Curitiba destinou apenas 2% das verbas de publicidade para reforçar vacinação

Entre janeiro de 2020 e setembro de 2023, divulgação de ações de vacinação recebe R$ 1,57 milhão - bem menos que Natal Luz e Família Folhas

Apenas 2% do orçamento de Curitiba destinado a publicidade entre janeiro de 2020 e 26 de setembro de 2023 foi direcionado à divulgação de programas de vacinação. Levantamento feito pelo Plural a partir de despesas registradas no Portal da Transparência do município mostram que a gestão de Rafael Greca (PSD) decidiu dar prioridade a outras campanhas. A volta da Família Folhas, por exemplo, recebeu quase cinco vezes mais recursos no período.

A divulgação de ações de vacinação concentrou R$ 1,57 milhão dos R$ 77 milhões empenhados como despesa de publicidade e propaganda no intervalo. Às campanhas da programação do Natal de Curitiba foram destinados quase quatro vezes mais: R$ 5,87 milhões, equivalente a 7,6% da soma total. Já a Família Folhas – trabalho de conscientização ambiental famoso na década de 1990 e reativado por Greca –, recebeu R$ 7,5 milhões, aproximadamente 10% de toda a verba.  

Para os cálculos, foram somadas todas as cifras de empenho não anuladas aplicadas tanto pela Secretaria de Comunicação Social como por órgãos específicos. No caso das campanhas de vacinação, também há aportes feitos diretamente pelo Fundo Municipal da Saúde.

A fórmula do levantamento indica ainda que mesmo a covid-19 não robusteceu as ações de divulgação de vacinas. Em 2021, quando o Brasil começou a aplicar as doses contra o vírus, Curitiba destinou R$ 149 mil em ações para reforçar a imunização. Naquele ano, ainda com restrições determinadas por órgãos epidemiológicos, peças de publicidade do Natal Luz, evento de turismo e lazer oficial da prefeitura, tiveram verba de R$ 1,95 milhão.

Este ano, até o dia 26 de setembro, o Portal registrava apenas R$ 20 mil de empenhos não anulados para as ações de vacinação no município. Um dia antes desta data, no dia 25 de setembro, a secretária de Saúde de Curitiba, Beatriz Battistella, chegou a fazer um alerta na Câmara de Vereadores sobre a taxa de cobertura vacinal na cidade. “Só estamos com a BCG acima do recomendável. Todas as outras vacinas estão abaixo de 95%, trazendo para nós o alerta da importância de resgatarmos a cobertura para controlar essas doenças”, disse.

Feito com Visme

O papel dos municípios

Segundo a prefeitura, até 20 de setembro, a capital paranaense estava abaixo da meta de 95% em relação a todos os imunizantes do calendário vacinal das crianças menores de 1 ano. A pentavalente (contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e contra a bactéria haemophilus influenza tipo B) chegava a apenas 81% do público atingido, refletindo consequências enfrentadas no Brasil e fora dele pelo menos desde 2015.

Em julho do ano passado, pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que a aplicação de imunizantes em crianças chegou ao patamar mais crítico dos últimos 30 anos em todo o mundo, um impacto direto da pandemia da covid-19, da escassez das doses e também do efeito negativo de movimentos de desinformação contra vacinas. O levantamento mostrou que aplicações de primeira dose contra o sarampo caiu para 81% em 2021, o índice mais baixo desde 2008. Apesar de uma amostra de recuperação em 2022, o Brasil ainda está consideravelmente abaixo das metas de vacinas como a tríplice bacteriana (DTP), combinada MMRV e poliomielite, mostrou estudo recente publicado pelo Observatório de Saúde da Fiocruz. A possibilidade de retorno da pólio ao país é considerada muito alta pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).

placa vacinação
Campanhas de vacinação receberam menos dinheiro para publicidade do que a Família Folhas | Foto: Tami Taketani/Plural.

Para reverter o quadro e retomar as altas coberturas no país, o governo Federal estabeleceu novas camadas para a campanha anual de multivacinação – que, no Sul, começou no último sábado (14). Uma das mudanças faz prevalecer o planejamento local e realça a atuação de estados e municípios no trabalho de cumprimento das taxas.

No fim de 2021, ação conjunta entre a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a Fundação Oswaldo Cruz e o Programa Nacional de Imunizações (PNI) lançou o Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV), cujo objetivo é elevar a taxa de imunização de todo o país até 2025. Além de estimular propostas de infraestrutura, acesso e bases de dados relacionadas à vacinação, a iniciativa também defendeu a comunicação como importante ferramenta de articulação para manter o Brasil no mapa das referências em doses aplicadas.

Busca ativa

Outra estratégia em discussão são os trabalhos de busca ativa de crianças não vacinadas. Em abril deste ano, o Unicef, fundo para a infância da Organização das Nações Unidas (ONU), recomendou ao Ministério da Saúde o fortalecimento de ações locais de rastreio de esquemas em atraso, tarefas historicamente concentradas nas agendas dos agentes comunitários de saúde.

Em Curitiba, no entanto, mesmo com o alerta da própria Secretaria Municipal da Saúde pelos indicadores em baixa, a rotina de buscas por crianças com esquema vacinal incompleto ainda não retomou o fluxo de antes da pandemia.

Números da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do governo Federal mostram uma queda mais acentuada de buscas no segundo ano da pandemia, quando a prefeitura já havia adotado medidas mais flexíveis de contato social. Desde então, as visitas com esse propósito ainda se mantêm em patamares mais baixos. Em 2019, a prefeitura fez 18,6 mil buscas de não vacinados. No ano passado, foram 13, 5 mil.

Feito com Visme Infographic Maker

Ao Plural, no entanto, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) disse que mais de 300 servidores da pasta participaram de um evento em setembro para “reconquista das altas coberturas vacinais”. Já neste mês foram programadas oficinas para desenvolver propostas de fortalecimento da vacinação por regiões.

Nesta semana, as unidades básicas de saúde de Curitiba estão com horário estendido até 20h – estratégia adotada para melhorar os índices.

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A preocupação de quem atua na área de saúde é com sobrecarga no sistema para o tratamento de doenças que poderiam ser evitadas com imunização. “As vacinas são pactos sociais para proteção coletiva. A prevenção de doenças é a melhor forma que temos para não gerar altos custos para o Sistema de Saúde. Quando ocorrem quedas nos níveis de vacinação essa prevenção passa a não ocorrer com eficiência, e doenças que já não eram um problema de saúde, voltam a ser um risco”, explica a doutora Isabela Carvalho, pesquisadora da Universidade Paranaense (Unipar).

Na capital, em média, são feitas 5 mil aplicações de vacinas diariamente, conforme estimativa da Secretaria de Saúde. No entanto, os dados não discriminam o percentual de busca ativa.

No caso das crianças a coordenação geral dos Conselhos Tutelares de Curitiba recebeu 14 denúncias sobre falta de vacinação infantil entre janeiro e 9 de outubro deste ano. “As crianças para serem matriculadas nas creches precisam estar com a vacinação em dia e os agentes comunitários também vão às casas”, explica a conselheira Maurina Carvalho da Silva.

Esforços além das campanhas

Procurada, a prefeitura não quis conceder entrevista para falar sobre a destinação das verbas de publicidade para ações de vacinação.

Em nota, não contestou os números, mas disse que o levantamento feito pela reportagem não está correto, “pois os esforços para a vacinação em Curitiba vão muito além das campanhas”.

“Os gastos com campanhas vão além dos valores empenhados. O poder público usa seus próprios meios, que não estão contabilizados nos valores, que são os mobiliários urbanos (MUBS), painéis digitais e TVs dos ônibus, bem como o trabalho contínuo nas redes sociais e através das notícias do site, com milhões de visualizações/mês”, afirmou.

A administração do prefeito Rafael Greca (PSD) disse ainda que os esforços da comunicação são permanentes e, junto de ações como busca ativa, horários estendidos e dias D, garantem a Curitiba indicadores maiores do que a média nacional.

“Dados do portal do SUS, referentes ao Calendário Nacional de Vacinação, comprovam o sucesso da estratégia adotada por Curitiba: o Brasil tem 81,49% de cobertura do esquema básico nacional de vacinação, enquanto Curitiba alcançou a marca de 86,98%. Já a cobertura nacional do reforço bivalente da covid é de 16,55%, enquanto a de Curitiba chegou-se a 28,06%”, diz a nota.

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