Criminoso que espancou músico negro em Curitiba pode responder por tentativa de homicídio

Paulo Cezar Bezerra da Silva, armado de cassetete e faca, atacou Odivaldo Carlos da Silva, que é negro, dizendo “preto tem que morrer”

Na última terça-feira (22), o músico Odivaldo Carlos da Silva, conhecido como Neno, de 55 anos, foi agredido na rua Dr. Faivre, em Curitiba, por Paulo Cezar Bezerra da Silva. O caso foi registrado pela Polícia Militar (PM) como lesão corporal leve, embora o criminoso tenha usado frases racistas e agido com violência extrema.

Silva, armado de cassetete e faca, partiu para cima do músico, que é negro, dizendo “preto tem que morrer”. Um cachorro também atacou a vítima sob comando de Silva. A vítima teve um dente quebrado, além de lesões na boca, cabeça e peito.

Apesar da gravidade do ataque, o autor foi liberado logo na sequência, após assinar a um termo circunstanciado da PM por lesão corporal.

Apenas dias depois, quando a vítima se recuperou dos ferimentos e procurou auxílio jurídico, o boletim de ocorrência foi complementado com informações adicionais com mais detalhes do ataque.

Investigação

O caso está sendo investigado no 1º Distrito Policial de Curitiba, depois de grande repercussão nas redes sociais e mobilização do Movimento Negro.

A vítima pode ter sido confundida com uma pessoa em situação de rua, o que reforça o comportamento com inclinações nazistas e comprovadamente racista do agressor.

Foi necessário fazer um boletim de ocorrência complementar, porque o primeiro documento confeccionado pela PM não citava as frases racistas e nazistas ditas por Silva, que defendia, aos gritos, agressões e morte a pessoas em situação de rua e negros.

No depoimento de segunda-feira (28), Neno, ainda com muitas lesões em decorrência do espancamento, contou aos policiais civis a sequência das agressões.

Nesta terça-feira (29) a expectativa é de que o agressor seja ouvido na mesma delegacia e é possível que a Polícia Civil conclua o inquérito ainda nesta semana.

Ao Plural, a PC afirmou que fez diligências no fim de semana e que intimou as duas partes, bem como testemunhas, para prestar depoimento.

Uma dessas testemunhas forneceu as imagens das câmeras de segurança que registraram a tentativa de homicídio. Há muita violência no vídeo, além do gatilho racial (veja abaixo). “Eu vi tudo. Estava passeando com minha cachorrinha quando vi ele espancando o Neno. Aí comecei a gritar e ele me disse para calar a boca porque senão ia sobrar para mim”, contou a testemunha.

Uma outra mulher que passava pelo local também parou e ambas fizeram o acionamento da PM e Siate para socorrer o músico. “Depois eu fui averiguar sobre ele [agressor] e algumas pessoas me falaram que ele ameaçou um casal homossexual que mora no prédio dele e também espancou um morador de rua por aqui”, disse a mulher.

Além de Neno, o acusado também agrediu outra pessoa negra nesta semana. As imagens foram divulgadas pela vereadora Carol Dartora (PT).

O advogado que representa a vítima, José Carlos Portella, explicou que a decisão dos policiais militares de registrar apenas um termo circunstanciado e liberar o agressor poderia deixar o criminoso impune até março de 2023, para quando estava prevista uma audiência de conciliação entre as partes.

“O tipo de instrumento que ele [agressor] usou, inclusive com o cachorro, as frases teve motivação racial. Agora o delegado responsável [Danilo Zarlenga] vai conduzir o inquérito como tentativa de homicídio qualificado, justamente a qualificadora por causa das frases”, explicou.

Quem é o acusado

Paulo César Bezerra da Silva tem 36 anos, trabalha como segurança, e tem um longo histórico com a polícia.

Ele responde por tentativa de homicídio, além de já ter sido denunciado por furto, ameaça e agressão.

Pessoas que frequentam as imediações da Dr. Fraive, local em que ocorreram as agressões, afirmam que Silva age como um “limpador social” na região, expulsando pessoas em situação de rua e agindo de forma violenta. Em um dos inquéritos no qual é citado, uma testemunha revela que o autor se apresenta como “pistoleiro”.

Pelas redes sociais, a deputada federal eleita Carol Dartora (PT), publicou outras imagens que mostram Silva agredindo outra pessoa e usando o mesmo modus operandi, com cassetete e muita violência.

O delegado Danilo Zarlenga está investigando o caso | Foto: Divulgação/SMCS

“Já sabemos que esta não é a primeira vez que ele age desta forma, mas como muitas pessoas [agredidas] estão em situação de rua, acabam não registrando o boletim de ocorrência”, observou Portella.

Enquanto espancava Neno, Silva, que é pardo, ofendia o músico o chamando de “macaco” e “negro sujo”. O comportamento fez com que órgãos ligados ao combate ao racismo e Movimento Negro cobrassem as autoridades.

Racismo

Durante o depoimento na manhã de segunda-feira (28), um grupo de pessoas esteve em frente à delegacia para protestar contra o criminoso, bem como para pedir que tanto a polícia quanto o poder judiciário imputem o crime de racismo contra o acusado.

O que acontece, via de regra, é que as delegacias do Paraná qualificam os crimes raciais como injúria e não como racismo, o que abranda a punição dos acusados.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp), o crime de racismo é caracterizado por “discriminação contra o coletivo, referindo-se à crença de que um determinado grupo de pessoas é superior a outro”. Por outro lado, a injúria racial é associada ao “uso de palavras depreciativas contra uma pessoa específica”.

No caso de Paulo César Bezerra da Silva o comportamento agressivo contra pessoas em situação de rua, aliados às falas e violência gratuita contra o músico, demonstra, para o advogado que representa Neno, que houve motivação racial para o crime.

A estatística mais recente divulgada pela Sesp sobre boletins de ocorrência registrados pelos crimes de racismo e injúria racial é do período de janeiro a outubro de 2021: 953 em todo Paraná.

O Plural solicitou dados separados, para saber quantos crimes de racismo são investigados pela Polícia Civil do estado, mas os dados só estarão disponíveis daqui a 30 dias, o que demonstra a deficiência do Estado em prevenir e combater crimes raciais, embora haja iniciativas importantes.

Repercussão

O Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Paraná (Consepir), por exemplo, promoveu durante novembro – mês da Consciência Negra – eventos para discutir o enfrentamento ao racismo no Estado.

Neno teve lesões em várias partes do corpo, e também um dente quebrado | Foto: arquivo pessoal

Com a atuação do Conselho junto ao caso do músico Neno, o caso ganhou atenção por parte da Polícia Civil. Um ofício enviado à Sesp solicitava a prisão de Paulo César Bezerra da Silva.

“O fato é que a Polícia Militar foi levada ao erro e não levou em consideração a testemunha (…) que o agressor teria dito em tese que ‘negro e morador de rua tem que morrer’, caracterizando assim o crime de racismo, injuria racial e lesão corporal”, diz o documento, assinado pelo presidente Saul Dorval da Silva.

Carol Dartora, deputada federal eleita, encaminhou um pedido ao Ministério Público do Paraná (MPPR) também requerendo a prisão do acusado.

“O suspeito de praticar o crime está solto e, de acordo com novas informações recebidas pela parlamentar, continua espancando outras pessoas negras na cidade”, publicou Dartora no site do mandato. O documento foi encaminhado à Promotoria de Direitos Humanos Criminal.

Neno prestou depoimento nesta segunda-feira sobre o ataque racista que sofreu | Foto: colaboração/Plural

O Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE) abriu um procedimento administrativo, de natureza cível, para acompanhar o caso.

Em nota, o NUCIDH mencionou que pedirá informações aos órgãos de investigação e confirmou que trabalhará em conjunto com o MPPR no caso de Neno.

O MP, por sua vez, designou os promotores de Justiça Cláudia Regina de Paula e Silva, João Milton Salles e Marcelo Balzer Correia para o caso.

Mobilização

Mesmo com a expectativa de que o inquérito seja concluído ainda nesta semana, ativistas querem jogar luz sob as agressões sofridas por pessoas negras em Curitiba e, especificamente, tratar do caso de Paulo César Bezerra da Silva, que permanece solto mesmo numa situação de flagrante.

No próximo dia 4 de dezembro, ocorre um ato chamado “Justiça por Neno”, na praça João Cândido, no São Francisco.

Nesta terça-feira (29), o acusado deve prestar depoimento às 14h para o delegado responsável.

Sobre o/a autor/a

5 comentários em “Criminoso que espancou músico negro em Curitiba pode responder por tentativa de homicídio”

  1. Não só o agressor que praticou essa conduta criminosa, deveria ser punido, como também as pessoas que ficam olhando sem fazer nada, pior ainda acham graça de uma cena lamentável como essa. Um absurdo completo!

  2. Tem que procurar as lojas que o pagavam pra espancar morador de rua, as lojas também tem que ser exposta e pagar indenização pela tortura, ,as lojas são criminosas também, tem que ser exclarecida a parte delas.

  3. Uma retificação, considerando os detalhes asquerosos do caso. Se comprovado que ele tenha afirmado que “preto tem que morrer”, isso configura crime de RACISMO, e não injúria racial, sendo aquele INAFIANÇÁVEL. Aguardemos a celeridade do respectivo processo penal (e um pouco de justiça).

  4. Quase passei mal vendo o vídeo do ataque covarde desse monstro, que tem que ser preso e Deus me livre, mas desejo que todas essas torturas que provocou em tantos indefesos, seja devolvida a ele, para sentir na pele o mal horrível que provocou, pagando assim seus pecados! Prisão é o mínimo que esperamos para que esse ser demoníaco não ameace mais ninguém e não fique livre para acabar com a vida de todos os moradores, ter um monstro desses na comunidade é morar no inferno!
    Mto amor e mhas lágrimas de solidariedade ao Nemo, que com certeza esta recebendo todo apoio e energia boa de amor que merece! Deus te abençoe, querido!🙏❤️🙏❤️

  5. Que ele responda por tentativa de homicídio qualificado por motivo torpe, ALÉM do crime de injúria racial. Esse elemento oferece perigo à coletividade e por isso deveria ter a prisão preventiva decretada. Que ele enfrente todo o rigor da lei. Minha solidariedade ao músico.

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