Ex-presidente da UDR é condenado pelo assassinato do sem-terra Sebastião Camargo

Ruralista foi sentenciado a 14 anos e três meses de prisão

Nesta quinta-feira (24), o ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) do Paraná Marcos Prochet foi considerado culpado pelo assassinato de Sebastião Camargo, ocorrido há 23 anos. O júri popular reconheceu Prochet como o autor do disparo que matou o trabalhador rural e condenou o ruralista a 14 anos e três meses de prisão. Prochet poderá recorrer em liberdade. 

Esta é a terceira vez que o ex-líder da UDR é condenado pelo crime. Os outros dois júris populares ocorreram em 2013 e 2016 mas ambos foram anulados pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). Além dos julgamentos, a longa duração do processo e a responsabilização do Estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador rural por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) fazem deste um caso singular.

Para a integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ceres Hadich, apesar da revolta em relação ao tempo que o crime ficou impune, a Justiça prevaleceu. “Nos traz algum conforto, porque a gente percebe que, passe o tempo que passar, passem os recursos que passarem, as decisões tomadas pelo povo em júri popular sempre vem no sentido de trazer justiça, ainda que tardia”, afirma. 

Darci Frigo, vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), acompanhou o júri e destacou que o resultado, ainda que tardio, só foi possível por conta do esforço das organizações que atuaram no caso. “Só houve, até agora, a punição de executores e de alguns intermediários, mas nunca se chega realmente aos chefes dessas organizações […]. Essa decisão é importante para sinalizar que os latifundiários também devem responder pelos seus atos e seus crimes, para que não haja efeito de repetição da violência.”

Um dos cinco filhos de Sebastião, Messias Camargo, conta que a decisão do julgamento é uma satisfação. “Ele [Prochet] tem que pagar pelo que ele fez pro meu pai. A gente sofreu muito com isso. Sentimos muita saudade. A gente agradece ao MST e às entidades que lutam pela gente […]. É uma luta de todo mundo”, relata. 

O assassinato

Sebastião Camargo foi morto aos 65 anos, com um tiro na cabeça. O crime ocorreu no dia 7 de fevereiro de 1998, durante um despejo ilegal em um acampamento do MST na Fazenda Boa Sorte, em Marilena, no Noroeste do Paraná. Na ocasião, além do assassinato de Sebastião, 17 pessoas dentre as 300 que residiam no local ficaram feridas.

Antônia França, na época com 28 anos, estava ao lado de Sebastião no momento da execução. “Chegou um caminhão cheio de jagunço, tudo armado, foram pegando as pessoas, nos barraquinhos e foram levando para o portão. Onde a gente olhava tinha gente encapuzada, de preto, tinha bastante gente”, relembra a camponesa.

Sem resistir à ação do grupo armado, Dona Antônia e os outros trabalhadores foram obrigados a deitar no chão, de barriga para baixo. Ela confirma ter reconhecido o ex-presidente da UDR primeiro pela voz e depois pelo rosto. “Eu conhecia ele. Eu estava na frente dele, ele estava armado […]. Na hora que ele atirou, ele tirou o capuz. Não sei porque fez isso, talvez pela fumaça”, relata. Dona Antônia conta que conheceu Porchet meses antes, quando estava acampada em uma propriedade do ruralista. “Ele ia com a polícia para tirar a gente de lá”, explicou.

A camponesa lembra que Sebastião tinha um problema das costas, o que o impedia de ficar por muito tempo na posição ordenada pelos jagunços, e que, por isso, foi executado.

No dia, seis pessoas viram Prochet no momento da desocupação. Quatro delas presenciaram o momento em que Sebastião foi morto e reconheceram o ruralista como autor do disparo. 

O caso

Em 8 de fevereiro de 1998, dia seguinte ao crime, o delegado que acompanhava o caso recebeu uma denúncia anônima de que pistoleiros estariam acampados na fazenda Figueira, área próxima à região onde Sebastião havia sido assassinado.

Lá, o delegado fez prisões em flagrante e apreensão de armas, pistolas, rádios de comunicação, máscaras balaclava e soco-inglês. Na ocasião, dois advogados ligados a Prochet e à UDR foram até o local na defesa dos ruralistas. A partir deste dia, o delegado afirma que “o Estado pressionou para parar de investigar” e logo depois ele foi afastado do caso.

O delegado havia estado na ocupação onde Sebastião foi morto um ano antes do crime. “Eu vi que eram pessoas que queriam terra, que queriam ser assentadas, não armamento. […] Aquelas famílias que eu vi lá queriam terra e não estavam armados, famílias com maridos, mulheres e filhos”.

De acordo com a promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná, Ticiane Louise Santana Pereira, ao longo dos anos do processo, enquanto a defesa de Prochet apresentou contradições nas versões dos fatos, a história de Dona Antônia se manteve, o que contribuiu para a condenação do ruralista.

Além disso, no julgamento, a acusação apresentou provas de que Prochet não agia dentro da legalidade, ao contrário do que afirmava. Em entrevista ao jornal Estado do Paraná um ano depois do crime, o ex-líder da UDR afirmou “o único recurso que temos é a lei da selva e os fazendeiros estão se armando. Ao contrário da solução dessa pacífica, os fazendeiros precisam se unir e se organizar para defender suas terras, quase todos eles têm armas para se defender. Não gostaríamos de atirar nos Sem Terra, só que se os ânimos vão se exaltando e como não existe policia e nem respeito à lei, de repente pode ter um conflito”.

A fazenda Boa Sorte, área ocupada pelos Sem Terra na época do assassinato, já estava em processo de destinação para reforma agrária. Vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o local foi considerado improdutivo, por isso estava em processo de desapropriação e indenização do proprietário. Em homenagem ao trabalhador assassinado, a área foi transformada no assentamento Sebastião Camargo.

Além de Prochet, foram condenados Teissin Tina (dono da propriedade onde Sebastião foi morto) a seis anos de prisão, Osnir Sanches (o chefe de segurança do local) a 13 anos e Augusto Barbosa (integrante da milícia privada). Até o momento, nenhum foi preso.

Histórico de violência

Entre 1995 e 2002, período em que o Paraná foi governado por Jaime Lerner, o Estado registrou 16 assassinatos de Sem Terra, 516 prisões arbitrárias, 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 325 feridos em 134 ações de despejo e 7 casos de tortura, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

De acordo com o MST, em todos os casos houve demora no processo e a falta de isenção nas investigações.

Reportagem sob orientação de João Frey, com informações do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST)

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