O que leva a tantas cesáreas

Falta informação para as mães, estímulo para os médicos e estrutura para os hospitais. Questão já se tornou cultural em Curitiba, onde 82% dos bebês nascem por cirurgias obstétricas

Em países desenvolvidos, como na França e na Suécia, o índice de cesarianas não ultrapassa os 20%. Nos EUA e na Alemanha, apenas 30% dos bebês nascem durante uma cirurgia obstétrica. No Brasil, índices do Ministério da Saúde mostram que as cesáreas chegam a 85% nas maternidades privadas, enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS) atingem 55%. Apesar de haver diretrizes atuais apontando para que o máximo de cesarianas no país chegue a 29%, a Organização Mundial da Saúde defende que 85% dos partos devem ser naturais. Mas estamos bem longe disso.

Em Curitiba, em 2019, 82% de todos os nascimentos na Rede Privada de Saúde foram por parto cesáreo. Na Rede Pública, a cirurgia foi realizada em 37% das gestantes. Os dados são do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) e vêm só crescendo nos últimos anos.

Em um levantamento exclusivo, o Plural analisou dados das Declarações de Nascidos Vivos em Curitiba, entre os anos 2014 e 2017. A série ‘Nascer Bem’, do Plural, revela um total de 140,5 mil partos neste período na Capital; sendo 86 mil por cesárea (61%) e 54,5 mil por parto normal (39%).

A maternidade onde mais nasceram bebês foi na Santa Brígida (20,9 mil), seguida da Mater Dei (17,8 mil) e da Santa Cruz (14,9 mil). Logo após, vêm a maternidade Nossa Senhora de Fátima (13,5 mil), a Nossa Senhora das Graças (12,6 mil) e a Maternidade Curitiba (11,3 mil).

Entre as públicas, o Hospital do Trabalhador foi o que realizou mais partos entre 2014 e 2017 (11,6 mil). Em seguida, aparecem o Hospital Evangélico/ Mackenzie (10,7 mil), e as maternidades Victor Ferreira do Amaral (10,5 mil), Bairro Novo (8,5 mil) e o Hospital de Clínicas (6,8 mil).

Entre todas as maternidades, as que – no período citado – apresentam o maior índice de cesáreas são: Nossa Senhora de Fátima (86%), Curitiba (86%) e Nossa Senhora das Graças (85%). Depois, estão a Santa Brígida (84%) e a Santa Cruz (81%).  A Maternidade Mater Dei – que atende pelo SUS e é do mesmo grupo do Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG) – tem a menor taxa entre as particulares: 33%.

Nos hospitais públicos, a taxa de cirurgias obstétricas cai, mas ainda não é a ideal. Nos dois hospitais-escolas, que atendem gestantes de alto risco do SUS, os dados são quase iguais: Hospital de Clínicas 53% e Hospital Evangélico/Mackenzie 48%.

Já no Hospital do Trabalhador (gerido pelo governo do Paraná), as cesáreas representam 33% dos partos, enquanto na Maternidade Bairro Novo (da Prefeitura de Curitiba) elas somam 26%, e na Victor Ferreira do Amaral 25%. Esta última é administrada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em parceria com o governo do Estado e a Prefeitura de Curitiba.

Indústria das cesáreas

A cesariana foi o método escolhido pela assistente comercial Elizete Souza para ter seu primeiro filho, há oito anos, e também para a segunda filha, que já tem data e local certos pra vir à luz: 16 de março, na Maternidade Curitiba. “Por saber que já está marcado o dia, me senti bem mais segura e tranquila. Não me assusta a cirurgia e o pós-operatório, mas sim o parto normal, por não saber o momento certo em que tudo vai acontecer e também por ter pessoas próximas que realizaram o normal e não tiveram experiências muito boas”, explica a gestante.

Segundo especialistas, o aumento no número de cesáreas no Brasil pode ser explicado por mudanças culturais, no estilo de vida e nas práticas médicas, pelo modelo de assistência e pela estrutura hospitalar.

“A grande questão é por conta do modelo de assistência, que é mais fácil de vender e de controlar, pois tudo que controlamos é mais fácil. Como tudo hoje gira em torno do lucro, o retorno financeiro não vale o desgaste de ficar horas esperando uma criança nascer. Então, se ‘vende’ a cesariana como algo bom e vantajoso”, avalia a enfermeira mestre em Tecnologia em Saúde, Adelita Denipote, doutoranda em Enfermagem Obstétrica.

“Pode-se fazer uma cesárea por hora, pois é algo organizado, controlado, ao passo que o normal você precisa desmarcar o consultório todo, não se consegue programar ou ter controle. Então, por mais que o convênio pague mais, não compensa pro médico o parto normal, e acaba sendo desestimulante.”

A enfermeira lembra que a cirurgia também é lucrativa para as instituições, que ganham pela quantidade de partos nos centros cirúrgicos.  “Um parto normal vai demandar 18 horas ou mais. Nesse tempo, quantas cirurgias não poderiam ser feitas e quanto essa maternidade poderia estar ganhando ou perdendo”, pondera. “Ainda continuamos vivendo uma indústria de cesarianas, infelizmente.”

De acordo com a OMS, as causas na redução dos partos normais também podem estar relacionadas ao aumento da obesidade, da idade das gestantes e dos nascimentos múltiplos. Também são citados, a diferença no estilo de prática profissional e fatores organizacionais, sociais, econômicos e culturais.

O medo é cultural

A questão é mesmo cultural, percebe a presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Paraná (Sogipa), Rita Zanini, doutora em ginecologia e professora da UFPR. “Muitas vezes, não há uma orientação adequada durante o pré-natal. As mulheres vivem uma vida diferente hoje, corrida, repleta de ansiedade e isso faz com quem muitas achem que não vão suportar o período do trabalho de parto. Então já chegam no consultório pedindo a cesárea. Nestes casos, é papel do médico conversar e mostrar os riscos de uma cirurgia, que tem muito mais complicação e uma maior taxa de morbidade.”

A obstetra destaca que já existem normativas e boas práticas aos partos, equipes multiprofissionais que orientam a mulher quanto à segurança no parto natural, mas a questão é cultural. “É difícil desconstruir essas teorias. Quanto maior for a conscientização, reduzirá o enredamento do medo.”

No entanto, ressalta a médica, o processo educacional da população ainda é lento. “Mas já há nichos que priorizam a participação das enfermeiras obstetrícias, das doulas, pra permitir que a mulher se sinta melhor e aceite o parto normal.”

Apoio e orientação profissional

Foi o que fez a pedagoga Graziele Tavares, que teve seu filho, Micael, há três meses na Maternidade Curitiba. Decidida ao parto normal, ela contratou a assistência de uma enfermeira obstetra e uma doula. Passou por 24h de trabalho de parto, mas precisou ir para cesárea de emergência.

“Foi tudo muito tranquilo pois, ao contrário de muitas mulheres, me informei muito e sabia quais razões poderiam me levar a uma cesariana, e quais não. Este conhecimento e a humanidade dos profissionais, que respeitaram minha escolha, foram primordiais, assim como o Plano de Parto”, recorda a mãe, contando que, assim que engravidou, buscou apenas médicos considerados humanistas, aqueles que priorizam e incentivam o parto normal.

Graziele com Micael, o esposo, a doula e a enfermeira que os auxiliaram no parto. Foto: Arquivo Pessoal

“A obrigação do médico é demonstrar as evidencias cientificas internacionais, dizendo que para 85% das gestantes o melhor é o parto vaginal. Assim como há em qualquer outro tratamento, temos obrigação de demonstrar protocolo”, enfatiza a médica obstetra Juliana Chalupe Amado, do Grupo Nascer, de Curitiba. “O limite chega quando a gestante assina um termo recusando o parto normal. Ela tem livre arbítrio, mas o médico tem que explicar o que é melhor pra ela e pro bebê.”

Para a pedagoga Jessica Perusso, o melhor foi esperar a vontade de Lívia, que chegou com 37 semanas, por cesárea, na maternidade Nossa Senhora de Fátima, após a bolsa estourar e a mãe não ter dilatação. “Meu médico não se posicionou com relação a nenhum tipo de parto, porém, não quis marcar a cesárea e esperamos a opção dela. Se eu tivesse outro filho, eu faria é o que é melhor pra ele e não escolheria de novo”, garante.  

Humanização do parto

A Maternidade Bairro Novo, que atende as gestantes de baixo risco das Unidades Básicas de Saúde de Curitiba, registra a segunda menor taxa de cesariana dos quatro anos avaliados pelo Plural: apenas 26%. O modelo humanizado começou a ser implantado em 2013, com a inserção da enfermeira obstetra na linha de cuidados, com autonomia para os partos e ao lado de uma equipe multidisciplinar.

A unidade é referência em parto normal no Município e integra o programa federal Ápice On, focado no atendimento humanizado. “Existe a implantação das políticas do Ministério da Saúde, com as diretrizes da Rede Cegonha, buscando a autonomia da paciente e a qualidade e segurança no atendimento”, assegura a médica e diretora técnica da Maternidade Bairro Novo, Luiza Zapani.

Família comemora nascimento de bebê, por parto normal, na Maternidade Bairro Novo. Foto: Luciana Zenti

A médica obstetra afirma que os índices de parto também estão relacionados ao perfil das gestantes e à qualidade no atendimento. “A paciente, muitas vezes, chega com a demanda da cesárea e não é adequadamente orientada aos benefícios do parto normal, o que procuramos fazer no SUS. Ela tem autonomia em suas escolhas, mas oferecemos métodos não farmacológicos de alívio da dor, doulas voluntárias, para um parto assistido, para que ela se sinta bem segura e entenda que o que buscamos é o melhor pra ela e pro bebê.”

A qualificação da equipe é uma constante e o trabalho em rede essencial. “Há um trabalho em rede, com as maternidades que vão atender a paciente da Unidade de Saúde. Temos reuniões periódicas, revisando indicadores e melhoria de assistência. Nós passamos as demandas e eles fazem o mesmo. Essa integração faz a diferença”, sustenta a diretora.

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