“Fórmula” garante aumento de Ideb em escolas militarizadas

Dados do Censo Escolar e do IDEB mostram que exclusão de quase 100 mil estudantes e extinção de vagas no ensino noturno empurraram a nota para cima sem melhorar o ensino

O Colégio Estadual Etelvina Cordeiro Ribas é uma história de sucesso do Governo Ratinho Jr (PSD). Transformada em cívico-militar em 2021, a escola foi de um Ideb zero em 2017 para 4,7 em 2022. No município de Curitiba, o Ideb das escolas militarizadas, como a Etelvina, foi de 0,62 para 3,36. Esse sucesso estimulou a ampliação do programa, a despeito de ele ter sido descontinuado pelo governo federal depois que Jair Bolsonaro (PL) – principal incentivador dessa política – perdeu a eleição e Lula (PT) assumiu a presidência.

O sucesso das escolas cívico-militares do Paraná também levou à promoção do então secretário de estado da Educação, Renato Feder, do governo de Ratinho Júnior (PSD) para o Governo de São Paulo de Tarcísio de Freitas (Republicanos). No Paraná, a gestão Feder creditou ao programa e a outras medidas controversas a chegada do estado a primeira posição no resultado do Ideb no Ensino Médio.

Os bons resultados porém escondem a realidade das mudanças promovidas por Feder e Ratinho Júnior no Paraná. O Plural analisou os resultados dos Censos Escolares de 2018 a 2022 e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2015 a 2021 para entender a fórmula por trás do sucesso de Feder e Ratinho Júnior e chegou a uma conclusão: a melhora no Ideb foi resultado da exclusão de 81 mil estudantes com 18 anos ou mais da rede estadual de ensino e da extinção de 76,8 mil vagas do ensino noturno.

O cálculo do Ideb

Antes de ver os dados é preciso entender que o Ideb é calculado a partir da multiplicação de dois fatores: os resultados dos exames de proficiência em Matemática e Português e o Indicador de Rendimento, que é o percentual de aprovação dos alunos da instituição. O indicador de rendimento serve como um redutor de valor para aquelas escolas que têm alto índice de reprovação de estudantes. Mas também penaliza escolas que atendem estudantes cuja tendência é ter menor índice de aprovação e de presença, caso de estudantes mais velhos e que estão fora da idade idade estipulada para a fase escolar em que estão, além de estudantes da educação especial e outros alunos com desempenho acadêmico pior.

Como o Ideb é calculado a cada dois anos, temos, no momento, os resultados das escolas do Paraná de 2015, 2017 e 2019 antes da militarização. E de 2021, no primeiro ano depois da conversão das escolas. Em 2017 o Paraná teve Ideb 3,7 no Ensino Médio, 4,6 nos anos finais do Ensino Fundamental e 6,3 nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em 2017, 1.081 das 1.462 escolas estaduais registraram nota zero ou inexistente no Ideb no Ensino Médio. Em 2019 esse número caiu para 565. Em 2021, de 1.535 escolas, 423 não tiveram nota no Ideb Ensino Médio.

Um Ideb ausente ou zero pode ter dois significados, nenhum relacionado com o desempenho de fato dos estudantes nas avaliações do Saeb: ou a escola não participou da avaliação e, portanto, ficou sem registro no Ideb daquele ano, ou participou, mas o total de alunos participantes foi inferior a 80% dos alunos que constaram na prévia do Censo Escolar daquele ano. Neste último caso o Ideb registrado da escola é zero.

Eliminando os zeros

No Ideb seguinte, em 2019, já sob o governo Ratinho Júnior, mas antes da militarização, a nota da rede estadual foi 6,8 para o Fundamental I; 5,1 para o Fundamental II; e 4,4 para o Ensino Médio. O resultado seguia uma tendência de alta que começou em 2013. Mas também uma redução significativa no número de escolas com Ideb zerado: 565. Em 2021 esse número caiu mais ainda, para 423.

A projeção de valor no Ensino Médio do Paraná para 2021 era de 5,1, mas o resultado real ficou abaixo disso: 4,6. Mesmo assim o estado ficou com o melhor resultado nesta fase ensino entre as redes estaduais.

Os dados do Saeb mostram que desde 2005 as escolas estaduais de Ensino Médio se mantiveram no mesmo patamar nas avaliações de Matemática e Língua Portuguesa, inclusive em 2021. Mas o que mudou então? O Indicador de Rendimento, ou seja, o índice de aprovação de alunos das escolas, que saltou de 0,82 em 2017 para 0,96 em 2021. E o que causou uma mudança tão drástica?

Eliminando alunos

Dados do Censo Escolas de 2019 e 2022 mostram que no período as escolas estaduais do Paraná deixaram de ter entre os alunos matriculados 81 mil estudantes com 18 anos ou mais e 76,8 mil deixaram de estudar no período noturno. Quem são esses estudantes? São os jovens trabalhadores que tentam terminar o Ensino Médio enquanto conciliam o estudo com o trabalho.

Dos estudantes com mais de 18 anos, 51 mil são do Ensino de Jovens e Adultos, que não participam do Saeb. Mas outros 30 mil são jovens que estão no Ensino Médio regular.

Por conta dessa característica, esse público tende a ter maior índice de reprovação e maior índice de ausência nas avaliações do Saeb, dois elementos que contribuem para reduzir a nota final do Ideb. Isso acontece mesmo quando a escola não consegue o índice de 80% para ter o resultado do Ideb naquele ano porque nesses casos os resultados dos alunos ainda são calculados nos resultados do município e do estado.

O “sucesso” do Etelvina

É justamente o caso do Colégio Etelvina Cordeiro Ribas. De 2017 a 2019 a escola não conseguiu índice nem em Língua Portuguesa, nem em Matemática, mas registrou 275 e 280 em Matemática e Língua Portuguesa respectivamente em 2021. O índice de rendimento da escola foi de 0,62 em 2017 e saltou para 0,98 em 2021.

Por outro lado, o mesmo colégio perdeu 100 vagas do período noturno, deixando de ofertar ensino nesse horário. E 43 estudantes de 18 anos ou mais deixaram de ser atendidos na escola. Isso apesar da escola ter ganho 118 vagas no mesmo período (entre 2017 e 2021).

Nas 16 escolas militarizadas em Curitiba e que possuem registros no Ideb e no Censo Escolar no período, o número de alunos com mais de 18 anos matriculados caiu em 653. E foram eliminadas 962 vagas no ensino noturno, extinguindo a oferta em todas as escolas.

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17 comentários em ““Fórmula” garante aumento de Ideb em escolas militarizadas”

  1. Mas deixa pra lá. Já percebi. Como comunicador formado que o propósito não é a informação e a abertura para o debate e sim um posicionamento direto. Só esquecem que nas escolas Cívico-militares tbm tem professores sindicalizados e com os mesmos direitos. E que o Estado possui espaço para todos e todos os tipos de escolas. Lembro também que o Grêmio Estudantil do ETELVINA é um dos grêmios mais ativos, possuindo duas cadeiras no conselho da juventude, em prol de melhorias sem bandeiras e partidos somente em prol dos jovens.

  2. Não tinha injúria. Só expliquei da nossa escola… Não ofendi ninguém. Expliquei tudo que ocorreu, inclusive que escola já está com 120% das matrículas realizadas para 2024.

  3. É inegável que a escola militarizada fecha o turno da noite. Imaginar que isso seria uma descontinuidade ou ajuste é apenas um jogo de palavras. Trabalho no Hasdrubal Bellegard e não vejo os 100 estudantes que estudavam à noite do Etelvina estudando lá, visto que perdemos muitas turmas também e estamos apenas com duas à noite. Inclusive, os estudantes que têm saído das escolas militarizadas saem por desconforto com o tratamento individual e coletivo dado, pois não escolheram ser disciplinados por uma intervenção militar não pedagógica ou arbitrária. Justificar que se perdeu 100 estudantes, que pelas dificuldades sócio econômicas devem ter abandonado os estudos, boa parte deles, por mais vagas no diurno é exatamente a política do governo de se livrar dos estudantes com dificuldades de aprendizagem e problemas sócio econômicos .
    Parece bastante questionável justificar que a segregação de uma parcela inteira de estudantes da noite removidos do espaço escolar e uma mentalidade ideológica militar arbitrária tenha resolvido o problema de segurança na região. Deve se fazer consultas nas escolas militarizadas para ver se os estudantes e a comunidade escolar querem ou não a continuidade da intervenção militar nas escolas.

  4. Me desculpe. Sou o professor gestor do ETELVINA. A escola era sucateada, e quando vim para cá, o gestor, irmão de um dos representantes da APP sIndicato estava respondendo por improbabilidade. E encontrava-se afastado, pela secretaria da educação a quase dois anos.

    O colégio era vandalizado, e até o caseiro vendia drogas aos alunos. Mudamos isso.
    O colégio teve seu ensino noturno descontinuado pelo fato de que os alunos tinham medo de entrar na escola a noite.
    Assumi a escola com 454 alunos em 2021…. Número de alunos total.

    Hoje a escola tem 941 mais projetos, e foi uma das 10 escolas a completar o período de rematrícula com 110% das vagas… Isso é, mais alunos do que temos normalmente.

    E isso acontece todo ano. Sempre.
    O aumento e os valores pregados são visíveis.
    Quando assumimos a maioria absoluta era de meninos, porque os pais não queriam suas filhas nessa escola.
    Hoje em dia as meninas voltaram. E são a maioria, o comércio em volta recuperou a tranquilidade, e os gestores e professores que eram da escola antes do caos, ainda são professores e parceiros da escola. E agradecem pela mudança, pois muitos queriam sair da escola porque não tinham tranquilidade para trabalhar.

    Isto é…. Se o ETELVINA perdeu 100 alunos do noturno de 2018/19 quando fechou (logística para manter 3 turmas abertas em um turno, é inviável). E ganhamos mais de 500.

    Lembro também que somos próximo do colégio Hasdrubal, que possuí ensino noturno e profissionalizante e fica a 1.1km do ETELVINA, com certeza na época foram estudar lá.

    Lembro também, que na região que lecionei e fui diretor auxiliar antes de vim para o ETELVINA, que era a região do Tatuquara, as escolas do ensino noturno só aumentam e o governo planeja a construção de mais salas em pelo menos três delas. Porque lá, a demanda do noturno tem vazão.

    Fico a disposição

  5. Melhoria na Educação
    Militarizar é colocar uma máscara na atuação da pasta (Seed). O que se vê quando olhamos às Escolas no Paraná
    ? É difícil se chegar a uma só definição sem correr o risco de ser parcial.
    O “sistema” como um todo está em crise. Importamos “fórmulas” da área econômica para registrar e convencer um público tão diversos quanto às culturas dos Alunos paranaenses. Não tem como olhar para uma Escola através de seus índices. As lentes não percebem as miúças existentes em cada corredor, cada sala, cada íntimos de alunos, professores e demais trabalhadores na educação.
    Até o momento, aguardo algum relatório, algum texto indicando as atuais tendências dos erros e/ou problemas de aprendizagens e/ou ensino, planejamento, domínio de recursos por parte tanto de professores quanto de alunos.
    Estamos vendo o “placar do jogo”, contudo, o como e os “quens” chegaram a esse placar é uma incógnita. Enfim, do jeito que está somos todos perdedores na Educação.

  6. O governo do rato sempre foi muito bom em maquiar dados, sem falar que essa é a lógica sempre recorrente da extrema-direita que age de forma autoritária, a fim de ocultar a própria incompetência. É uma pensa que a educação esteja sendo feita por gente que planeja sua própria destruição. É o Paraná, terra de gente trabalha e cuida para que a mentira seja bem contatada

  7. Olá Rosiane. Seria muito importante sua presença em lives e reuniões nas escolas. Eu sou professor e gostaria de organizar essas reuniões com colegas para debater os dados que você traz aqui no seu artigo. Se puder deixar seu contato, por gentileza? Temos que organizar a defesa da escola pública e democrática…

  8. É assim que se forjam as tais “evidências” com base nas quais tecnocratas e seus asseclas desejam justificar suas opiniões sobre políticas públicas.

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