Reabertura de shoppings traz insegurança a funcionários e lojistas

Vendedores relatam presença proibida de idosos e crianças; empresários temem custos de ocupação e falência

Quatro dias após a reabertura dos shoppings em Curitiba, a principal insegurança dos trabalhadores do segmento está ligada à falta de cumprimento do protocolo de saúde por parte das empresas. O documento publicado pela Secretaria de Estado da Saúde (SESA) proíbe a circulação do grupo de risco da covid-19 dentro desses espaços. No entanto, o Plural recebeu queixas de funcionários ligadas à falta de controle na entrada de pessoas. As fontes preferiram não ser identificadas.

 “Na segunda-feira eu fiquei bem assustada. O shopping estava sem controle nenhum. Tudo o que foi divulgado foi diferente do que aconteceu. Os clientes estavam numa aglomeração pra entrar, sem distanciamento. Senti que estavam medindo somente as temperaturas dos lojistas, dos clientes não. Tinha família inteira vindo, com bebê de carrinho e idoso também”, relata a vendedora de uma loja do Park Shopping Barigui.

Ela ainda diz que o público reforçou a sensação de insegurança dos trabalhadores. “O que mais me preocupou foi a minha segurança e a segurança da minha vendedora, que tem gente do grupo de risco em casa. Eu vejo que muitos não estão nem aí, andando com a máscara no queixo. Sobretudo pessoas das classes mais altas.”

O vendedor de uma loja do Jockey Plaza também observou irregularidades no shopping. “O que tem me assustado é que eu tenho visto famílias, crianças, idosos… Já foi questionado com a segurança, mas eles dizem que estão advertindo o pessoal”, revela. “Acho que não cabe uma advertência, cabe não deixar entrar. Fazem uma fila mal cuidada, medem a temperatura e essas pessoas entram.”

Idosos e adolescentes circulam pelos shoppings. Foto: Jess Carvalho

Outro ponto sensível, na opinião do trabalhador, é a questão dos banheiros. “Eles estão parcialmente abertos, um em cada andar. Acho que tinha que estar tudo aberto, para distribuir melhor as pessoas. Parece que estão pensando muito mais na logística deles do que na Saúde”. 

Por isso, ele, que tem duas pessoas do grupo de risco em casa, acabou optando por passar uma temporada com a namorada para não expor a família. “Na loja onde trabalho, peço para que entre uma pessoa por vez, usando máscara, porque é uma forma de preservar a mim e a minha equipe. Sabemos que muita gente que não acredita na doença, mas a gente acredita.”

Faltam clientes, e ar

No Jardim das Américas, outro vendedor ouvido pelo Plural reclama do descaso da gestão da loja onde trabalha. “O movimento tem sido baixo, poucas pessoas têm vindo ao shopping e os que vêm permanecem pouco, mas mesmo assim o dono da loja tem nos obrigado a tentar manter as pessoas o maior tempo possível e oferecer qualquer coisa para convencer o povo a ficar.”

Com relação ao shopping, ele pontua duas inseguranças. “Está difícil, não conseguimos respirar por causa da máscara e também do novo sistema de ar. A impressão é que ele deixa o oxigênio escasso. Também temos medo dos cães do pet shop, sabe Deus se eles não têm covid.”

Uma supervisora ligada a lojas dos shoppings Jockey, Curitiba e Barigüi traz uma visão diferente. “Ainda não abrimos, porque as lojas podem retomar até o fim da semana. Mas passei nos shoppings para verificar como estavam e parece tudo muito seguro. Estão todos sinalizados com relação a aglomeração, medindo temperatura, tem álcool gel em todas as lojas. Vi todos os shoppings seguindo as normas. Pelo que soube de outros franqueados que já abriram, o fluxo está em torno de 20% do que estávamos acostumados.”

Compensa?

“Sinto fraco o movimento, acho desnecessária a reabertura. Foi mais uma pressão dos donos do shopping mesmo”, avalia o vendedor da loja do Jockey Plaza.

A trabalhadora do Park Shopping Barigui concorda que o movimento está baixo. “Na terça, entraram somente duas clientes na loja, meio sem saber lidar com o distanciamento. Na quarta eu vi uma movimentação maior, muita gente com sacolas. Entraram quatro pessoas na loja. Teve uma cliente querendo provar, mas não pudemos permitir. Ela queria comprar e acabou não comprando.”

Clientes se alimentam pelos corredores e escadas. Foto: Jess Carvalho

Para ela, a reabertura não vale a pena. “A nossa loja estava vendendo muito mais fechada do que aberta. Fizemos entregas em casa e tivemos dias de venda de até R$ 5 mil durante o isolamento, que é um número bom pra gente. Ontem vendemos R$ 200 com a loja aberta.”

Custos altos de ocupação

O empresário Ener Komagata, da rede Sushiaki, precisou fechar a loja do Shopping Mueller durante a pandemia. Agora, ele administra restaurantes nos shoppings Barigui, Palladium e Curitiba. Apesar de apoiar a reabertura, ele confessa que está preocupado com a saúde financeira do negócio.

“O consumidor está retraído, está em casa. As vendas estão no patamar de 20% do movimento normal, até por conta das restrições ao público. Todos os protocolos de segurança estão sendo seguidos e isso tira um pouco do prazer do consumo e do lazer, fica uma coisa muito restrita. Mas isso não tem jeito, a gente tem que lidar”, contextualiza. “A nossa maior preocupação, como lojistas, é o custo de ocupação.”

Ele explica que as lojas precisam pagar aluguel, fundo de promoção e condomínio aos shoppings. “O condomínio é uma despesa rateada. É uma caixa preta, de certa forma, porque eles passam só o resumo muito sucinto e é até difícil a gente acompanhar. Fundo de promoção também é bem complicado. Em alguns casos, existe uma associação que aprova as ações de marketing do shopping, mas na verdade a associação acaba se tornando um instrumento para legitimar todas as despesas, que também a gente não tem conhecimento. Não temos acesso aos contratos”, explana.

O aluguel, de acordo com Komagata, é o ponto mais sensível. “Existe um aluguel mínimo, previsto em contrato, e com o passar do tempo ele vai ficando muito fora da realidade, porque as receitas das lojas não crescem, ano a ano, na mesma velocidade dos reajustes de aluguel e condomínio e nem do fundo. Com o passar do tempo, o lojista fica estrangulado. E para sair, tem que pagar uma multa pesada.”

Na pandemia, a situação piorou. “O segmento de alimentação tem um custo fixo alto e uma margem pequena. Se houver perda de 10% da receita normal, isso com certeza vai representar prejuízo. Ou seja, não há margem para lidar com essa retomada”, garante. 

Por isso, o empresário – que integra a direção da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) – conta que entidades solidárias à reabertura, mas preocupadas com o custo dessa retomada, enviaram uma carta aos shoppings e à Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). “A gente sugere uma condição diferenciada, na qual o custo total de ocupação é um percentual sobre a venda – como acontece com as lojas âncoras, as maiores. As lojas menores, satélites, pagam aluguel mínimo, fundo de promoção e condomínio”, esclarece.

Para ele, o cenário atual apenas expõe uma ferida antiga. “Os custos de shopping estão fora da realidade”, critica, opinando sobre os possíveis efeitos de manter os custos de ocupação como habitual: “A gente vai ter uma quebradeira e um fechamento generalizado.”

Apesar do movimento de pessoas, vendas estão fracas. Foto: Jess Carvalho

Repercussão

A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) informa que as negociações entre lojistas e empreendimentos estão acontecendo caso a caso. “Sempre respeitando as particularidades de cada local e mantendo o uso de boas práticas”, ressalta. “Os esforços dos shoppings centers estão indo além e já garantiram R$ 2 bilhões em economia para os lojistas, através de medidas como suspensão de aluguéis, isenção de fundo de promoção e redução de custo condominial.”

A entidade acrescenta que tem atuado junto aos três poderes e pede calma ao segmento. “Estamos apresentando propostas sérias e responsáveis do setor de shoppings para enfrentar esse período desafiador para todos de forma serena e organizada. O momento exige um diálogo permanente entre todos, visando uma colaboração mútua.”

O Park Shopping Barigui defende que a reabertura foi tranquila, com pouco movimento de clientes. “Não houve tumulto, nem aglomeração de pessoas na reabertura do shopping. O acesso foi controlado com distanciamento na fila de entrada, medição de temperatura, uso de tapetes sanitizantes e dispensador de álcool gel para higienização das mãos. No mall, bastante espaço livre para circulação e limpeza constante dos corrimãos. Nas lojas, todos os vendedores com máscaras individuais. Na praça de alimentação, pouca gente na hora do almoço e com distanciamento seguro”, destaca, em nota. “A Vigilância Sanitária esteve no shopping no dia de reabertura, segunda-feira (25), para fiscalização das medidas adotadas e não constatou irregularidades”, garante.

A Assessoria de Imprensa do Shopping Jardim das Américas afirma que o estabelecimento está seguindo as regras sanitárias, e que não tem recebido cachorros no pet shop. Também assegurou que não houve mudanças no sistema de ar condicionado. 

O Jockey Plaza destaca estar seguindo as normas propostas pela Secretaria de Saúde.

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