Polícia Civil proíbe “ostentação” nas redes e muda relação com imprensa; delegados acusam censura

Resolução também barra manifestação política em canais internos. Associação dos delegados entrou com mandado de segurança para invalidar texto, que já foi modificado

O investigador se aproxima de um suspeito que cochila no sofá. Emite um “psiu” de leve e o homem desperta, sem se pôr em pé ou ensaiar qualquer outra reação. “Qual o seu nome?”, questiona o agente. O detido responde, visivelmente sob efeito de drogas. “Então, levanta, e sem gracinha, tá entendendo? Se não é daquele jeito e bora lá”, determina o policial civil em mudança de tom.  

A cena toda foi documentada e compartilhada. Não sob insígnia oficial da Polícia Civil do Paraná (PCPR), apesar do vínculo institucional, mas pelo próprio servidor em seu perfil privado no Facebook e Instagram – ele tem ainda uma conta no YouTube, aparentemente desativada nos últimos dias. O vídeo termina com o suspeito sendo conduzido para dentro da delegacia, ao som de uma música pop aos moldes dos conteúdos popularizados pela rede social TikTok. Ao final, sobe uma vinheta personalizada que designa dezenas de outros materiais semelhantes compartilhados pelo servidor, embalada por uma conhecida música de um clássico do cinema de faroeste da década de 1960.

O conteúdo foi publicado no dia 23 de novembro passado. Engajou dezenas de comentários de apoio velado, inclusive de políticos locais, e pareceu servir como entretenimento para outra boa parte dos internautas. Mas, em breve, terá de sair do ar. Resolução editada pelo Conselho da PCPR estabelece a partir de agora regras para o uso das redes sociais por seus servidores, inclusive delegados, à mercê de uma nova política de comunicação social da instituição.

O conjunto de normas caiu indigesto. Desde que publicado no Diário Oficial, na segunda-feira (21), vem sendo questionado pelas mudanças propostas. O texto não trata apenas das redes sociais, mas condiciona a relação de investigadores e delegados com a imprensa a um formato padrão, englobando, por exemplo, novas práticas de entrevistas e de posicionamento institucional. Para a PCPR, trata-se de uma medida para uniformizar procedimentos, fortalecer a imagem da instituição e garantir o tratamento igualitário a todos os veículos de comunicação; já os servidores o veem como um mecanismo de censura.

Nesta quarta (23), a Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Paraná (Adepol) levou o caso à Justiça. Quer efeito suspensivo do ato do Conselho, o qual, segundo a entidade, extrapola a mera recomendação, viola direitos constitucionais e cerceia “a liberdade de expressão e comunicação dos Policiais Civis do Paraná, com potencial de imediatamente lhes submeter à procedimentos disciplinares e impor sanções disciplinares”.

A ação discute pelo menos dez dos 34 artigos do texto redigido pela polícia, que, diante das críticas, já passou por mudanças. No início da tarde desta quinta (24), o órgão máximo da corporação adaptava a redação para reduzir a margem de contestação.

O texto inicial divulgado pela corporação proibiu jornalistas de acompanhar ações policiais, e delegados de concederem entrevistas a veículos sem autorização superior, prática comum no meio.

A participação dos agentes em programas ou palestras para tratar de assuntos institucionais de qualquer natureza e o compartilhamento direto de conteúdos derivados de operações e diligências sem análise prévia também foram barrados.

A entidade dos delegados sustenta haver violação do direito à livre comunicação e embaraço à liberdade de informação jornalística. E cresceu os argumentos contra os novos princípios determinados quanto ao uso das redes sociais institucionais e privadas pelos servidores.

De um modo geral, a resolução encadeia elementos que já vêm sendo adotados por forças de outros estados. No fim de janeiro, a Polícia Civil de Santa Catarina proibiu agentes de usarem os equipamentos públicos – como armas e viaturas – para “ostentarem” nas redes sociais, no mesmo caminho tomado pela Polícia Militar de São Paulo um mês antes.

A resolução do Paraná, na prática, impede vídeos como o descrito no início do texto de seguir circulando pelas redes sociais nos perfis particulares dos servidores, ou seja, sem qualquer supervisão e que, devido ao engajamento, podem levar à “obtenção de lucro, vantagem material ou imaterial” ou, ainda, “autopromoção midiática”.

Por mais rasa a busca, não é difícil encontrar nas redes sociais fotos e vídeos com hashtags de menções específicas à Polícia Civil do Paraná em condutas semelhantes a ora citada: foto de agentes em meio a armas pesadas, dentro das viaturas, a serviço, e durante operações.

O uso de equipamentos institucionais como armas, trajes e viaturas em postagens particulares, portanto, passa a ser proibido. As famosas montagens de logos da polícia com materiais apreendidos é outro ponto banido – assim como memes de servidores envolvendo a corporação. Na mesma leva, entra o fim da divulgação de imagens de delegacias e edifícios da polícia.

“Absolutamente ilegal impedir que os policiais possam divulgar imagens dos prédios ou viaturas da Polícia Civil. Não há qualquer vedação legal que autorize a disposição da resolução. Ora, se um policial quiser denunciar publicamente as precárias condições da delegacia, das viaturas ou de qualquer equipamento, não poderá fazê-lo?”  

Nota da Adepol.

Opinião política

O novo texto toca em outro ponto polêmico ao vedar os servidores da corporação de “qualquer manifestação pessoal/opinativa, de cunho ideológico, político-partidário ou sindical” nas páginas das unidades policiais em redes sociais ou em canais de comunicação como Whatsapp, por exemplo, de uso comum no relacionamento com a imprensa.

O entendimento da associação é que a medida se estende aos grupos de chat de cada unidade policial. “Evidentemente não é admissível que os policiais sejam cerceados de manifestarem qualquer tipo de opinião nos grupos de WhatsApp ou de outras redes sociais nos quais constem os demais colegas de trabalho”, contestam os delegados, que também mostraram contrariedade ao texto de proibição do compartilhamento de fake news entre os agentes. “É certo que ninguém deve apoiar fake news, mas para que isso passe a ser um tipo infracional isso precisa respeitar a reserva de lei formal, além de estabelecer quais parâmetros serão utilizados para que se defina o que seja informação inverídicas”, alegam os agentes de carreira.

A Polícia Civil decidiu mexer no texto da resolução e alterou alguns dos dispositivos indagados. Mas contestou ter interesse em restringir o acesso à informação.

“Ao contrário, a nova resolução tem por objetivo proporcionar isonomia, profissionalizar e melhorar o trabalho de comunicação social da Polícia Civil, junto à imprensa de todo o estado agilizando e uniformizando o acesso a dados, fontes e serviços”, diz o texto, acrescentando que o intuito da nova resolução é corrigir falhas e coibir privilégios a meios de comunicação específicos, democratizando o atendimento à imprensa. “Todo jornalista deve ser atendido em suas demandas e de maneira transparente.”

A nova versão do documento, que ainda será publicada no Diário Oficial, retoma a possibilidade de jornalistas de acompanharem operações policiais, mas não de perto.

Desde que não ligadas a ocorrências graves e com potencial de impacto, as entrevistas com delegados também são mantidas em formato descentralizado, ou seja, sem necessidade de autorização prévia, e a validação por um superior para participação de palestras só será necessária quando se tratar de assuntos referentes a planejamento, gestão institucional e abordagem de indicadores estatísticos.

O compartilhamento de conteúdos como imagens de operações segue praticamente como é hoje, sendo feito pela equipe de comunicação ou por servidores da unidade credenciados.

Quanto ao uso das redes sociais, volta a ser liberada a menção do cargo policial ocupado nos perfis particulares. A ostentação com equipamentos públicos continua proibida, e o impasse das fake news ficou mais objetivo: policiais não podem compartilhar ou manifestar apoio a conteúdo ou informações sabidamente falsas.

A partir da nova data de publicação, os servidores terão 30 para se adequar às novas normas.

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