O skate curitibano, que se firmou na raça e no improviso, domina as principais pistas do mundo

Mais popular e com a cultura modificada pela tecnologia, skate curitibano chega ao topo do mundo

Essa reportagem faz parte da série que o Plural publica sobre a cultura do skate em Curitiba, desde 1970 até os dias atuais.

Desde os anos 2000, o skate segue crescendo rapidamente em Curitiba e no mundo. No Brasil, de acordo com uma pesquisa do Datafolha, havia cerca de 4 milhões de skatistas em 2009. Seis anos depois, esse número subiu para 8,5 milhões, sendo 81% homens e 19% mulheres. É nesse cenário de popularização e transformações trazidas pela tecnologia que se formam as atuais gerações de skatistas curitibanos.

A partir de 2010, a inserção da tecnologia na cultura do skate faz com que ela se torne cada vez mais acessível a crianças, jovens e adultos que desejam fazer parte desse universo. Agora, na cena urbana, além do skatista, passa a estar presente também o fotógrafo ou videomaker, captando todas as manobras, descidas e flips, sejam elas em ruas, rampas ou pistas.

Essas produções audiovisuais, posteriormente publicadas em canais por meio dos quais o skate encontra maior visibilidade e propagação, como as redes sociais e o Youtube, trouxeram diversas mudanças para a prática, como alterações nas roupas, estilo de andar e no modo de divulgar o skate – que para muitos se tornou uma profissão.

Desde criança, o estudante Matheus Luz, de 23 anos, brincava com o skate. Natural de Curitiba, Matheus cresceu no bairro São Braz e conta que a paixão pelo skate surgiu quando viu um homem subindo um meio fio com o shape. “Eu não entendi como o cara fazia o skate grudar no pé dele e eu queria fazer aquilo.” Logo, o menino ganhou o primeiro skate da mãe e começou a andar nas pistas da cidade, construir rampas e descer ladeiras com os amigos do bairro.

Atualmente, mesmo dividindo o tempo entre a faculdade, o trabalho e o skate, Matheus anda pelo menos duas vezes por semana pelas ruas da cidade, geralmente acompanhado por um cameraman para produzir clipes, filmes e fotografias. “Skate para mim é tudo. É amizade, cultura, diversão, adrenalina. É o que eu mais gosto de fazer.”

Matheus, em 2019. Foto: Arquivo pessoal

O skatista e estudante Olavo Andreucci Lindstron, de 25 anos, recorda que antes, para ver um vídeo de skate, era preciso ir até uma das lojas da Drop Dead e alugar um DVD. “Mas isso começou a ficar acessível com o Youtube e outros canais de skate. Era uma produção de conteúdo muito grande. Foi um turning point.”

Olavo conta que começou a demonstrar interesse pelo skate aos 7 anos, mas que como morava em um prédio no Água Verde onde a prática era proibida – além de ser novo demais para pegar ônibus sozinho e os pais não conhecerem as pistas de Curitiba -, o garoto andava na rua de casa, quando podia. 

“Eu era muito skate nerd. Jogava todos os jogos, ia atrás de revista, DVD. Eu era um farofa no skate, mas já me conectava com a cultura”, relembra. Aos 11 anos começou a fazer aulas na Drop Dead Skatepark (aquela inaugurada em 1998 que hoje é a Curitiba Skatepark), onde hoje é instrutor de skate.

“São coisas [no skate] que parecem impalpáveis, inalcançáveis, mas de repente parece que podem dar certo para você. O skate faz você acreditar que é possível”.

O skate como profissão 

O skatista e estudante de Educação Física de 20 anos, Augusto Akio, conta que a primeira vez que seus olhos se depararam com o skate foi aos 7 anos, através da tela da televisão. Depois que seu próprio skate chegou como presente de natal, não demorou muito para que o atual integrante do grupo Lowpressure Fam começasse a viajar para São Paulo em busca de campeonatos e torneios.

Entre 2011 e 2017, Augusto correu o Circuito Brasileiro Amador nas categorias mirim (até 13 anos), iniciante (até 16 anos) e amador, nos quais se consagrou campeão iniciante brasileiro de bowl e half. A partir de 2018, conseguiu o título de campeão brasileiro de pool e o terceiro lugar no Campeonato Mundial de Half, em Barcelona, na Espanha. No ano seguinte, Augusto foi o 6º colocado no vertical dos X Games, principal competição mundial de skate.

“O skate me proporcionou muita coisa boa, conheci muitas pessoas, lugares, fiz grandes amizades através do skate e é por isso que eu amo, por isso que eu ando”, afirma Augusto, que pretende terminar os estudos e seguir a carreira como skatista.

Quem também vê no skate um futuro profissional, ainda que com apenas 11 anos, é a curitibana Maitê Demantova, atleta da Seleção Brasileira Júnior de Skate e campeã brasileira em 2018.

Maitê começou a fazer manobras com o shape há quatro anos, por influência do pai, Marcos. Ela logo ganhou seu primeiro skate e passou a dividir as ruas e pistas com o novo instrutor, Marcelo Kosake, importante skatista dos anos 1990. “O Marcelo Kosake foi abrindo as portas para ela. Nos apresentou para o pessoal, apresentou as pistas e desde então, desses quatro anos que ela anda de skate, ela não passou mais do que três dias sem andar”, relata Marcos. 

O que Maitê mais gosta de praticar é o park, modalidade que consiste em um bowl – pista em formato de piscina – com paredes de três a quatro metros, outras menores, chamadas de banks e alguns elementos de street, e o faz geralmente na pista do Ambiental e no John Bull. “Pra mim, o skate significa amizade. A família que você constrói no skate é muito grande. Mas tem que ter foco, dedicação, cair e levantar, porque o skate é assim, e quando você pegar o jeito você vai ver que é uma felicidade enorme”, afirma a skatista, que sonha em participar das Olimpíadas de Paris, em 2024.

Recentemente, outro curitibano fez história no esporte: Gui Khury, de apenas 12 anos, foi o primeiro skatista do mundo a completar um 1080º em uma competição de vertical. Com a manobra – quando o skatista dá três giros completos no ar, ele conquistou a medalha de ouro na prova de melhor manobra dos XGames, em Vista, Califórnia (EUA), derrotando a lenda Tony Hawk.

2021: o skate como esporte olímpico

A entrada do skate nos jogos olímpicos de Tóquio vem rendendo discussões entre skatistas e pessoas envolvidas com a área. Isso porque, ao mesmo tempo que o evento torna-se um meio para dar visibilidade a uma prática que sempre sofreu com a marginalização e o preconceito, alguns temem que a atenção se direcione não à cultura do skate em si, mas apenas ao skate como um esporte de rendimento.

Para o skatista dos anos 1970, Fernando Johnson, as Olimpíadas são um marco para que o skate tenha reconhecimento entre a sociedade. “É disso que os skatistas precisam, respeito. E prestem atenção nos próximos anos, vocês verão muito do skate ainda”, afirma. 

Larissa Carollo, skatista desde 1999, destaca que, agora, muitas pessoas começarão a andar e falar sobre skate, mas é importante que elas entendam “a filosofia do skate, o que é ser skatista e que isso é muito maior que qualquer outra coisa”. 

O instrutor e skatista Olavo Andreucci Lindstron relembra que a competição sempre foi parte da essência do skate. Por meio de campeonatos e circuitos que os skatistas eram reconhecidos e valorizados. No entanto, ele entende que, após as Olimpíadas, as pessoas não enxergarão o skate e sim o esporte olímpico. “O skate ainda é marginalizado. As pessoas estão contentes porque está naquele espaço reservado para o skate. O modo que me tratam na rua não mudou. O modo como continuam olhando o skatista e enxergando o skate continua sendo de uma maneira ofensiva em relação a gente. Ninguém quer ver o skate andando na praça ou na frente da própria casa. A essência do skate ainda é negligenciada. Eu apenas torço para que a coisa certa seja valorizada”, afirma.

Assim como o instrutor da Curitiba Skatepark, Matheus Luz também acredita que depois das Olimpíadas muitas pessoas vão querer começar a andar de skate, não apenas por diversão, mas com foco em se tornar atleta ou skatista profissional. Contudo, o estudante vê um ponto positivo nessa exposição do skate para a sociedade: “acho que é legal para a galera ver que skate não é coisa de criança, que todo mundo acha. Tem gente que vive do skate. Pô, precisa respeitar um pouco mais o skate. Acima de tudo, skate tem que ser diversão.”

Para Marcos, pai de Maitê Demantova, o recado que o skate mandou para o mundo foi de que existe, de fato, competição, mas que o mais importante é a união, a amizade e a diversão que ele proporciona. “Um torce para o outro e quanto mais gente estiver andando melhor, porque essa família só vai aumentar e vai todo mundo torcer um pelo outro.”

O futuro

Tanto em Curitiba quanto no resto do mundo, o futuro do skate se anuncia brilhante. Porém, ainda que em constante evolução e atraindo cada vez mais adeptos, a prática continua enfrentando a falta de incentivo e gestão pública no que diz respeito à atualização e manutenção de pistas e à promoção de eventos e campanhas relacionadas ao skate.

“O skate tem um potencial enorme como ferramenta de inclusão social e transformação de vidas. Esperamos que o governo identifique esse potencial e trabalhe em prol do skate e não contra, como é de costume”, afirma Raphael Urso, skatista dos anos 1990. 

De acordo com a Prefeitura de Curitiba, existem 34 pistas públicas na cidade, cujas localizações e informações detalhadas podem ser encontradas no site da prefeitura. Atualmente, o órgão estuda a criação de novos locais para a prática do skate.

Em nota, a Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude (Smelj), informou que “incentiva a prática do skate na cidade e busca constantemente, com entidades engajadas na modalidade, formas de promover o esporte em Curitiba, sempre levando em conta a especificidade desta modalidade esportiva”. 

A Smelj atua nas ações do Lazer na Cidade, que acontecem na Rua XV, Arcadas e Centro Cívico, ofertando gratuitamente equipamentos para a prática do skate. Durante a Semana Municipal do Skate – celebrada na terceira semana do mês de junho, conforme a Lei Lei 14.458, de 13 de junho de 2014 – a pasta desenvolve, em parceria com a Secretaria Municipal da Educação (SME), “uma série de ações para promover o skate e incentivar sua prática entre as crianças e jovens das escolas públicas municipais”. 

Este ano, a Smelj tem cinco projetos aprovados pelo Programa Municipal de Incentivo ao Esporte, sendo quatro de pessoas físicas na modalidade Downhill/Street Luge e um de pessoa jurídica para o desenvolvimento e promoção do skate entre crianças e jovens em contraturno escolar.

Além de esporte, skate é uma forma de ver e viver o mundo. É uma cultura urbana, uma identidade e um estilo de vida, tudo ao mesmo tempo. Há décadas, o skate vem ensinando gerações a se relacionar e interagir com a cidade de uma maneira diferente, se opondo ao vício de enxergá-la como apenas um conjunto de edifícios e construções estáticas.

A cultura do skate em Curitiba é diversa, multifacetada e permeada por muitos nomes que não puderam estar presentes nesta série de reportagens. Com esta matéria, o Plural não teve a intenção de esgotar todas as facetas e espectros da identidade do skate na cidade. O texto é apenas um arranhão da superfície desta história múltipla e plural que é a história do skate. 

Reportagem sob orientação de João Frey

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