Fornecimento de água para Capital depende da preservação de cidades metropolitanas

A Bacia do Rio Miringuava, em São José dos Pinhais, irá aumentar o abastecimento de Curitiba, que depende da conservação da natureza em municípios como Piraquara e Campina Grande do Sul

A casa de Ricardo Espindola de Albuquerque fica em Curitiba, Santa Felicidade, a 41 quilômetros da estação de tratamento do Miringuava, unidade de captação de água da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná) no rio Miringuava, em São José dos Pinhais. Dia 17 de março, o rodízio por 24 horas atingiu as torneiras da residência da família do empresário.

“Naquela terça-feira, não tínhamos como lavar a louça e fazer outras tarefas. Ainda bem que a caixa de um dos banheiros armazenou o suficiente para tomarmos banho. Não fazia ideia de que a água vinha de tão longe”, diz Albuquerque.

A alternância de abastecimento também chegou a Almirante Tamandaré, Colombo, Fazenda Rio Grande e São José dos Pinhais, onde está o rio Miringuava.

“Foram três dias sem água desde o final de fevereiro. Isso complicou a rotina da família, higiene e a alimentação”, lembra Alan Rodrigues, morador do bairro Bom Jesus, em São José dos Pinhais. Ele também não sabia que o abastecimento dependia do Miringuava.

Nascente do rio Miringuava. Foto: Marcos Rosa Filho

Grande parte dos recursos hídricos da Sanepar – que geram água para Curitiba – são provenientes das represas das bacias dos rios Iraí, Piraquara e Miringuava. Os aquíferos ficam em Campina Grande do Sul, Quatro Barras, Piraquara e São José dos Pinhais. Sem a proteção das florestas dessas regiões, os curitibanos ficam com sede.

Com uma população de 1,9 milhão de habitantes em Curitiba e mais de três milhões nos 28 municípios metropolitanos, um total de cinco milhões de pessoas utilizam aproximadamente um milhão de relógios de água.

De acordo com o gerente de produção da Sanepar, Fabio Basso, existe um sistema integrado que fornece água da barragem do Passaúna, em Curitiba, para São José dos Pinhais; e o contrário também, do rio Miringuava para a Capital.

O Plano Diretor de Saneamento contempla obras até 2040. A barragem do Miringuava, obra prevista para 2021, espera contribuir com a regularidade do abastecimento em curto e longo prazo e amenizar a necessidade de rodízios. “Devido às concentrações urbanas, há necessidade de buscar água cada vez mais longe”, aponta Fabio.

A Sanepar pretende concluir ainda em 2020 as obras da bacia do Miringuava para a inundação da área do rio Miringuava em janeiro de 2021. Com isso, haverá, segundo a companhia, possibilidade de ampliação de 100% do abastecimento de água potável para Curitiba, com aumento da rede de distribuição de 200 para 600 mil pessoas.

Obras na Bacia do rio Miringuava. Foto: Marcos Rosa Filho

Conservação e Turismo

A Mata Atlântica em São José dos Pinhais, município vizinho a Curitiba, faz parte de um dos principais corredores de biodiversidade do Brasil. A região entre as BR 376, sentido Santa Catarina, e 277, sentido Litoral do Paraná, tem despertado o interesse conservacionista de grandes instituições, empresas e estatais, que estudam as localidades como fator essencial de manutenção dos recursos hídricos e desenvolvimento turístico intermunicipal, interestadual e internacional.

Corredor de Biodiversidade em São José dos Pinhais. Foto: Reprodução Google

O Turismo como geração de renda e a diminuição dos loteamentos irregulares, e do processo de favelização da área rural, são temas de vários estudos relacionados aos cuidados de fauna e flora. Participam deles órgãos ambientais como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entidade federal responsável pela implantação do Parque Nacional Guaricana.

A Sanepar tem feito parcerias com agricultores para que os meios tradicionais de produção sejam mudados para cultivos sem agrotóxico. Antes da inundação, haverá corte e limpeza de sedimentos de milhares de árvores e retiradas de animais silvestres e outras relocações, como de colmeias de abelhas. Como contrapartida na adesão de uma agricultura orgânica, existem proposições de possível liberação de náutica não motorizada para estímulo ao Turismo, como ocorre atualmente na Represa do Passaúna, em Curitiba.

Fique sabendo

– A construção da Barragem do Miringuava foi iniciada em São José dos Pinhais, em abril de 2017;

– A capacidade de armazenamento é de 38 bilhões de litros de água;

– Será a sexta barragem a ser utilizada ao abastecimento público como parte do Plano Diretor do Sistema de Abastecimento de Água de Curitiba e Região Metropolitana (SAIC);

 – Vai ser capaz de atender a demanda por água tratada de cerca de meio milhão de moradores de Curitiba  e Região Metropolitana até o ano de 2030;

– O valor total investido de R$ 87,8 milhões será financiado pela Caixa Econômica Federal, somados a mais R$ 60 milhões de recursos próprios da Sanepar;

– A atual empresa responsável pela obra é a Mecanorte Construções e Empreendimentos.

*Fonte: Sanepar

Bacia do Miringuava já projetada. Foto: ICMBio

Embaixo da água

O Sítio Tatutoka é uma área particular preservada na Colônia Murici, no bairro Avencal, e cortada pelo rio Miringuava. O uso é para o lazer, mas feito de forma sustentável, porque a família manteve a mata nativa que proporciona água e reúne xaxins, araucárias, canelas, erva mate e quase 30 mamíferos já identificados, como jaguatiricas e tatus. Dos 28 hectares do sítio, 20 hectares serão inundados, incluindo uma cachoeira de quase dois metros.

“A desapropriação da maior parte do sítio para ampliar o abastecimento de água potável é uma questão prevista em lei, mas a nossa maior preocupação é como será a relocação de algumas espécies de fauna e flora. Por isso, estamos em contato com Sanepar e com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para acompanhar e entender o que será possível relocar”, diz Marcos Kunitz, dono do sítio. 

Como outros proprietários que receberão indenizações, Marcos tem conversado com especialistas que apontam que a Tatutoka e outras mais de 100 chácaras ao longo do rio Miringuava e região, depois do alagamento, ficarão inseridas em um ambiente 20% a 30% mais úmido nos próximos anos.

Condomínio verde

Além do Sítio Tatutoka, outra propriedade cortada pelo rio Miringuava – também localizada na região da Colônia Murici, no bairro Papanduva da Serra – é a Fazenda Fornainha. Marcelo Dornelles adquiriu a área em 1988.

“São mais de 100 hectares. A nossa criação e a lavoura são pequenas. Em 2001, finalizamos a documentação no IAP (Instituto Ambiental do Paraná), atual Instituto Água e Terra, para a formação de um condomínio de chácaras onde residiriam poucas famílias. Acredito que a água será um dos grandes atrativos do ponto de vista do apelo turístico. A desapropriação pela Sanepar compreende cerca de 20% das terras. Por nossa conta, optamos por ampliar a proteção ao rio Miringuava para evitar a pesca ilegal”, destaca o proprietário.

“Minha filha é estudante do curso técnico em Agropecuária do Colégio Newton Freire Maia, em Pinhais. O dever de casa dela é na fazenda, entendendo as relações que a natureza nos apresenta. Há alguns anos, tivemos uma onça que matou alguns animais e deixou outros machucados. Não é culpa do animal, mas da diminuição da vegetação com o loteamento irregular. Muitas chácaras foram vendidas, revendidas, loteadas e viraram terrenos de 500 metros, até menos. Com isso, surgiram várias casas em pouco tempo”, avalia Dornelles.

O secretário de Meio Ambiente de São José dos Pinhais, Ahirton Sdroieski Junior, reconhece os perigos do aumento populacional nas áreas rurais e os prejuízos que isso causa à captação de água. “Para a natureza, não faz diferença se um local é particular, da Prefeitura, do Estado ou Federal, por isso, é tão importante a preservação. No caso das políticas públicas, a integração do que é privado com os governos e as entidades é fundamental para que busquemos soluções em conjunto”, enfatiza o secretário.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima