No apagar das luzes, governo quer votar com urgência lei que ameaça autonomia das universidades estaduais

Proposta tramita em regime de urgência. Até OAB-PR já se manifestou pedindo mais tempo para discussão

A seis sessões para o início do recesso legislativo, o governo do Paraná encaminhou à Assembleia Legislativa (Alep) projeto de lei que altera critérios internos de administração, ensino e pesquisa das sete universidades estaduais paranaenses (UEs). O texto redigido pelo Executivo chegou aos deputados na segunda (6), e a apreciação corre apressada, em regime de urgência. Em reação contrária, alunos, docentes e gestores das instituições apontam resvalos na proposta que podem desequilibrar ainda mais a já trôpega situação das instituições e pedem mais tempo para discutir a mudança e mais diálogo para uma elaboração conjunta da reorganização.

A crítica mais voraz é que o modelo enxuga recursos, aumenta a dependência da iniciativa privada e ataca a autonomia das universidades. A independência didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial é garantia legal, prevista na Constituição de 1988. A mudança, acusam, submeteria até mesmo práticas como a contratação de novos professores ao crivo da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) e à anuência da Secretaria da Fazenda (Sefa) e da Secretaria de Estado da Administração e da Previdência (Seap).

Procurado, o governo não concedeu entrevista para comentar as críticas, mas disse, em nota, que o projeto não mexe na autonomia das instituições, apenas cria uma estratégia para padronizar a gestão de pessoal, custeio e investimento a partir de critérios públicos, transparentes e auditáveis, como já ocorre me universidades federais.

Hoje, as universidades ligadas ao estado somam mais de 113 mil vinculados, entre estudantes, professores e servidores. O tamanho da comunidade equivale, por exemplo, à população de Umuarama e supera o total de habitantes de 94% dos municípios do Paraná –  daí a agenda que o tema vem mobilizando.

As modificações estruturais da chamada Lei Geral das Universidades (LGU) conduziram os debates de uma audiência pública organizada pela Frente Parlamentar pela Promoção e Defesa das Universidades Públicas do Paraná da Alep na última quarta-feira (8). O encontro virtual reuniu deputados, representantes das universidades estaduais e de setores da sociedade civil para discutir a natureza e o impacto das mudanças.

“Não admitiremos uma proposta que chega ao apagar das luzes, no final do ano. Na próxima semana, a Assembleia conclui seus trabalhos e entra em recesso. É inadmissível que o governo queira aprovar um projeto dessa magnitude a toque de caixa”, contestou o deputado Goura (PDT), presidente da Frente.

Minutas da LGU vinham sendo discutidas desde junho de 2019, mas o assunto foi freado pela pandemia do coronavírus. Mostrou-se surpresa pelo fato de o PL chegar ao Legislativo sem um entendimento prévio com a comunidade acadêmica.

Desde que os primeiros esboços foram tornados públicos, representantes das universidades passaram a apontar preocupação com o projeto, já aprovado nas comissões de Constituição e Justiça, e Finanças e Tributação da Alep. Antes de ir a plenário, o texto precisa ser validado também pela Comissão de Ciência e Tecnologia. A previsão é de que até a última sessão do ano na Casa, na quarta-feira (15), o PL já tenha sido apreciado nas duas votações necessárias, a toque de caixa.

A oposição prometeu emendas. O artifício pode tardar em no máximo um dia o fim do trâmite, mas dificilmente deve reverter o resultado positivo ao governador Ratinho Jr. (PSD), que tem apoio de confortável maioria no Legislativo. Em mobilização conjunta, representantes das sete universidades estaduais prometem comparecer pessoalmente à sessão de segunda-feira (13). Outro apoio veio da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). A Comissão de Direito Educacional e Políticas Públicas da entidade deve encaminhar ofício ao presidente da Assembleia, deputado Ademar Traiano (PSDB), ainda nesta sexta-feira (10), pedindo a garantia de mais tempo para debate do projeto.

Critérios para distribuição de recursos

Até agora, três das sete universidades já mobilizaram reuniões para deliberar sobre o modelo de mudanças proposto pelo governador. Em reunião nesta quinta, os Conselhos Universitários das estaduais de Londrina (UEL) e Ponta Grossa (UEPG) rejeitaram por maioria a LGU, desenhada para criar uma padronização mínima obrigatória de gestão de pessoal, custeio e investimento entre todas as instituições. A UEM, de Maringá, também convocou reunião para esta quinta, que acabou sendo suspensa. Mesmo assim, o reitor, Julio César Damasceno, em conjunto com os presentes, estipulou estado de vigília e determinou que na segunda-feira o debate seja retomado para uma decisão formal. A universidade se mostrou aflita com uma possível perda de autonomia e qualidade. Também  segunda, será a vez da Unioeste emitir um parecer. Uenp e Unespar não responderam ao contato, e a reportagem não conseguiu contato com a Unicentro.

Pareceres jurídicos e administrativos emitidos pelas próprias UEs afirmam que o novo cálculo-base atrela a distribuição orçamentária a um sistema de meritocracia interno de cada universidade e que as comunidades tenderão a encolher diante do novo sistema.

Pela lei, as verbas passarão a ser projetadas a partir de equação que considera não apenas o tamanho da UE, mas também a qualidade dos cursos ofertados. Foram, assim, estabelecidos quantitativos mínimos de alunos e de trabalhadores terceirizados equivalentes, tornando praticamente “prejudiciais” cursos com grande evasão, como os de exatas, por exemplo. Para contrabalancear, cursos de áreas distintas ganham pesos diferentes na conta. Aos de Ciências Sociais Aplicadas, Direito, Linguística e Letras, Ciências Humanas, Psicologia, e de formação de professor foram atribuídos o “menor valor” por aluno equivalente, enquanto Ciências Exatas e da Saúde ganham mais pontos. A LGU não deixa claro qual a lógica da pontuação.

Os recursos também passam a ser endereçados a atividades administrativas e de ensino, pesquisa e extensão – excluindo do orçamento políticas de assistência e permanência estudantil – e ganham periodicidade de liberação trimestral. O texto ainda dá a entender que a previsível redução de verba pública poderá ser compensada pelo fortalecimento das parcerias com a iniciativa privada. O artigo 11 do documento abre espaço para repasses de convênios e programas de investimento e colaboração públicos e também privados.

O avanço do fomento particular é proposto em paralelo à limitação dos cargos públicos nessas instituições. A Seti e a Seap passarão a ser os responsáveis diretos pelo controle anual da ocupação dos cargos. Assim, as vagas não serão mais das UEs, mas do estado – como ocorre com a rede estadual de educação básica – vinculados ao Sistema Estadual de Ensino Superior, que se cria com a LGU. Concursos públicos de contratação de professores, por sua vez, poderão ser lançados pela própria universidade até o limite de 80% do quadro total dos cargos e desde que autorizados pelo governo.

O estabelecimento de condicionantes para a ampliação de vagas nos cursos de graduação e pós-graduação das UEs e as propostas que centralizam decisões no Executivo são interpretadas pela comunidade acadêmica como um ataque à autonomia das universidades, que, segundo o texto da LGU, terão de se adaptar a regras de transição não mencionadas e a serem definidas em portaria conjunta entre Seti e Seap – não há qualquer menção a participação de representantes de universidades na formulação desse conjunto de normas temporárias.  

“A LGU engessa a universidade. Para manter cursos, vão fazer cálculos de alunos que entram e saem, mas a gente sabe que há cursos de grande dificuldade, como matemática, em que geralmente a formação é de menos gente. E aí, o que vai acontecer é ir fechando aos poucos”, critica Simone Jabur, professora da UEM integrante do Comando Sindical Docente (CSD). “Vemos que tudo vai centralizar na mão do governo e isso vai mexer na autonomia didático, científico e financeira das instituições”.

Observações que vêm sendo feitas também apontam uma mudança dramática na dinâmica do ensino e da pesquisa nessas universidades. A nova lei determina que no máximo 70% dos professores de carreira poderão aderir ao regime de tempo integral e dedicação exclusiva (Tide) e, desses, até 10% poderão trabalhar em regime exclusivo para atividades de ensino com, no mínimo, 18 horas/aula na graduação. Na opinião da comunidade acadêmica, a medida incentiva a atividade de docência sem qualquer impulso à pesquisa e à extensão.

“O financiamento da ciência é caro. O governo não vai investir porque cada vez mais o orçamento vai sendo reduzido, e as empresas privadas não estão ficando no Brasil, então não vai ter investimento provado também. O nosso papel, com isso, vai ser voltar ao que éramos na década de 1970, no início das faculdades, quando os professores chegavam, davam aula e iam embora. Por isso, ele [governador], ao fazer esse estrangulamento, vai contra o tripé da universidade, que é ensino, pesquisa e extensão”, afirma Jabur.

Em reunião com a comunidade acadêmica nesta quinta, o reitor da UEL, Sérgio Carvalho, disse que a limitação do percentual de docentes em regime de trabalho 40 horas com Tide pode impactar no desenvolvimento intelectual das UEs.

“O efeito deste limite será observado na produção intelectual, de patentes e de inovação, além do impacto nas atividades que buscam a indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão, na formação, parte fundamental de nossa missão enquanto universidade”, observou o reitor durante o encontro virtual.

Nota assinada pelo sindicado dos professores de seis universidades – não consta apenas da Uenp – afirma que a LGU é um instrumento para o governo “transformar estas instituições em apêndices da burocracia do estado, tratando-as como se fossem meros escritórios do Palácio do Iguaçu, atacando, dessa forma, a sua natureza de universidades”.

Além disso, com objetivo de defender as universidades públicas paranaenses, propomos às reitorias de todas as universidades públicas a realização do Segundo Conselho Universitário Unificado, a ser realizado de forma virtual no dia 10/12/2021 às 9:00 horas

A Seti não concedeu entrevista para esclarecer os pontos levantados pela reportagem. Mas, em nota, contestou a informação de que o projeto fere a autonomia das universidades.

Segundo a pasta, a proposta estabelece, entre várias medidas, critérios para a eficiência da gestão, definindo instrumentos para o efetivo exercício da autonomia universitária com base em práticas já implementadas no sistema federal de ensino superior.

“Portanto, a nova legislação reforça a autonomia administrativa, didático-científica e de gestão financeira e patrimonial das instituições estaduais de ensino superior paranaenses, visando encerrar as assimetrias entre as sete universidades, em razão de diferentes condições de construção histórica”, diz a nota. “A LGU pretende, ainda, integrar e padronizar o Sistema Estadual de Ensino Superior do Paraná, prezando pelas características locais e potencialidades das regiões onde estão instalados os campi universitários, com mais transparência e igualdade nos critérios de financiamento das instituições, estabelecendo mecanismos de qualidade e indicadores de fácil mensuração, plenamente auditáveis”, concluiu.

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2 comentários em “No apagar das luzes, governo quer votar com urgência lei que ameaça autonomia das universidades estaduais”

  1. As universidades nao tem que ter autonomia. Os reitores geralmente sao pessimos gestores e acham que nao precisam prestar contas, como se o dinheiro nao fosse publico.

    Editado por conter acusação sem provas

    1. Rosiane Correia de Freitas

      Oi Rogerio, apaguei parte do seu comentário porque constitui calúnia, um crime passível de prisão (mas fico à disposição dos reitores para ceder os dados e meta dados do seu comentário caso eles queiram registra Boletim de Ocorrência e solicitar a quebra do seu sigilo de telecomunicações). E é nossa política aqui não ser conivente com crime. Além disso, talvez você não saiba, mas gestores de universidade estão sujeitos aos mesmos controles de contas que os demais gestores (prefeitos, governador, diretores de estatais). E não há dado que indique que há mais desvios ou contas irregulares em instituições do ensino superior.
      Além disso, a autonomia das universidades não tem só a ver com gestão financeira. A autonomia permite que os reitores conduzam sua instituição para dar conta da missão de produzir ciência e formar novos profissionais sem interferência do governo. É por isso, por exemplo, que o Bolsonaro pode reclamar à vontade das universidades, mas o país mantém programas de excelência em áreas consideradas “de esquerda” (uma classificação tola, simplista e típica de quem não entende de ciência). Não há ciência e educação sem independência. Obrigada pela audiência
      Rosiane

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