Shopping reabrindo: você acredita?

Tal qual São Tomé, sou aquela que precisou ver para crer

Após o Plural publicar a repercussão da reabertura dos shoppings de Curitiba, decido ver com meus próprios olhos como está o movimento no mais pertinho de casa.

Vou caminhando até o Centro Cívico. Faço o possível para evitar tocar em qualquer coisa ou pessoa no trajeto, mas quando chego ao meu destino, percebo que talvez esteja mais preocupada que a média.

Paro em frente à entrada faltando dez minutos para o meio-dia. Há um grupo de mulheres conversando de maneira descontraída perto da farmácia. Pelo menos vinte pessoas se espalham ao lado, esperando os seguranças liberarem o acesso. Algumas sentadas no chão, outras com a máscara no queixo.

Em dez minutos, a desorganização se transforma numa longa fila que não para de crescer. Consigo ver gente até a esquina — e certamente o distanciamento entre clientes não chega a 30 centímetros.

Foto: Jess Carvalho/Plural

Já na porta, um dos seguranças aponta uma pistolinha, que parece de cola quente, em direção à minha testa. Espero que ele consinta com a cabeça e entro no shopping. Aparentemente minha temperatura está adequada.

De primeira, vejo várias lojas com aquelas faixas listradas usadas para demarcar cenas de crime. Ou cones de trânsito. A ideia é limitar a passagem para manter o controle de quem chega, mesmo com equipe reduzida.

Foto: Jess Carvalho/Plural

A maior parte das lojas já abriu. Entro numa delas e ouço músicas otimistas cantadas em inglês, entrecortadas por um aviso: caros clientes, vamos juntos minimizar os efeitos da pandemia, usem e abusem do álcool gel (ou algo assim)!

Funcionários conversam animados, meia dúzia de clientes pegam nas roupas. Uma loura passeia com o namorado, segurando um shortinho jeans no cabide.

Subo até a praça de alimentação. Noto que nem todos os restaurantes estão abertos, mas é nesse espaço que acontece a maior movimentação do shopping. Várias pessoas sem máscara, sentadas, esperando a comida ser anunciada nos painéis. Alguns se amontoam desordenadamente em frente aos estabelecimentos mais baratos. Não há marcações para filas.

Foto: Jess Carvalho/Plural
Foto: Jess Carvalho/Plural

Dou uma volta e desço. Perto da escada rolante, um rapaz com histórico de atleta mexe no celular de máscara, mas com o nariz para fora. Ele não é o único. A caminho da saída, vejo mais três pessoas exibindo as narinas. Outras cinco nem se dão ao trabalho: partem logo para a clássica máscara no queixo. Duas adolescentes comem na descida – mão no corrimão, mão na boca. Três pessoas idosas desfilam pelos corredores. 

Foto: Jess Carvalho/Plural

Já na saída, me deparo com outra senhora que parece fazer parte do grupo de risco da covid-19. O segurança diz alguma coisa, ela responde, ele aponta a pistolinha, abaixa a pistolinha, ela entra. Sem apresentar documento nem preocupação.

Foto: Jess Carvalho/Plural

Percebo que recebi algumas mensagens no celular, mas não consigo ver, há uma urgência. Corro para casa desejando um bom banho. Só volto para checar o WhatsApp depois de me higienizar dos pés à cabeça.

De toalha no cabelo, ouço os áudios de uma amiga.

“Olha o que me aconteceu. Eu tive que ir ao banco para abrir a conta da minha empresa. Só podia fazer isso pessoalmente. Já começou que assim, tava uma fila gigante. A galera não tava respeitando o distanciamento. Tinha gente que chegava sem máscara, ficava em aglomeração, conversando, torrando no sol. Tava com fome e só fui atendida duas horas depois.

Quando eu tava sendo atendida, veio um segurança e pediu ao gerente que tava me atendendo que chamasse a polícia, bem discretamente. Eu já fiquei: meu Deus, o que tá acontecendo, é um assalto??? Mas ele explicou que tinha um cara nos caixas eletrônicos que tava se recusando a usar máscara, causando tumulto. No fim, o cara bateu boca e foi embora sozinho.

Já fiquei pensando: não acredito que essas pessoas existem…

Saí do banco e aproveitei pra passar no mercado. De repente, vejo uma moça andando de mãos dadas com o namorado, sem máscara. Sabe quando a pessoa tá fazendo uma caminhada a passeio, sem pressa nenhuma, aproveitando a vida? Na hora, eu não sei se era fome, não sei o que foi, mas me deu um negócio, que eu falei: não vou deixar passar.

Ela já tava saindo do mercado, apressei o passo pra alcançar. Cheguei e falei: acho que você esqueceu de usar máscara lá dentro, né, moça? Não fui agressiva nem nada, só falei mesmo. Ela me olhou e respondeu com a seguinte frase: e daí? Eu queria ter gravado, porque é muita fanfic. Retruquei: e daí que você tá colocando todo mundo em risco. Ela falou de novo: e daí?

Você acredita?”

Foto: Jess Carvalho/Plural

Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados, já dizia o Aldous Huxley. Começo o meu áudio-resposta dizendo que acredito – e retomo este texto do começo.

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