Após o Plural publicar a repercussão da reabertura dos shoppings de Curitiba, decido ver com meus próprios olhos como está o movimento no mais pertinho de casa.
Vou caminhando até o Centro Cívico. Faço o possível para evitar tocar em qualquer coisa ou pessoa no trajeto, mas quando chego ao meu destino, percebo que talvez esteja mais preocupada que a média.
Paro em frente à entrada faltando dez minutos para o meio-dia. Há um grupo de mulheres conversando de maneira descontraída perto da farmácia. Pelo menos vinte pessoas se espalham ao lado, esperando os seguranças liberarem o acesso. Algumas sentadas no chão, outras com a máscara no queixo.
Em dez minutos, a desorganização se transforma numa longa fila que não para de crescer. Consigo ver gente até a esquina — e certamente o distanciamento entre clientes não chega a 30 centímetros.
Já na porta, um dos seguranças aponta uma pistolinha, que parece de cola quente, em direção à minha testa. Espero que ele consinta com a cabeça e entro no shopping. Aparentemente minha temperatura está adequada.
De primeira, vejo várias lojas com aquelas faixas listradas usadas para demarcar cenas de crime. Ou cones de trânsito. A ideia é limitar a passagem para manter o controle de quem chega, mesmo com equipe reduzida.
A maior parte das lojas já abriu. Entro numa delas e ouço músicas otimistas cantadas em inglês, entrecortadas por um aviso: caros clientes, vamos juntos minimizar os efeitos da pandemia, usem e abusem do álcool gel (ou algo assim)!
Funcionários conversam animados, meia dúzia de clientes pegam nas roupas. Uma loura passeia com o namorado, segurando um shortinho jeans no cabide.
Subo até a praça de alimentação. Noto que nem todos os restaurantes estão abertos, mas é nesse espaço que acontece a maior movimentação do shopping. Várias pessoas sem máscara, sentadas, esperando a comida ser anunciada nos painéis. Alguns se amontoam desordenadamente em frente aos estabelecimentos mais baratos. Não há marcações para filas.
Dou uma volta e desço. Perto da escada rolante, um rapaz com histórico de atleta mexe no celular de máscara, mas com o nariz para fora. Ele não é o único. A caminho da saída, vejo mais três pessoas exibindo as narinas. Outras cinco nem se dão ao trabalho: partem logo para a clássica máscara no queixo. Duas adolescentes comem na descida – mão no corrimão, mão na boca. Três pessoas idosas desfilam pelos corredores.
Já na saída, me deparo com outra senhora que parece fazer parte do grupo de risco da covid-19. O segurança diz alguma coisa, ela responde, ele aponta a pistolinha, abaixa a pistolinha, ela entra. Sem apresentar documento nem preocupação.
Percebo que recebi algumas mensagens no celular, mas não consigo ver, há uma urgência. Corro para casa desejando um bom banho. Só volto para checar o WhatsApp depois de me higienizar dos pés à cabeça.
De toalha no cabelo, ouço os áudios de uma amiga.
“Olha o que me aconteceu. Eu tive que ir ao banco para abrir a conta da minha empresa. Só podia fazer isso pessoalmente. Já começou que assim, tava uma fila gigante. A galera não tava respeitando o distanciamento. Tinha gente que chegava sem máscara, ficava em aglomeração, conversando, torrando no sol. Tava com fome e só fui atendida duas horas depois.
Quando eu tava sendo atendida, veio um segurança e pediu ao gerente que tava me atendendo que chamasse a polícia, bem discretamente. Eu já fiquei: meu Deus, o que tá acontecendo, é um assalto??? Mas ele explicou que tinha um cara nos caixas eletrônicos que tava se recusando a usar máscara, causando tumulto. No fim, o cara bateu boca e foi embora sozinho.
Já fiquei pensando: não acredito que essas pessoas existem…
Saí do banco e aproveitei pra passar no mercado. De repente, vejo uma moça andando de mãos dadas com o namorado, sem máscara. Sabe quando a pessoa tá fazendo uma caminhada a passeio, sem pressa nenhuma, aproveitando a vida? Na hora, eu não sei se era fome, não sei o que foi, mas me deu um negócio, que eu falei: não vou deixar passar.
Ela já tava saindo do mercado, apressei o passo pra alcançar. Cheguei e falei: acho que você esqueceu de usar máscara lá dentro, né, moça? Não fui agressiva nem nada, só falei mesmo. Ela me olhou e respondeu com a seguinte frase: e daí? Eu queria ter gravado, porque é muita fanfic. Retruquei: e daí que você tá colocando todo mundo em risco. Ela falou de novo: e daí?
Você acredita?”
Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados, já dizia o Aldous Huxley. Começo o meu áudio-resposta dizendo que acredito – e retomo este texto do começo.