Eleição do Graciosa reedita embate entre “comunistas” e “bolsonaristas”

Como poucas vezes se viu nos 96 anos do clube, a disputa entre dois ex-aliados ganhou verniz ideológico e inaugurou um jogo brutal

Era para ser mais uma eleição tranquila para a presidência do Graciosa Country Club, onde os donos de algumas das maiores fortunas do Paraná se reúnem para jogar golfe e confraternizar com amigos e familiares. Mas, como poucas vezes se viu nos 96 anos do clube, desta vez a disputa entre dois ex-aliados ganhou verniz ideológico e inaugurou um jogo bruto tal como nas eleições presidenciais de 2022. A votação deste 19 de junho marca uma ruptura nunca vista no Graciosa.

O site do clube fala em glamour, com o número reduzido de sócios “proporcionando uma convivência sadia e harmônica entre os associados”. Porém, amigos se tornaram inimigos e famílias já não se sentam à mesma mesa. Acusações de traição e fake news incendeiam as redes sociais. O “status, a elegância e o charme na vida do Graciosa Country Club” deram vez a xingamentos que vão de “tropa” a “quadrilha”. A estrutura de campanha inclui comitê político, bottons, adesivos, camisetas.

De um lado da arena está o atual presidente, Tobias de Macedo, que busca a reeleição; de outro, o bilionário João Carlos Ribeiro, que, a despeito das acusações de violência doméstica e escândalos de corrupção, tenta voltar pela sexta vez à presidência do tradicional clube da elite curitibana. O que está em jogo não é apenas o comando de um “clube fechado” com patrimônio de R$ 422 milhões e 270 funcionários, no bairro Cabral, um dos mais nobres de Curitiba.

Neste espaço restrito em que circulam políticos e milionários, o que se busca é um espaço de poder. Personagem central nessa disputa ao provocar o bate-chapa, aos 82 anos Ribeiro encontra no Graciosa o seu último reduto de mando, depois da frustrada campanha para a prefeitura de Pontal do Paraná, em 2020. Embora nunca tenha exercido cargo político (pela falta de apoio do pai, segundo ele próprio), o seu poder é exercido nos bastidores da vida pública nacional.

Políticos como os deputados estaduais Alexandre Curi (PSD) e Ney Leprevost (União Brasil) estão entre os convivas do empresário. Ambos estiveram presentes no depoimento de Ribeiro à CPI da Ocupação Fundiária de Pontal do Paraná, instalada na Assembleia Legislativa em 2015, ainda que não fizessem parte da comissão. Já o ingresso oficial de Ribeiro na política se deu em 2020, quando se candidatou à prefeitura de Pontal do Paraná pelo Partido Social Cristão.

A menos de um mês do pleito, Ribeiro retirou-se da disputa em 24 de outubro para se dedicar à defesa de denúncias nas quais se viu envolvido. As investigações da Polícia Federal na operação Quinto Ato davam conta de um esquema de pagamento de propina ao então senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello para liberação ambiental no Ibama, a fim de permitir a instalação do porto que Ribeiro ambicionava construir no litoral do Paraná (leia mais aqui).

Vereador Alexandre Leprevost em campanha por Ribeiro. Foto: Redes sociais

Segundo as investigações da PF, Ribeiro fez pagamento de R$ 1,1 milhão ao escritório de advocacia Spengler & Padilha. Sócio do escritório, Luiz Alberto Spengle realizou movimentações financeiras para o ex-senador Ataídes de Oliveira (PSDB-TO) em nome de Collor. O valor foi bloqueado e sequestrado das contas bancárias do ex-presidente e dos demais investigados por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, responsável por autorizar a operação.

À época, Ribeiro era o candidato mais rico do Brasil, com patrimônio de R$ 1,5 bilhão declarado à Justiça Eleitoral e aplicações no fundo do Banco Pactual. Além disso, é acionista de empresas como Carrefour, Vale do Rio Doce, Multiplan, Sabesp, Gerdau, Cemig e Petrobras. O patrimônio equivale a quase nove anos de arrecadação da cidade em que ele queria ser prefeito. Pontal do Paraná teve receita de R$ 167 milhões em 2022.

“Quero teu voto e de mais 20. Te vira aí”

João Carlos Ribeiro dedicou os últimos meses a uma campanha arrojada para voltar à presidência do Graciosa Country Club. Todos os associados que aceitaram falar sobre ele pediram anonimato, receosos de represálias. Definido como figura autoritária por quem conhece suas práticas nos negócios e no clube, faz cobranças incisivas. “Quero teu voto e de mais 20. Te vira aí”, cita um associado ouvido pela reportagem.

Um dos pilares da campanha de Ribeiro é de maior transparência e acolhimento do clube. Contudo, associados sentem-se constrangidos com ações “eleitoreiras” da chapa encabeçada por ele, “expondo o clube às suas ambições”. Além da coerção para obtenção de votos, virou rotina avistar Ribeiro empunhando o celular para documentar e fazer críticas à infraestrutura do clube.

Porém, a problemática expansão da sede social do clube foi uma das obras encampadas por Ribeiro quando presidente. A arquitetura alemã do prédio original, tombado como patrimônio cultural de Curitiba, foi replicado numa fachada contígua e a prefeitura deu ordem de demolição. Em negociação com o poder público desde então, o clube está impedido de obter novos alvarás de construção até a regularização do impasse.

Comitê de campanha de Ribeiro: tentativa de volta após cinco mandatos. Foto: Redes sociais

“Como ele é nato no conselho, acho que as contribuições que ele poderia fazer são muito mais importantes do que voltando a ser presidente”, declara um dos associados ouvido pelo Plural. “É primeiro ele e depois o clube. Ele faz qualquer coisa para buscar esse reduto [de poder]”, corrobora o adversário na disputa.

Ribeiro cerca-se de nomes influentes e executa em ambiente privado manobras políticas comuns à esfera pública. Sua chapa tem no conselho deliberativo o vereador Alexandre Leprevost (Solidariedade) e o deputado federal Reinhold Stephanes Jr. (PSD-PR), além do representante de um dos mais tradicionais clãs da política paranaense: Rodrigo Khury, irmão de Alexandre Curi e neto do lendário deputado estadual Aníbal Khury.

Antes discreto e avesso às redes sociais, Ribeiro criou no fim de abril contas no Facebook e no Instagram para promover a sua candidatura. Instalou um comitê de campanha a 200 metros do Graciosa, na Av. Munhoz da Rocha. Com placas, bandeiras e vidros adesivados, imita os comitês políticos. O slogan “por amor ao Graciosa” remete à frustrada candidatura à prefeitura de Pontal do Paraná, mas agora o nome “João” traz um coração dentro da última letra, circundando o brasão do clube.

Entre os comentários nos posts, alguns definem Ribeiro como “o Bolsonaro do Graciosa”, outros dizem que o clube está sob comando de uma “ditadura”. Na visão de Tobias de Macedo, o que define a sua gestão e a chapa são valores contrários aos de um regime opressor, caracterizadas como “comunistas” pelos opositores. “Por ser mais, talvez, democrático e aberto, a gente pode até levar essa pecha”, diz.

A personalidade mandona de Ribeiro, que só aceita jogar a partir das próprias regras, é um impasse para associados mais tradicionais do clube. “Como todo cara autoritário, [Ribeiro] se coloca como acessível e democrático”, diz um deles. O mesmo declarante expressa gratidão pelo que João Carlos Ribeiro fez por ele, mas manifesta preocupação em seu possível retorno à frente do clube.

O associado vê a obsessão pela presidência inclusive como forma de superar problemas familiares. “Talvez por não ter conseguido formar uma família estruturada em nenhum de seus cinco casamentos, [Ribeiro] busca esse componente pessoal nas famílias do clube. A mesa dele está sempre cheia de pessoas, pais e filhos, irmãos e primos, crianças, mas nunca ninguém da própria família, da família dele. Ele é sozinho”, afirma.

Por quatro vezes a reportagem do Plural tentou entrevistar João Carlos Ribeiro, mas em todas teve o contato negado. Na quarta tentativa, a coordenação de campanha do candidato informou “incompatibilidade de agenda”.

Quem é quem na disputa

João Carlos Ribeiro foi presidente do Graciosa Country Club por cinco mandatos, totalizando dez anos não consecutivos. Ninguém ocupou a função por tanto tempo quanto ele – três ex-presidentes chegaram ao máximo de três mandatos. Natural de Uraí, Norte do Paraná, passou a frequentar o clube aos 10 anos, quando se mudou para Curitiba com a família para que o pai exercesse na capital o mandato de deputado estadual.

Com a fundação da associação interna Grêmio Flamingo, em 1959, jovens do Graciosa ganhavam espaço para organizar festas e atividades no clube. Um dos objetivos da agremiação era a formação de possíveis futuros nomes para as diretorias e conselhos do clube. João Carlos Ribeiro era um deles, atuando como primeiro-tesoureiro entre o primeiro grupo de dirigentes do Flamingo.

A partir dos anos 1980, Ribeiro assumiu funções nas diretorias do clube. Na década seguinte, ocupou a presidência do conselho deliberativo e foi eleito presidente do clube em 1997. O comando foi exercido até 1999, retornando para as gestões de 2003-2005, 2005-2007, 2011-2013 e 2013-2015.

O advogado Tobias de Macedo tem 52 anos e descende de uma das famílias fundadoras do Graciosa. O pai, o falecido desembargador Tobias Macedo Filho, foi um dos criadores do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, que leva o seu nome. A campanha à reeleição do Graciosa é por ele definida como um “movimento da família, do respeito, da integridade, da gestão séria”. A esposa e os filhos participam das decisões e atividades à frente do clube.

Frequentando o clube desde que nasceu, Tobias iniciou as atividades diretivas no Graciosa em 1997 como diretor jurídico, a convite de Ribeiro. Depois, ainda ocupou as funções de vice-presidente administrativo e vice-presidente do clube.

Em 2007, foi eleito pela primeira vez à presidência. Reeleito, continuou no posto até 2011, precedido e sucedido por dois mandatos de Ribeiro em cada ocasião. Tobias voltou para um terceiro mandato em 2021, e, como é de tradição no clube, tenta a reeleição novamente.

“Uma barata que ia ser morta”

João Carlos Ribeiro tem quatro filhos de cinco casamentos. A última união acabou de forma tumultuada em julho de 2012, com a prisão dele em flagrante sob acusação de “crime de ameaça, injúria, vias de fato e cárcere privado”. A vítima, Cristiane Debastiani, havia se separado dele pouco tempo antes.

Além de laudos de lesões corporais anexados ao processo, o porteiro do prédio do casal presenciou um tapa desferido por Ribeiro no rosto de Cristiane. Uma ata notarial de agosto daquele ano constata por meio de filmagens de câmeras de segurança que “ela sofre agressões” do ex-marido. Na Justiça, ela obteve medidas protetivas contra Ribeiro, que incluíam distância mínima de 200 metros do agressor.

Entre as medidas, revogadas ainda em setembro daquele ano, estava o comparecimento de Ribeiro a quatro encontros semanais em grupo para orientação e sensibilização sobre violência doméstica contra mulher. O pedido de revogação cita que as reuniões iriam “prejudicar sobremaneira o estágio de extrema fragilidade emocional” dele, que, nas próprias palavras, sentia-se como “uma barata que ia ser morta a qualquer instante, uma criatura desprezível para a sociedade”.

Salão do Graciosa: sede de luxo para elite curitibana

Mas Ribeiro não é o único nome da chapa de oposição envolvido em polêmicas. Candidata a vice-presidente do clube, Laura Dalcanale é uma das citadas na Operação Claquete, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). A empresa fundada por Laura em 2000, a Arte Lux Produções Cinematográficas, foi alvo de busca e apreensão requerida pelo Ministério Público.

A investigação apura corrupção na área da Comunicação Social do Governo do Estado do Paraná, entre produtoras de vídeo e do ex-secretário de Comunicação do Governo Beto Richa, Marcelo Cattani. O esquema trata do uso de verbas publicitárias dos últimos dez anos no governo do estado, envolvendo agências de publicidade e produção cinematográfica.

Paulo Henrique Demchuk é advogado da chapa de Ribeiro. Ex-presidente do conselho deliberativo da última gestão do candidato, foi detido pela Polícia Federal após agredir a ex-senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) durante um voo, em 2016. O advogado fazia parte de um grupo favorável ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff e que hostilizou a senadora no trajeto entre Brasília e Curitiba. Ela filmava os xingamentos quando teve o celular tomado das mãos por Demchuk.

Ele admitiu ter socado o celular da senadora e foi escoltado pela PF no desembarque. A detenção no aeroporto durou cerca de 40 minutos. A ocorrência foi registrada pela vítima na Polícia Legislativa do Senado Federal, que encaminhou denúncia criminal ao Ministério Público do Paraná contra o advogado. A Justiça o condenou a indenizar Vanessa Grazziotin em R$ 15 mil, elevado para R$ 30 mil devido à ampla repercussão do caso.

Candidato a deputado estadual no Paraná (PROS) em 2018 e a vereador de Curitiba em 2020 (PSD), Demchuk não foi eleito em nenhum dos pleitos. Durante a disputa pelo cargo de deputado, fez uma campanha polêmica na capital. Ele e correligionários cobriram com placas diversos radares de trânsito no Centro da cidade, em protesto contra a “indústria de multas”.

Ex-aliados em confronto aberto

“Eu tive o prazer e a honra de indicá-lo [Tobias de Macedo] como meu sucessor. Ele era o meu diretor jurídico. Indiquei o nome dele e ele automaticamente se transformou em presidente do Graciosa”, declarou Ribeiro à Gazeta do Povo, em 2011.

Tobias hoje alega que o ex-presidente esperava que o caminho para a eleição fosse aberto como sinal de gratidão pela antiga parceria. “O presidente tem que ser eu. […] Da presidência eu não abro mão, então é melhor nem conversar”, teria dito Ribeiro a interlocutores entre as chapas.

“Esse combinado não existiu, mas ele gosta de dizer ‘Ele me traiu, combinou comigo que abriria mão [da disputa] para mim’”, afirma Tobias.

Antes mesmo da eleição de 2011, Ribeiro já havia prometido não disputar mais a presidência do clube. Logo após vencer o pleito, afirmou que “tem certas coisas que nos puxam sem que a gente se dê conta do porquê” para justificar o retorno. Passados 12 anos, a vontade de poder o puxou novamente para o centro da disputa.

Um clube para milionários

O status de “clube fechado”, restrito a 3 mil associados, aguça o interesse de não sócios a participarem de festas e eventos no Graciosa. Grandes nomes nacionais e internacionais, de Getúlio Vargas a Walt Disney, passando por Muhammad Ali e Martha Rocha, são alguns que o clube exibe com orgulho nos murais de suas paredes e nas redes sociais.

Frequentar esse clube é só para quem tem muito dinheiro. Somente o valor da joia para se associar é de R$ 720 mil, mais os R$ 30 mil do título de sócio. Os 246 mil metros quadrados estendem-se no coração de uma região cujo metro quadrado é avaliado em R$ 10 mil, muito valorizado em razão do luxo e da história do clube.

Campo de golfe de 14 buracos no clube

O campo de golfe com 14 buracos, onde circulam 40 carrinhos avaliados em R$ 90 mil cada, é um dos principais atrativos do clube, sendo o único localizado dentro da cidade e não em suas cercanias.
O tênis é outro expoente dessa elite. São 15 quadras e campeonatos abertos sediados desde 1938. Björn Borg e Gustavo Kuerten estão entre os nomes que já brandiram suas raquetes nas quadras do clube. Foi a partir da fusão entre o Graciosa Tennis Club e o Curityba Golf Club que o Graciosa Country Club surgiu na antiga Estrada da Graciosa, onde ainda está sediado.

A agremiação foi fundada por 175 membros, sendo a maior parte de ascendência alemã, como também exibe a arquitetura germânica do prédio principal, projetada pelo alemão radicado em Curitiba Francisco Pinow.

Sobre o/a autor/a

15 comentários em “Eleição do Graciosa reedita embate entre “comunistas” e “bolsonaristas””

  1. Berenice Reichmann

    Sou a primeira mulher do João Carlos e mãe dos seus dois filhos mais velhos. Nunca sofri violência física mas muita violência verbal. Depois de 8 anos peguei meus filhos e fui embora. Tenho muita coisa a falar sobre este ser humano com um emocional de criança pequena.
    Estou batalhando pelo Tobias de Macedo, acho que ele é melhor para o clube onde minha família e eu passamos muitos dias de nossa vida.
    Maior respeito pelo Pai e Mãe do meu ex marido, não puxou deles, com certeza, este caráter duvidoso.

  2. Francisco Marcos Ritzmann

    O sprint final através da procura de votos começou. A ação das campanhas devem ser minuciosamente analisadas. A tentativa de desmoralizar a vida pessoal do candidato João Ribeiro deve ser preservada. Aqui trata-se unicamente e apenas do pleito em questão , e não de antecedentes criminais ponto.

    Francisco Marcos Ritzmann.
    ex presidente Clube Concórdia.

  3. Maria Elisa Ferraz Paciornik

    João Carlos Ribeiro foi um excelente presidente do Clube. É um grande gestor. Lamento que a disputa tenha baixado tanto o nível. Fui grande amiga do pai do Tobias. Não tenho nada contra ele. Mas esse tipo de críticas, que lí no texto acima, não combinam com a personalidade do atual presidente. Nem com sua educação. As críticas deveriam se referir à gestão e não à vida pessoal de um candidato. Lamento…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima