padre. Ele garante que não importa o credo: todo mundo tem espaço.

Ficou interessado em ajudar? O telefone da paróquia é o (41) 3264-8117. A Comunidade Nossa Senhora Aparecida fica na Rua Guabirotuba, 770. O funcionamento é de segunda a sexta das 8h às 11h e das 13h às 17h.

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7 comentários em “SOS Vila Torres: o trabalho social que sustenta uma das comunidades mais pobres de Curitiba”

  1. Muito legal, estou falando com uma moradora , pois gostaria de enviar algumas cestas para essa comunidade! E cheguei até essa matéria . Vou entrar em contato com eles obrigada!

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