PR não tem dados ou políticas de segurança para conter LGBTfobia

Apagão estatístico dificulta combate à violência e indica falta de vontade política para soluções

O Paraná é um dos 15 estados brasileiros que não divulga os dados de violência contra pessoas LGBT para a elaboração do 14° Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Não há informações disponíveis sobre o Estado ou sobre Curitiba que sejam acessíveis ao público ou a órgãos de controle da sociedade civil. A falta de informações dificulta que políticas públicas para a área sejam propostas ou colocadas em prática.

Questionada pelo Plural, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP) não respondeu, até a conclusão desta reportagem, se esses dados são compilados pela pasta ou a razão deles não terem sido divulgados ou enviados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

As únicas estatísticas que apontam para o contexto de violência com essa população paranaense são os levantamentos independentes realizados por movimentos sociais. Nesse sentido, o último relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), de 2019, mostra que naquele ano houve 15 mortes violentas de pessoas LGBT no Paraná. Só em Curitiba foram cinco assassinatos.

Outra pesquisa independente é o Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra Pessoas Trans de 2019, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que mostra que o estado paranaense é o sexto mais violento para esta população. Foram sete assassinatos no período.

Desde maio de 2019, é considerado crime qualquer tipo de violência ou discriminação baseada na identidade de gênero e na orientação sexual de uma pessoa. A equiparação da LGBTfobia com a Lei de Racismo fez com que especialistas da área esperassem que esses crimes fossem melhor documentados no Brasil. No entanto, os levantamentos continuam sendo realizados apenas pelos movimentos sociais.

BO sem registro para homofobia

A situação é ainda mais complicada porque nem mesmo órgãos colegiados da SESP têm acesso aos dados. Marcel Jeronymo, advogado voluntário do Grupo Dignidade, que luta pelos direitos LGBT em Curitiba, e integrante do Grupo de Trabalho (GT) sobre o tema da SESP afirma que nem mesmo os participantes do GT foram informados sobre as estatísticas locais.

“Como um todo, o Paraná ainda não organizou seu sistema para monitorar a homofobia. No próprio Boletim de Ocorrência (BO) não tem a opção de registro para crimes contra esse grupo populacional”, afirma Jeronymo.

Como a criminalização da LGBTfobia foi no primeiro semestre do ano passado, especialistas da área acreditam que já houve tempo para os sistemas se adequarem. Outros onze estados brasileiros conseguiu se adaptar com rapidez suficiente para reunir os dados, como aponta a última versão do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Todo o apoio que pessoas LGBT recebem no estado vem de movimentos sociais organizados (Foto: Liga Brasileira de Lésbicas do Paraná)
Apoio a pessoas LGBT vem de movimentos sociais organizados Foto: Liga Brasileira de Lésbicas do Paraná

Léo Ribas, articuladora estadual da Liga Brasileira de Lésbicas e articuladora nacional da Rede LésBi Brasil, conta que essa é uma das lutas do movimento regional. “É só com a tipificação formal desse tipo de crime que conseguimos lutar por políticas públicas efetivas”, defende ela.

Para Jeronymo, “a secretaria poderia criar um grupo intersetorial para adequar o seu sistema de informação. Mas isso não foi feito”. E, até o momento, o GT para o tema LGBT da SESP não foi informado sobre uma possível alteração no sistema para responder ao problema de falta de dados.

A lacuna estatística na área de segurança pública paranaense não é exatamente uma novidade. André Guerreiro, membro do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estudo o tema há anos e diz que essa já é uma tradição local.

“A maior parte dos dados que conseguimos foram compilados pelos movimentos sociais. Mas se a sociedade civil consegue organizar essas informações, por que o Estado não conseguiria?”, diz Guerreiro.

O cenário acaba dificultando a criação e a proposição de políticas públicas para a área. Jeronymo diz que o GT LGBT pode enviar propostas para a SESP, no entanto, a falta de dados oficiais dificulta a justificação de ações e políticas públicas. Institucionalmente, a população LGBT fica invisível na região.

Léo Ribas vê esse cenáro como parte da história de não enfrentamento da violência contra pessoas LGBT. “As políticas públicas estaduais voltadas a essa população são concentradas na área da saúde apenas”, conta ela.

LGBTfobia em todas as formas

Apesar de atos de violência contra pessoas LGBT se concentrarem em Curitiba, o Interior também é perigoso, apontam os levantamentos do GGB e da Antra. Segundo os dossiês, Londrina, Cascavel e Maringá tiveram ao menos uma tentativa de homicídio ligada à LGBTfobia em 2019.

Sem políticas públicas para combater a violência, a situação no Interior muitas vezes se torna mais constante do que na Capital. Um dos motivos para isso é que os movimentos sociais se concentram nos grandes centros. Assim, uma das maiores formas de apoio a essa população tem um espaço reduzido nas pequenas cidades. “As principais notícias que vemos são dos grandes centros, mas isso não significa que não acontece em outros pontos do estado”, explica Jeronymo.

Outro ponto importante é que os levantamentos realizados por movimentos sociais focam em atos de violência letal, ou seja, assassinatos e tentativas de homicídio. Mas a LGBTfobia também se manifesta em atitudes descriminatórias e atos violentos, como agressão, violência sexual e perseguição.

Para compilar esses dados, seriam necessários estatísticas oficiais e uma preocupação do poder público em monitorar essas situações. “A violência não é apenas letal, mas tudo o que leva a uma morte. É tudo que está naturalizado na sociedade,  a violência institucional, na família, na escola, na religião, que exclui, ignora e machuca”, diz Guerreiro.

No entanto, Léo Ribas aponta que nem mesmo pessoas preparadas para receber as denúncias estão presentes nas delegacias da região. Ela relata que durante a pandemia, a Liga Brasileira de Lésbicas do Paraná atendeu a 71 casos de violência contra pessoas LGBT; 20 destes casos foram de estupro corretivo.

“A pessoa já sofre uma violência enorme, muitas vezes são meninas, ainda adolescentes. Mas ao ir à delegacia, a pessoa não encontra profissionais qualificados para ouvir o seu relato. Então, ela desiste de fazer a denúncia”, conta ela. “Não só dados que faltam, mas uma verdadeira vontade política de combater a LGBTfobia no Paraná”, conclui.

Serviço

Caso você seja vítima ou testemunhe algum crime de LGBTfobia é possível denunciar na Delegacia de Polícia Civil, na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, no Setor de Vulneráveis. O setor atende a comunidade LGBT e foi reestruturado pelo Grupo de Trabalho de Segurança Pública para a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

O Núcleo de Vulneráveis funciona e faz atendimento no endereço:

Avenida Sete de Setembro, 2077, Centro, Curitiba
Telefones: (41) 3360-1400 – (41) 3360-1446
E-mail: [email protected]

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