No Paraná, mulheres se intoxicam com remédios quase três vezes mais que homens

Casos registrados nos últimos cinco anos apontam intoxicação proposital como a maior causa

No ano passado, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan Net) registrou 2.192 casos confirmados de intoxicação endógena por medicamentos no estado do Paraná. Deste número, as mulheres foram vítimas em 1.603 ocorrências – o que corresponde a 73% do total de intoxicações. A porcentagem se repete sobre o total de casos registrados entre 2017 e 2021. Dos 32.676 paranaenses que se intoxicaram, 23.788 eram mulheres, 2,6 vezes mais que o público masculino. Em todos os grupos, a faixa etária mais afetada foi a de 20 a 39 anos. O Paraná é o terceiro estado com maior número de intoxicações, ficando atrás de Minas Gerais e São Paulo.

Tomar remédios por conta própria é uma prática comum entre os brasileiros. Uma pesquisa feita em 2018 pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) mostra que 79% das pessoas com mais de 16 anos tomam medicamentos sem prescrição de um médico ou farmacêutico. Mas o abuso na automedicação pode causar dependência, intoxicação e levar até ao óbito.

Para a doutora em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Helena Hiemisch Lobo Borba, é indispensável que os farmacêuticos orientem os pacientes sobre o uso apropriado dos medicamentos a fim de atender as necessidades de saúde do indivíduo pelo tempo necessário e na dose correta para tratar a condição clínica que apresenta. O acesso a medicamentos básicos é uma parte importante na manutenção do autocuidado, desde que seja feito de maneira consciente.

A Política Nacional de Medicamentos é um dos principais elementos responsáveis pela implementação de ações que promovam a melhoria nas condições da assistência à saúde da população. Em 1990, foi aprovada a lei que estabeleceu como campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) a formulação da política de medicamentos. Já a primeira diretriz estabelecida pelo SUS prevê a possibilidade de aquisição de medicamentos essenciais pela população de forma livre, ou seja, sem a necessidade de apresentação de receita médica no momento da compra. Esta definição tem como objetivo garantir o acesso dos cidadãos a medicação básica, facilitando o tratamento de doenças não graves de forma menos burocrática, bem como a promoção do uso racional dos mesmos.

A lista dos fármacos que são isentos de prescrição, segundo Instrução Normativa definida pela Diretoria Colegiada da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), é atualizada periodicamente. Em 2021, foram listados ao todo 189 remédios que não precisam de receita médica para serem vendidos pelas farmácias e drogarias. Alguns exemplos são os xaropes, antiácidos, analgésicos e antitérmicos.

Helena explica que os MIPS (Medicamentos Isentos de Prescrição) têm menor potencial de riscos, porém, isso não significa que não existam. “Alguns medicamentos de venda livre têm um potencial de intoxicação considerável se for utilizado em superdosagem, então, a orientação de um profissional de saúde e de um farmacêutico é indispensável”, ressalta.

Por trás da intoxicação, um outro alerta

Entre as circunstâncias que levaram às intoxicações registradas entre 2017 e 2021, 25.751 casos foram propositais (categorizadas como tentativa de suicídio). As mulheres estão novamente na maioria dos casos, sendo atendidas em 76% (19.668) de todas as ocorrências.

Após ingerir voluntariamente uma alta dosagem de medicamentos, Luísa*, 26, teve efeitos colaterais e contou ao seu psicólogo o ocorrido. Juntos foram à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Curitiba mais próxima e o atendimento foi registrado como tentativa de suicídio. “Ainda bem que fui com meu psicólogo, pois me senti muito julgada. Não tive nenhum acolhimento e me questionavam a todo momento porque eu tinha feito aquilo. Acho que os profissionais deveriam ter mais preparo para lidar com esses casos”, relata.

Larissa Bosso Luz é psicóloga clínica e especialista em saúde da família, e atuou durante a pandemia em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de Apucarana, município paranaense localizado no centro-norte do estado. Ela aponta que as mulheres podem ser maioria nos casos por uma conjunção de fatores, que envolvem alta carga de trabalho e patologização de alguns quadros – o que leva ao acesso mais fácil a medicamentos. “Nem sempre quando a paciente chega à Unidade de Saúde, está em um processo de sofrimento que possa se configurar como patologia. Podem ser casos pontuais, como um abuso, uma violência, que levam a pessoa a ingerir altas doses de medicamento. É preciso que os profissionais de saúde recebam mais capacitações para lidar com estes casos e não recorram à patologização de todos os quadros”.

A psicóloga também destaca que as formas propositais de intoxicação mudam entre homens e mulheres, mostrando padrões de comportamento diferentes. “Os homens geralmente recorrem a meios mais violentos, mais rápidos. Já as mulheres escolhem formas mais sutis. É preciso analisar, estudar, essas diferenças pra discutirmos políticas públicas que contribuam pra redução desses números”. Em 2020, dos 2.231 casos de abusos de drogas registrados, 1.955 tinham homens como pacientes.

A bula como grande aliada

Pacientes polimedicados (em uso de cinco ou mais medicamentos) estão sujeitos a maior risco de reações adversas e interações medicamentosas. Em casos de suspeita de intoxicação, é preciso procurar o serviço de emergência mais próximo e de preferência com a bula do medicamento utilizado. O momento do atendimento, seja no posto de saúde ou na farmácia, é essencial para tirar qualquer dúvida.

Como primeira medida, Helena Hiemisch ressalta a importância de ler a bula com atenção e seguir as recomendações. Em casos de dúvidas, recorrer ao profissional farmacêutico ou ao médico que assinou a receita é sempre a melhor opção. Alguns fármacos podem causar diversos efeitos colaterais caso o paciente exceda o limite de doses; já outros medicamentos podem interagir entre si gerando reações adversas.

*Nome foi alterado para preservar a fonte.

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