A pesquisa bibliográfica “The black african and the diaspora population in technological developmen” demonstra que houve um apagamento das contribuições da população africana e afro-brasileira no campo das Ciências Exatas no Brasil.
O artigo de autoria do estudante de Engenharia Mecânica da UPFR Felipe Almeida, com orientação do professor Harrison Lourenço Corrêa, publicado Brazilian Journal of Development (BJD), revela, por exemplo, que técnicas de cultivo de cana-de-açúcar, confecção de tecidos e garimpo, já eram amplamente conhecidas pela população escravizada.
“Entretanto, os negros escravizados, na época das descobertas, não eram vistos como capazes de realizar engenharia — e até hoje sua história é pouco conhecida, já que os trabalhos foram apropriados pelos colonizadores”, diz um trecho do estudo (tradução livre).
“Em relação ao ciclo do ouro, por exemplo, antes mesmo da exploração massiva portuguesa e espanhola, o conhecimento dos africanos sobre a extração de gemas em torno de Gana, Guiné e Mali já existia antes da Era Cristã. Quando se trata da contribuição dos africanos para o Brasil, a percepção comum é que sua contribuição para o desenvolvimento da sociedade brasileira está limitada à sua religião e cultura”, continua o texto.
A pesquisa demorou dez meses para ser concluída e houve dificuldade em fazer o levantamento bibliográfico por conta da escassez de fontes. “O que mais me surpreendeu, e não só a mim, foi a dificuldade de achar artigos para se referenciar. Os artigos que encontrávamos eram, na extrema maioria, internacionais”, diz Felipe Almeida, que tem 27 anos e mora no Boqueirão, em Curitiba.
Para o professor Harrison Lourenço Corrêa, do Núcleo de Pesquisa de Relações Raciais, Ciência e Tecnologia (Nupra), do Setor de Tecnologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o desafio era incluir a temática racial na área de exatas. “Eu sou engenheiro químico, professor da Engenharia Mecânica e como em todas as engenharias há um processo mais rígido, que dialoga pouco com as outras áreas. Então foi um desafio muito grande e eu sempre digo que ao invés de orientar esta pesquisa eu aprendi muito com o Felipe.”
Racismo estrutural
A dificuldade encontrada pelo estudante é fruto do racismo estrutural. “A principal característica do racismo estrutural é justamente invisibilizar”, explica o professor doutor Sérgio Luis Nascimento, membro no Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica (PUC).
De acordo com ele, um estereótipo foi colocado sobre a população negra, determinando um lugar específico sobre o que é possível ser desenvolvido ou não. “Ou seja, muito se atribuiu ao negro questões culturais como o samba e os esportes, o que não são coisas ruins, mas para além disso o racismo estrutural faz com que as pessoas achem que não há lugar para a população africana ou afro-brasileira no racionalismo, na ciência”, pontua Nascimento.
O artigo também cita as pirâmides egípcias como obras extremamente importantes para a engenharia e a arquitetura.
Casa de formação de Enedina Alves Marques, a primeira engenheira civil do Paraná e primeira engenheira negra do país, na UPFR o desafio é cada vez mais romper paradigmas e abrir diálogos entre a diversas áreas do conhecimento.
“Acho que são pequenos passos. Antes havia pouca interação e essa temática racial não era discutida em sala de aula nas engenharias. Agora existe o Nupra, apoiado pelo Neab (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros), e um grupo de professores comprometidos em trazer essa discussão. Então são pequenos passos, mas passos importantes”, defende Corrêa.
Para ler a pesquisa (em inglês) basta acessar o site do BJD.
Parabéns pela matéria! Parabéns ao Felipe Almeida pelo excelente trabalho e pesquisa! Deixo registrado aqui a minha questão como o “lugar de fala” tão destacado pela ideologia do identitarismo: o lugar de fala nos faz cair (nós afrodescendentes brasileiros), na armadilha da delimitação de tema. Nosso lugar de fala está delimitado a determinados temas e bem sabemos quais são. Já quando os temas envolvem complexas epistemologias, daí é o acadêmico branco o chamado para falar em seu lugar de fala já “conquistado” pelos privilégios de “fala”. Washington Pereira da Silva dos Reis. Mestre e doutorando pelo PPGD/UFPR. Advogado.
Que orgulho de nossos irmãos, orgulhosamente nós.