Javali fez crescer o número de caçadores no Paraná. Há 4 motivos para se preocupar com isso

Caça ao animal exótico é liberada como forma de evitar danos a plantações e ao meio ambiente

A necessidade de controle da população de javalis que se espalhar pelo Brasil, aliada à flexibilização do acesso às armas conduzida pelo governo Bolsonaro, fez disparar tanto o número de caçadores quanto a quantidade de armamentos nas mãos de civis. Esse movimento preocupa especialistas das áreas de Segurança Pública e Direito Ambiental, que veem quatro principais consequências: o armamento da população, a reintrodução do hábito de caça na sociedade, o consumo da carne do animal e a caça nas regiões urbanas. 

Em um ano, o número de CACs registrados no Paraná e em Santa Catarina – a chamada 5ª Região Militar – aumentou em 169%. Enquanto em 2019 eram 30,8 mil pessoas físicas com certificados de registro de CAC, em 2020, o número saltou para 52,1 mil. Elas representam 18% do total de 286.901 CACs registrados no país no ano passado.

Para se armarem, os CACs precisam ter registro no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), do Exército, além de um Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF), documento que comprova a situação de regularidade da arma.

De acordo com dados do Exército, só na 5ª Região, foram computados 87,2 mil registros ativos de armas em 2020, terceiro maior valor entre as regiões. Até agosto de 2021, existiam 122.6 mil armas nas mãos de CACs no Paraná e Santa Catarina.

Atualmente no Brasil, existem 694.118 armas de fogo – entre pistolas, revólveres, espingardas, carabinas e fuzis – registradas no SIGMA em acervo de CAC. De acordo com a Portaria 136 do Comando Logístico do Exército, que trata do limite quantitativo de armas e munições permitido para aquisição pelos CACs, os colecionadores podem ter até 10 armas de cada modelo (sendo cinco de uso restrito e cinco de uso permitido); atiradores 60 (sendo 30 de uso restrito e 30 de uso permitido) e caçadores 30 (sendo 15 de uso restrito e 15 de uso permitido). 

A quantidade anual de munição para cada arma registrada é de até cinco mil cartuchos para armamentos de uso permitido e até mil cartuchos para aqueles de uso restrito. Além disso, a quantidade anual de pólvora é de até 20 kg por pessoa. Ou seja, colecionadores podem ter até 30 mil munições por ano; atiradores 180 mil e caçadores 90 mil.

Caça aos javalis

Pela Lei, a caça é proibida no Brasil, com exceção ao javali, ou porco selvagem, animal exótico que chegou no país no século XIX por meio da Argentina e do Uruguai como animal de criação para consumo.

Como o javali não tem predador natural no Brasil, se reproduz rapidamente e é um animal agressivo de grande porte (podendo chegar a 1,3m e pesar de 80 a 100kg), o Ibama – órgão responsável pelas políticas de controle de javalis no país -, desde 2013, autoriza o abate do animal para manejo, ou seja, a caça realizada sob a premissa de controle populacional da espécie. Essas características do javali resultam em uma série de danos ambientais e socioeconômicos, principalmente para pequenos agricultores, como a destruição de lavouras, transmissão de doenças e danos à vegetação nativa.

Imagem retirada do documento “Javali: Uma ameaça ao agronegócio paranaense”, da Federação de Agricultura do Paraná (FAEP)

Para caçar javalis, é preciso ter uma Autorização de Manejo, emitida pelo Ibama, no qual o caçador deve incluir as informações das áreas e animais abatidos. Para isso, é preciso se cadastrar no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e/ou Utilizadoras dos Recursos Ambientais. Todos os inscritos devem encaminhar relatório semestral de suas atividades de controle de javali para a unidade do Ibama do estado onde ocorre o controle.

No Paraná, segundo o documento “Javali: uma ameaça ao agronegócio paranaense“, da Federação de Agricultura do Estado (FAEP), os javalis foram trazidos primeiro para o município de Quatro Barras e, posteriormente, no início da década de 1960, foram levados para uma fazenda em Palmeira, de onde fugiram ou foram soltos, tornando-se grande parte das populações que hoje distribuem-se pelo estado.

Porém, mesmo com o aumento de caçadores no Paraná e Santa Catarina, o número de javalis não diminui. Em 2019, foram abatidos 8.511 porcos selvagens nos dois estados (2.730 no PR e 5.781 em SC), segundo dados do Sistema de Monitoramento de Fauna (SIMAF), do Ibama. Em 2020, o número de javalis mortos quase triplicou para 25.428 (8.402 no PR e 17.026 em SC).

Sinais de alerta  

Para o professor de Direito Ambiental e Agrário da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paulo de Tarso de Lara Pires, a caça no Brasil implica em quatro principais consequências: o armamento da população, a reintrodução do hábito de caça na sociedade, o consumo da carne do animal e a caça nas regiões urbanas. 

Em relação ao armamento, o grande problema, para Pires, é a quantidade e o tamanho das armas que podem ser adquiridas pelos caçadores. “Como o javali é um animal grande, essas armas geralmente são de grosso calibre. A caça aumenta e modifica o perfil do armamento. É uma coisa restrita, mas a partir do momento que você adquiriu a arma, que teoricamente só deveria ser para caça, ela vai ser utilizada por um longo período”, destaca.

De acordo com o professor, que tem experiências nas áreas de ciências agrárias, engenharia florestal, economia e desenvolvimento e direito ambiental, o Brasil tem uma dificuldade histórica em fiscalizar a categoria de CACs, que tende a ter armas em abundância. “Eu vejo que o grande problema que temos hoje no país não é apenas a aquisição das armas, é o contrabando, a compra ilegal. Além disso, outra questão é a possibilidade de começar a acontecer acidentes. Esses grupos de caça atravessam e adentram as propriedades rurais e aí podem começar a surgir problemas como balas perdidas. Como já temos uma deficiência histórica na fiscalização, isso provavelmente será um agravante.”

“É curioso o aumento do registro de caçadores no Brasil. A caça, desde 1967, é considerada atividade ilegal, salvo raras exceções localizadas territorialmente e destinadas ao controle de animais exóticos à fauna nacional. Ainda assim, o país ganhou 7.634 novas armas desde 2019 destinadas à atividade, contando com 56.323 registrados no SIGMA em 2020”, aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Hábito da caça e alimentação

Segundo Pires, a região Sul do Brasil sempre teve um hábito intenso de caça, trazido com os imigrantes alemães e italianos. No entanto, ao longo das décadas, esse costume foi se perdendo. “Agora há uma aceleração do processo de reintrodução desse hábito que é muito perigoso, tanto para a população humana quanto animal. A pessoa que tem o hábito da caça de início vai caçar o javali, mas pode ser incentivada de alguma forma à caça ilegal, de outras espécies – inclusive ameaçadas de extinção.”

Na visão do professor, o controle do javali dificilmente será feito através da caça. O problema vai diminuir, mas como a fauna se reproduz de forma acelerada, o manejo é uma alternativa ineficiente do ponto de vista de controle do animal. Além disso, Pires destaca que o público que participa das caçadas aos javalis são, normalmente, pessoas de média e alta renda, porque apesar de ser de controle, a caça ao porco selvagem se tornou basicamente uma caça esportiva.  

“Mesmo com a diminuição da população de javalis, essas pessoas dificilmente vão largar a prática porque se tornou um hábito. As pessoas que caçam fazem porque gostam, fazem por lazer, por prazer e não por uma necessidade apenas. O que a gente percebe é que existem caçadores profissionais, mas a grande maioria são pessoas que nunca tiveram contato com a caça e que passam a ter nesse momento”, afirma.

Muitas pessoas, inclusive, passam a consumir a carne do animal abatido na caça, o que, no entanto, não deveria ser feito com o javali. Isso porque, segundo o Ibama, os javalis são portadores e disseminadores de doenças, inclusive zoonoses (doenças transmissíveis de animais para seres humanos e vice-versa). “Aí há um problema de saúde pública. Sabidamente, esses animais podem transmitir toxoplasmose, hepatite E, entre outras várias doenças. Além da covid-19, podemos ter que começar a lidar com outros problemas de saúde pública advindas dessa questão da caça”, pontua o professor.

A caça em regiões urbanas

Os javalis, segundo Pires, se locomovem de maneira rápida, migrando para diferentes municípios de acordo com a disponibilidade de alimentação. Além disso, com o crescimento tanto da espécie quanto da caça na área rural, os porcos selvagens podem, por necessidade, ao se sentirem ameaçados, migrar para mais próximo das cidades “Aí você imagina o caos. Já pensou o pessoal começando a caçar próximo dos centros urbanos, regiões metropolitanas e aí por diante, qual a quantidade de problema que isso trará e riscos para a população?”, questiona.

O professor afirma que na região sul este ainda não é o cenário, mas que “há um potencial grande para que ocorra”. A Região Metropolitana de Curitiba (RMC), por exemplo, conta com uma grande quantidade de alimentos disponíveis para os javalis. De acordo com o Ibama, em Curitiba ainda não há nenhum registro de abate.

Reportagem sob orientação de João Frey

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7 comentários em “Javali fez crescer o número de caçadores no Paraná. Há 4 motivos para se preocupar com isso”

  1. Mauricio vitoriano dos Santos

    Todos produtores que tem divisas com rios e localidades com muitas nascentes e pântanos perdem uma quantidade assombrosa de suas produções, seja plantio de grãos ou suínos aves e até bovinos e ovelhas etc…. o javali destrói oque achar pela frente, em uma extensão de 1000metros de comprimento de lavoura de milho com divisa de um rio onde tem javali o proprietário chega a perder de 1000 a 1500 sacas de milho , aí fica a pergunta quem irá ressarcir o prejuízo? Hoje a cotação do milho e 82,00. O estado deveria facilitar a vida das população de bem e não controlá-las. E lamentável ver desrmamentistas falando do que não entendem.

  2. O “especialista” aí não sabe porr@ nenhuma sobre armamento civil, deveria ficar calado, suas palavras são repletas de falácias, achismos baseado puramente em apelo à emoção. Esse aí se for debater com o Bene Barbosa passa mal e pede para sair do debate.

    O site também é bem tedensioso, deveriam ter chamado um CAC para falar e não esse metido a especialista que é claramente desarmamentista, mas com certeza tem carro blindado, segurança armada quando necessário… Enfim a hipocrisia.

    Nem deveria existir esse negócio de CAC, o estado não pode ficar controlando as armas dos cidadãos de bem, enquanto os bandidos estão armados com fuzil, armas anti tanque e anti áreas (que quase sempre são achadas em operações nas favelas) eles que precisam ter as armas controladas, não os cidadãos de bem, com moradia fixa, renda lícita e sem B.O.

    E sobre a caça, não sou a favor de ficar matando animais para esporte, porém para comida, sou totalmente a favor. Inclusive deveriam instruir os caçadores de javali a venderem ou doar as carnes, ainda mais no Brasil que é tudo caro.

  3. Eliel Souza De Andrade

    O mais interessante sempre e que temos especialistas para tudo no Brasil, mas eles só aparecem com suas opiniões depois do fato ocorrido. A preocupação deles é a arma na mão do cidadão de bem

  4. Concordo com sr. Éberto. Falta muita informaçoes sobre os javalis.
    Sou nascido no municipio de Quinta do sol. Hoje moro em Curitiba. Mas vou a passeio pra essas regioes. E nas visitas que fazemos nas fazendas dos meus parentes,
    encontramos vestigios desses animais, en todos lugares que andamos. Tantos animais que os fazendeiros nao plantao milho prox. Os rios e varzeas. Se plantar serca de 50 a 100 mt. Eles comen tudo..e mesmo caçando eles almenta a cada ano.

  5. Porá vcs não tem coisa melhor para fazer do que esse papo de arma na mão de civis , por favor, falem dos assaltos e tantos outros problemas, assunto tem demais

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