Deputado e MP questionam construção de hidrelétrica na “terra das cachoeiras”

Segundo Ministério Público, Pequena Central Hidrelétrica (PCH) São João II está sendo construída em uma área de proteção ambiental

Desde março deste ano, a construção da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) São João II vem sendo denunciada por irregularidades socioambientais que geram danos à natureza e aos moradores de Prudentópolis, no Paraná. A empresa responsável pelo empreendimento contesta qualquer ilicitude, mas o Ministério Público, que apura o caso, afirma que a obra está sendo instalada em uma Área de Proteção Ambiental (APP) e que “esbarra em diversas questões legais”. 

A hidrelétrica está sendo instalada no Rio São João, próximo ao Monumento Natural Salto São João (MNSJ), área criada com o objetivo de garantir proteção integral ao remanescente de Floresta de Araucárias, flora, fauna e recursos hídricos do estado, gerida pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAT) e a prefeitura de Prudentópolis.

De acordo com a Hidrelétrica São João II SPE LTDA (HSJII), empresa responsável pelo empreendimento, além da obra ter autorização da prefeitura do município e licenciamento ambiental do Governo do Paraná, ela promoverá a recuperação de 5 hectares para cada 1 afetado pela usina com o alagamento. 

“A usina se insere em área predominantemente degradada, utilizada anteriormente para plantio de tabaco e milho, onde haviam alguns fragmentos florestais esparsos e não conectados entre si. Por estar sendo edificada num rio é evidente que atinge a APP do rio. E esse impacto na APP é devidamente mitigado e compensado pelo empreendedor.”

Segundo o IAT, a empresa já desmatou cerca de 15 dos 23,18 hectares autorizados pelo Instituto. No entanto, a HSJII afirma que a PCH irá transformar mais de 100 hectares em áreas reflorestadas e recuperadas, criando um corredor ecológico que beneficiará 65 espécies vegetais e 123 espécies animais. “Não se pode tratar o Monumento Natural como se fosse uma grande floresta que está sob ameaça. Trata-se apenas de uma pequenina ilha verde no meio de latifúndios onde se desenvolvem atividades de agricultura intensiva e a PCH São João II irá adicionar expressivos 100 hectares de corredor ecológico ao Monumento Natural!”

Irregularidades

Na sexta-feira (19), o presidente da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), deputado Goura (PDT), acompanhado de moradores e de uma equipe do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), visitou o local onde está sendo construída a São João II. Na ocasião, foram observadas árvores cortadas, interferências em possíveis nascentes de água, desvio do curso hídrico e embalagens de agrotóxicos descartadas de forma incorreta em alguns pontos da estrada.

“Nós entendemos que é necessária uma atenção muito mais presente do estado nessa fiscalização constante sobre os impactos à fauna local. Durante todo o caminho nós constatamos derrubada de mata, araucárias, grandes árvores nativas, todo um cenário de devastação. A gente foi até o final desse canteiro de obras e constatamos toda essa supressão de floresta consolidada, antiga”, relata o deputado.

Segundo a advogada e presidente do Instituto os Guardiões da Natureza (ING), Vânia Mara Moreira dos Santos, a construção das PCHs em Prudentópolis está gerando um impacto enorme não só na natureza mas também na população local, que não foi ouvida de forma adequada quando se fez a aprovação das PCHs. “Quem está no prejuízo é o meio ambiente e a comunidade, são as pessoas que estão lá sofrendo pressão – e isso não é levado em conta”, afirma.

Para a advogada, que também esteve presente na visitação à São João II, um dos maiores problemas é que, como não há uma delimitação das terras que serão utilizadas para a construção da usina, as pessoas são impedidas de fazer o uso de todo o local. “Até hoje os proprietários das terras ainda não foram indenizados. A empresa simplesmente foi lá, fez um depósito no valor que ela bem entendeu e simplesmente agora não deixa ninguém entrar na área. Eles poderiam estar plantando no resto da área, mas como não dizem onde é, eles simplesmente bloqueiam a pessoa de fazer tudo. Eles vivam lá e trabalhavam lá.”

Vânia afirma que, atualmente, além da São João II, Prudentópolis possui outros quatro projetos de empreendimentos hidrelétricos.

Denúncias

As falhas no empreendimento estão sendo investigadas pelo Ministério Público do Paraná, Batalhão de Polícia Ambiental Força-Verde (BPAmb-FV), da Polícia Militar e IAT, após requerimentos encaminhados pela Comissão de de Meio Ambiente da Alep.

Em 2019, o Ministério Público determinou que a prefeitura de Prudentópolis fizesse a “revisão e anulação das anuências municipais para instalação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no município de Prudentópolis”. Isso significa que a construção de qualquer usina na cidade foi suspensa, inclusive a edificação da São João II. A regularidade das licenças e documentos, no entanto, foi comprovada e a suspensão revogada.

Procurado pela reportagem, o Ministério Público informou que as questões referentes à construção da PCH São João II estão sendo apuradas pela 2ª Promotoria de Justiça de Prudentópolis, no âmbito do Inquérito Civil MPPR-0116.21.000015-8.

Segundo o MP, embora a construção da São João II esteja em conformidade com o que prevê a licença ambiental, “a questão possui outros desdobramentos, vez que se refere a empreendimento a ser instalado em área de proteção ambiental (criada pela Lei Municipal nº 1.468/2005), que possui plano de manejo próprio, e em região que afeta comunidades tradicionais, a qual exige consulta específica (aparentemente realizada de forma irregular e insuficiente)”.  

O que diz a empresa

De acordo com a HSJII, as obras da São João II, iniciadas em julho de 2021, contam com a presença contínua de uma equipe multidisciplinar e com o auxílio de programas socioambientais que objetivam mitigar e compensar os impactos da construção. “A supressão vegetal está 100% regular, em perfeito atendimento aos diplomas legais tais como licenças ambientais e autorizações de supressão vegetal, sendo acompanhada diariamente por engenheiros florestais, biólogos, veterinários, arqueólogo e topógrafos.”

Em resposta ao Plural, a empresa negou qualquer tipo de irregularidade na obra e afirmou que tratam-se de “relatos fantasiosos e sensacionalistas feitos por uma advogada que não teve seus pedidos pessoais atendidos pelos empreendedores”.

A HSJII destaca ainda que embora “toda obra tem aspecto visual ruim”, isso não significa que a instalação esteja em inconformidade com a legislação. “Uma simples reforma num apartamento pode causar impressão visual ruim durante a obra. Contudo, terminada a obra é esperado que o produto final seja um apartamento bonito e aconchegante. No caso de obras de PCH é a mesma coisa. A fase de obras tem aspecto visual ruim, é feio realmente, mas isso não significa que algo esteja errado nem muito menos seja ilegal. Ao término da obra tudo ficará muitíssimo diferente, ficará tudo muito bonito e com um massivo corredor ecológico de 100 hectares, além de um pequenino lago que trará mais beleza ao local”.

Em relação à consulta às comunidades locais, exigida pela Convenção nº 169 da OIT (art. 6ª, item 1, alínea a) e aprovada pelo Decreto nº 5.051/2004, a empresa disse que em 2016 foram adquiridos 32 hectares que correspondem a 40% da obra. Para os 60% restantes, os proprietários teriam pedido “valores absurdos” e, por isso, não foi possível chegar a um acordo. Depois da tentativa de negociação entre as partes, as áreas passaram a ser objeto de desapropriação judicial.

Leia a nota da empresa na íntegra:

Terra das cachoeiras

O Paraná está entre os estados com o maior potencial de construção de PCHs, segundo o próprio governo. Prudentópolis é conhecida como a terra das cachoeiras e, por este motivo, atrai empreendimentos hidrelétricos de todo o país que colocam em risco o patrimônio natural existente na região.

De acordo com o IAT, entre 2019 e 2021, foram emitidas 6 Licenças Prévias, 10 de Instalação e 5 de Operação de PCHs no Paraná. Conforme o Instituto, como a construção desse tipo de empreendimento “incorre em impactos sobre os meio físico, biótico e socioeconômico, variando a magnitude, duração, recorrência e reversibilidade em função das características de cada projeto”, é preciso realizar um estudo ambiental “bastante técnico e robusto” sobre esses impactos decorrentes da usina.

Para o deputado Goura, é preciso questionar o crescente aumento nos empreendimentos de PCHs no Paraná. “A gente está falando de um empreendimento privado, particular, empresas que visam o lucro que ocorrem em áreas de preservação, destruindo as poucas áreas remanescentes de florestas do Paraná, promovendo problemas ambientais e sociais gravíssimos. As PCHs não são soluções sustentáveis. Elas não têm nada de pequeno e têm impactos muito grandes que não são vistos pela sociedade”, afirma.

Segundo o parlamentar, a Comissão de Meio Ambiente da Alep continuará discutindo sobre o impacto socioambiental das PCHs e cobrando ações efetivas “para uma política ambiental adequada no Paraná”. 

O Batalhão da Polícia Ambiental Força-Verde (BPAmb-FV), da Polícia Militar, foi procurado pelo Plural, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.

Reportagem sob orientação de João Frey

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Deputado e MP questionam construção de hidrelétrica na “terra das cachoeiras””

  1. Márcio de Souza pereira

    Será que os políticos não estão se beneficiando(recebendo propina),,,isso não vai dar em nada…isso .e BRASIL, e aqui tudo acaba em pizza….

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima