Um cartaz estampa uma mulher negra vestida com a bandeira do Brasil na rua São Francisco, número 50, no centro de Curitiba. A intervenção, da artista Ayala Prazeres, faz parte de uma exposição nacional presente em 14 cidades brasileiras, que evidencia a necessidade de uma mulher negra ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).
Organizada pelo Instituto Lamparina e com curadoria da diretora de arte Nina Vieira, a mostra “Juízas Negras Para Ontem” reuniu o trabalho de 24 artistas pretos, que foram colados em avenidas de cidades como Brasília, São Paulo, Manaus, Recife e Curitiba.
Curitiba
Na capital do Paraná, a obra ficou por conta da curadora, artista visual, figurinista e cenógrafa Ayala Prazeres. Ela conta que tudo começou em agosto, quando recebeu o convite de Vieira para participar da intervenção. “A arte é capaz de promover reflexões, indagações e perguntas. Assim, a ideia do projeto é pressionar, difundir e criar novos imaginários na sociedade brasileira”.
A partir do lambe, técnica escolhida para as obras da exposição pois permite diversas possibilidades de criação de imagens, Prazeres optou por fazer uma colagem digital. Segundo ela, o processo de escolha dos componentes da obra foi cuidadoso e minucioso para não cair em estereótipos da população negra e do Brasil.
“Quais elementos eu escolho para dizer algo, para comunicar alguma coisa diante desse tema?” Foi pensando nisso que a artista selecionou tudo: desde uma imagem dela própria, passando pela espada de Oyá (que difere da espada de São Jorge pois tem as bordas amarelas), até a roupa que foi desenhada sobre ela.
“A imagem ocidental que retrata a Justiça é uma mulher branca que segura uma balança com os olhos fechados. Que Justiça é essa que tem os olhos fechados? Que não enxerga? Para mim, essa mulher é negra e tem os olhos abertos, atentos, observando tudo, e lutando por uma sociedade menos desigual”, afirma Prazeres.
Ao Plural, a artista explicou as escolhas de alguns componentes, como a roupa que aparece na imagem. Prazeres nasceu no litoral de Pernambuco e, como era um lugar quente, sempre via sua mãe e tias com roupas mais leves e frescas. “Eu queria trazer elementos que traduzissem um pouco do Brasil e logo pensei na relação das mulheres da minha família. Eu via elas assim, com roupas muito parecidas com essa que foi desenhada. E como estampa escolhi a bandeira do Brasil para traduzir essa autoafirmação do povo negro brasileiro.”
Sobre a espada de Oyá Yansã, também conhecida como espada de Santa Bárbara, Prazeres diz que o objetivo era trazer a cultura e religião de matriz africana para a obra. “Oyá é um orixá da guerra, é uma mulher forte, que luta, que enfrenta os homens, que é decidida e que toma a frente, que vai à luta em busca daquilo que ela acredita”, destaca.
Outro elemento importante na composição da imagem é a espiral que contém uma frase da pensadora feminista norte-americana bell hooks: “Quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. “Escolhi retratar a frase em espiral também para pensar o tempo. Um tempo que não é o ocidental, colonial, linear e cronológico. É um outro tempo, uma outra forma, uma outra epistemologia e estrutura de pensar.”
Ocupando lugares de poder
Para Ayala Prazeres, é bastante simbólico que a mostra esteja presente em Curitiba, uma vez que a capital é extremamente embranquecida. Ou seja, tem todos os ideais e interesses voltados à branquitude, independentemente de outras parcelas étnicas que existem no Paraná.
“Todo o projeto tem uma importância simbólica, política e de autoafirmação muito grande. A própria história do Brasil nos indica a urgência dessa necessidade de uma ministra negra no STF”, afirma.
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Ela defende que é preciso que mulheres negras ocupem lugares de poder e de tomada de decisões porque são justamente essas decisões que podem mudar a estrutura da sociedade. “Não ter uma mulher negra, ou pessoas negras em geral, em lugares como esse é manter a estrutura vigente, é permanecer estagnado, na inércia. É a permanência dos privilégios daqueles que são privilegiados.”
Ministra negra no STF
A mostra “Juízas Negras Para Ontem” não é uma ação isolada. Pelo contrário, ao longo do último mês ativistas, artistas, políticos e movimentos sociais estão pressionando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para indicar uma mulher negra como a nova ministra.
A campanha online “Ministra Negra no STF”, por exemplo, está coletando assinaturas e encaminhando e-mails para a Presidência da República e Secretaria de Comunicação (Secom) do Governo Federal. O site já conta com mais de 32 mil assinaturas. Qualquer cidadã ou cidadão pode participar da movimentação. Para isso basta acessar o site.
As campanhas pela indicação de uma mulher negra ao cargo antecedem a data de aposentadoria da ministra Rosa Weber, que em outubro completará 75 anos, idade limite para integrantes do tribunal.
Em 132 anos de história, o STF nunca teve uma mulher negra em seu quadro de ministros. Foram apenas três ministros negros e três ministras mulheres, todas brancas. A desigualdade racial e de gênero na Corte também reflete na composição do poder judiciário brasileiro. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), só 7% dos magistrados de primeira instância e 2% de segunda instância são mulheres negras.
Juízas Negras Para Ontem
Todas as obras da mostra podem ser vistas no site do Instituto Lamparina. O projeto contou com apoio do International Resource for Impact and Storytelling (Iris), uma organização internacional que incentiva projetos que divulgam histórias de impacto social.